A República Portuguesa, como outros estados europeus, tem uma história imperial e colonial. Há quem queira assumir a nossa história por inteiro, enquanto outros a deturpam para fomentar o ódio. Como diz a Constituição, “libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa”. Nos 50 anos do 25 de Abril, é tempo de assumir plenamente esse caminho de libertação, quebrando silêncios e mitos sobre o colonialismo português.
Há quem desrespeite a história e insista em anunciar que a herança do colonialismo está enterrada. Sabemos a verdade: a colonialidade vive no racismo sistémico, na desigualdade e na violência revalidada pela ascensão da extrema-direita.
Os 50 anos da democracia são também os 50 anos do fim do terceiro império português, centrado em África. Como democratas, não podemos falar apenas de tecnologia naval, de expedições marítimas e de conhecimento. Os impérios não foram meros contactos geográficos e culturais.
Entre os séculos XVI e XIX, Portugal traficou 4 milhões de pessoas escravizadas de África para o Brasil. Até 1961, vigorou em Angola, Moçambique e Guiné o estatuto do indigenato, que colocou a quase totalidade da população africana numa situação subalterna, sem direitos de cidadania e sujeita a trabalhos forçados.
Parte destas violências foram contemporâneas às de outras potências imperiais europeias, mas o Portugal prolongou-as no tempo, não acompanhando a vaga de descolonizações. Em 1960, o regime salazarista, de costas voltadas ao mundo, recusou negociar a descolonização com os movimentos de libertação – custou-nos 13 anos da guerra colonial, com dezenas de milhares de mortos de ambos os lados, massacres e destruição.
O MFA iniciou o 25 de Abril para dar uma solução política à guerra e abrir um futuro democrático para o país. Continuemos esta viragem histórica, reconhecendo o racismo não apenas como a justificação para o que já era ignóbil na sua época, mas também como a consequência mais estrutural do colonialismo moderno.
O silêncio sobre a violência do colonialismo tem um peso inegável. Não falamos apenas de vítimas do passado. Estamos a falar do presente: de assassinatos como os de Bruno Candé e de Luís Giovani; da violência policial e humilhação de Cláudia Simões e dos seus filhos; da sobre-exploração dos portugueses negros e dos imigrantes.
Ainda hoje, os povos dos continentes colonizados, africanos e afrodescendentes em todo o mundo sofrem consequências sociais, políticas, económicas e culturais do racismo, cujas raízes mais profundas estão na escravatura. É preciso deixar cair a máscara do luso-tropicalismo.
O movimento anticolonial e antirracista conquista espaço no debate público para o tema das reparações históricas. A Europa está a lidar com o seu passado, na Alemanha, na França, nos Países Baixos.
Portugal fê-lo quando reconheceu o massacre dos judeus sefarditas e criou uma lei para fazer uma reparação, até no acesso à nacionalidade. Este processo não se traduz na assunção de culpa individual – é responsabilidade da sociedade como um todo sobre o passado de opressão.
Todas as reparações históricas e políticas de reconciliação exigem diálogo. É um debate sobre reconhecimento, antes de mais, e é um debate sobre reconciliação, com os povos dos outrora colonizados, com o nosso próprio povo, em toda a sua diversidade.
Por investigação a sério da nossa história. Para abrir o currículo escolar à reflexão sobre discriminações e legados de resistência apagados. Para contextualizar e criar programas partilhados de património cultural e museológico. Para democratizar o espaço público. Pela memória.
O Chega instrumentalizou as declarações do Presidente como pretexto para o ódio e vingança contra a democracia. Apoucou a Constituição e a dignidade da pátria que diz defender com uma acusação absurda de traição que faz de Portugal anedota internacional.
Se fosse levada a sério, o Presidente arriscaria 10 anos de prisão. É essa a pena por discordar de André Ventura? Não percamos tempo com a falta de sentido do ridículo da extrema-direita. A guerrilha partidária do Chega apouca o país que amamos, polui a democracia e promove o pior dos insultos à história portuguesa. Esse insulto é a ignorância e a falsificação.
A visão de(s)colonial da História é uma necessidade para todos. Respeitar Portugal é falar da nossa história toda. A escolha que temos de fazer é entre acompanharmos o debate europeu ou ficarmos amarrados à propaganda antiga, repetindo um tempo de proibição e de censura. Não nos deixaremos arrastar para um passado de versões oficiais que procuram ocultar a verdade histórica sobre o nosso país.