O Governo apressou-se para apresentar ainda antes das eleições europeias um pacote de medidas destinadas a combater a imigração. Com o objetivo de namorar eleitores descontentes com esse fenómeno, o Governo confia que os portugueses não pensem muito no que lhes foi apresentado.
Este pacote começa por ser um recuo face ao que se antevia, tanto na imposição de quotas como nas críticas à AIMA. Não se percebe, aliás, qual a diferença de abordagens, seja na forma de lidar com as pendências de processos seja no combate ao tráfico e às redes organizadas. A montanha pariu um rato.
Mas os ratos podem ser prejudiciais à sociedade. Este é-o, sem dúvida. A principal novidade deste pacote é a extinção da manifestação de interesse, figura criada em 2017 que permite a um imigrante regularizar-se após 12 meses de descontos para a Segurança Social.
Apesar do elevado número de pendências deste instituto em curso na AIMA, esta figura está longe de ser o alfa e o ómega da política migratória. Em 2022, segundo o Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo, as manifestações de interesse representaram 42 mil autorizações de residência, de um total de 143 mil títulos emitidos a imigrantes pelo SEF.
A sua extinção deixa quem está no país de forma irregular num vazio, sem recurso para que possa legalizar-se e contribuir para a riqueza do nosso país. Ainda que, em teoria, mais correto, na prática, a ideia de que os imigrantes conseguirão todos ser munidos de um visto pela rede consular é fantasiosa. Em 2022, os postos consulares emitiram apenas 53 mil vistos de residência. Se em 2022 todas as manifestações de interesse tivessem sido emitidas pelos postos consulares, isso implicava quase duplicar a emissão de vistos dos postos consulares.
Essa realidade não surpreende qualquer pessoa que conheça as dificuldades que a rede consular atravessa. Até para vistos cuja análise é simples, os atrasos são imensos, quanto mais naqueles cuja análise seja complexa. A falta de resposta empurra as pessoas para o desespero. Fechando-se a porta da manifestação de interesse, serão às redes que muitos imigrantes irão bater.
As políticas públicas não existem num mundo abstrato. Existem no mundo real. Foi mesmo em confronto com estas realidades que o anterior governo não só criou o mecanismo da manifestação de interesse como também o visto de procura de trabalho, a capacidade de pedir um NISS na hora e, ainda, o direito automático a autorização de residência para cidadãos da CPLP.
Obviamente que há desafios administrativos, criminais e de integração. Mas não podemos esquecer o papel essencial dos imigrantes na nossa economia, na agricultura, turismo mas também indústria, logística e outros serviços. Eles representam já 40% do superavit da segurança social, ajudando a financiar as nossas pensões. E enquanto houver falta de mão-de-obra, haverá imigrantes a vir, legalmente ou não. Outros países já tentaram, sem sucesso, regular a imigração desta forma. Resta perguntar – e repetir o erro interessa a quem?