O momento é de a massa associativa enfrentar a verdade e de conseguirmos, ou não, provar, mais uma vez, que o Vitória é verdadeiramente enorme
Terminado o campeonato e arrumadas as preocupações com os resultados desportivos, chegou a hora da verdade.
É sabido que a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) rejeitou a inscrição do Vitória na Liga 3 e que o Tribunal do Comércio de Setúbal declarou, no dia 2 de Maio, a insolvência do clube e da SAD, depois de os credores das duas entidades terem rejeitado dois novos planos especiais de revitalização (PER) que a direcção e a administração apresentaram, para substituir os que estavam em vigor.
A direcção do Vitória informou, entretanto, que apresentou recurso da decisão de não-inscrição da equipa e que entregou planos de recuperação aos credores, para tentar evitar que avancem para a liquidação, que será a morte definitiva de clube e SAD.
As decisões finais destas questões vão ser este mês, já a partir da próxima semana. O veredicto sobre a inscrição na Liga 3 será conhecido a 20 de Junho, dia em que a FPF publica a lista definitiva dos clubes participantes nesse campeonato, e as assembleias de credores estão marcadas para os dias 24 (da SAD) e 25 de Junho (do clube).
Parecem decisões com o mesmo grau de importância, mas não são.
Embora a participação da equipa na Liga 3 tenha a sua importância, aquela que decide a vida ou morte do Vitória, tal como o conhecemos, não é essa. São as assembleias de credores que vão determinar se o que resta do património do clube e da SAD entra em liquidação (venda) para pagamento das dívidas ou se, pelo contrário, é dada mais uma oportunidade, aceitando-se a aprovação de um plano de recuperação. Embora pareça tudo o mesmo, os destinos do clube e da SAD podem ser diferentes. Os credores podem aceitar os dois planos de recuperação, apenas um deles ou nenhum dos dois. Ou seja, pode ser viabilizado o clube, ou a SAD, ou os dois ou nenhum dos dois.
Em qualquer dos casos, os sócios têm de ter noção de que a viabilidade do clube – já nem falo da SAD porque é o futuro do clube que nos deve preocupar – continuará ameaçada, mesmo que a assembleia de credores aprove o plano de recuperação, porque o volume de dívida acumulada é monstruoso.
A reflexão que todos (sócios, adeptos, a cidade e a região) devemos fazer é se vale a pena prolongar esta situação de agonia ou se, pelo contrário, é preferível uma refundação do clube, que dê continuidade à alma vitoriana, que salve as muitas modalidades – que são a base associativa do Vitória e a razão da sua utilidade publica – e que nos permita (re)construir uma instituição com futuro.
Para uma reflexão séria e esclarecida, precisamos de duas coisas: Conhecer a verdadeira situação do clube e de um ambiente de debate sereno e racional.
Assembleia geral de sexta-feira não pode ter tabus
Na assembleia geral de sócios, marcada para a próxima sexta-feira, é preciso que a direcção do Vitória esclareça tudo, desde a dimensão do buraco aos planos de recuperação e às perspectivas de sustentabilidade, a curto e médio prazo, para podermos perceber se há, realmente, alguma possibilidade, séria, de o clube recuperar o equilíbrio económico e financeiro. Precisamos, igualmente, de ter a capacidade, enquanto colectivo, enquanto massa associativa, de analisar estes dados com a razão, deixando de parte a emoção.
Até agora, esta reflexão tem sido impossível. Estes temas, da eventual inviabilidade económica e das vantagens de uma refundação, têm sido tabu, com uma censura imposta por um pretenso vitorianismo que só tem prejudicado o Vitória. Qualquer sócio que alerte para a necessidade de se falar destes temas é enxovalhado e rotulado de anti-vitoriano.
Não sei se o grupo de associados e adeptos que contribuem para este ambiente tóxico é grande ou pequeno, mas tem sido ruidoso pelo menos o suficiente para manter esta reflexão afastada. O drama é que a consequência disto é ninguém estar a pensar e, ainda menos, a preparar, o futuro do Vitória. Os que se preocupam com estas questões estruturantes não podem falar e os que podem falar – os que só se preocupam com os resultados desportivos – não falam destas coisas.
Fomos e continuamos a ser prejudicados pela irracionalidade colectiva que coloca o jogo no campo acima de todo o resto que está em jogo. É certo que isto existe em todos os clubes mas no Vitória parece mais acentuado apesar de o clube já não ter margem para descontar os efeitos nefastos desta irracionalidade.
Foi isto que nos trouxe até aqui. Quereremos resultados desportivos a qualquer preço, aceitarmos viver acima das nossas possibilidades, permitir os negócios mirabolantes dos que quiseram usar o Vitória, fingir que não víamos a gestão ruinosa de muitos e a incompetência de outros. Aceitámos tudo desde que os golos surgissem.
O que estamos a pagar agora, eventualmente com a “vida” do Vitória, é a factura dessa irracionalidade colectiva, desse ambiente tóxico que não passa de pseudo-vitorianismo.
Ser vitoriano é pensar na sustentabilidade do clube, preocupar-se com as modalidades, ser exigente com os dirigentes, e, neste momento, pelo menos neste momento, perceber que, o futuro da instituição é mais importante do que os resultados desportivos.
É triste que, mesmo neste momento grave, muitos continuem a preocupar-se apenas com o resultado dos jogos. Ainda há os que continuam a dizer que estamos a viver apenas mais um episódio. E o pior é que alguns dos que continuam a alimentar esta narrativa são dirigentes, com a responsabilidade moral de estarem à altura da gravidade da situação.
Perante as notícias sobre a situação em que o Vitória está, desde a falência à nega da FPF, a reação de muitos foi mais do mesmo, desse populismo que nos impele a enterrar a cabeça na areia e a dar o salto para o precipício. A teoria de que os problemas do Vitória são provocados pelos seus inimigos e as noticias que revelam esses problemas são apenas para destabilizar, diz tudo sobre a mentalidade de quem a professa. Desses nada podemos esperar porque, evidentemente, quem nem reconhece a realidade não tem condições para a mudar.