A setubalense foca as vantagens da ferramenta tecnológica da moda, mas alerta para a necessidade de uma preparação dos governantes e das novas gerações para as mudanças que aí vêm
Tirou o mestrado integrado em engenharia química e bioquímica, na Universidade Nova de Lisboa, uma pós-graduação em “big data analytics” e acabou como engenheira de dados, depois de ter ido à procura de crescimento profissional e pessoal no Luxemburgo. Passou por várias empresas e em 2024 regressou a Portugal. Sofia Luz, 34 anos, viveu desde a infância até aos primeiros anos de adulta em Setúbal, reside actualmente em Alcácer do Sal, mas não esconde o objectivo de voltar rapidamente a assentar arraiais na capital do distrito.
Em entrevista a O SETUBALENSE, debruça-se sobre as vantagens da Inteligência Artificial – e os perigos inerentes à sua má utilização – e até dá exemplos de como a ferramenta tecnológica da moda pode aumentar a eficiência de serviços.
Admite, que esta evolução tecnológica venha a ditar o fim de algumas profissões, porém afasta qualquer receio de que a civilização, tal como a conhecemos, e até mesmo o ser humano possam vir a substituídos pelas máquinas. “Existe sempre uma ameaça com qualquer tipo de tecnologia. Mas isso vai ser sempre uma responsabilidade do ser humano, da forma como utiliza essa tecnologia”, sublinha.
A forma como trabalhamos está a mudar. Já mudou muito nos últimos anos. Acha que vai mudar muito mais no futuro, com as novas tecnologias, como a Inteligência Artificial?
Sem dúvida. A tecnologia vai fazer com que seja possível trabalhar à distância. Até mesmo, hoje em dia. Estes novos modelos de Inteligência Artificial generativa vão fazer com que o nosso trabalho seja muito mais eficiente. Por exemplo, na minha área – trabalho com dados –, os dados são tudo aquilo que a IA precisa para trabalhar. Muitas vezes preciso dessa mesma IA para fazer com que o meu trabalho seja mais eficiente, enquanto que há uns anos eu precisava de rever as minhas linhas de código, de trás para a frente, erros que eu não percebia por que estavam a surgir, hoje em dia muito facilmente consigo fazer essa revisão de código com o modelo de IA generativa. Isso vai permitir que muitas profissões se tornem cada vez mais eficientes e consigamos ser mais produtivos também. Mas, essa é a minha opinião aplicada ao meu trabalho.
Consegue explicar mais em concreto em que é que usa a IA no seu trabalho?
Na empresa existem várias bases de dados. Por exemplo, temos a parte dos recursos humanos, vamos ter bases de dados com informação sobre as pessoas, temos a parte financeira, onde temos sistemas em que contabilizamos as contas da empresa, temos a produção operacional de um produto… Tudo isto em bases de dados. Aquilo que faço é juntar todos esses dados nesses diferentes temas. Não uso muito a Inteligência Artificial.
A Inteligência Artificial que uso é aquela de revisão de código, de organização, de trabalho, por exemplo. Quando preciso desenvolver um projecto, há muita documentação que precisa de ser feita e aí utilizo, para me ajudar com essa mesma documentação.
Depois aquilo que faço, também dentro do meu trabalho, é a criação de projectos em que os dados que eu trabalho possam ser utilizados por modelos de Inteligência Artificial, por exemplo.
Imaginemos que temos de fazer o planeamento de pessoas para trabalhar num tipo de funções. Isto é algo que hoje em dia, com a Inteligência Artificial – que muitas vezes já está inserida nos sistemas que utilizamos – pode fazer.
Em termos mais abstractos vê a Inteligência Artificial exclusivamente como uma oportunidade ou a também vislumbra ameaças, riscos, na sua utilização?
Vislumbro ameaças. Por exemplo, em termos de segurança, hoje em dia nós já recebemos ameaças através de e-mails, através do telefone, muitas vezes potenciadas por Inteligência Artificial. As coisas estão a ficar cada vez mais difíceis de distinguir. Acho que pode ser usada para o bem ou para o mal. Acarreta ameaças ao ser utilizada para o mal. Agora, existem muitos problemas no mundo que podem ser mais facilmente resolvidos com a utilização desta tecnologia. Mesmo em termos de questões ambientais, conseguimos hoje, por exemplo, ter acesso a dados meteorológicos que a Inteligência Artificial pode ajudar a optimizar.
Ao percebermos quais são as variáveis [daí resultantes] que implicam alterações em termos de, por exemplo, “shipping” pode-se melhorar as rotas dos barcos para se tornar [o serviço] cada vez mais eficiente. Há tanta coisa que se pode fazer… Em termos de saúde, por exemplo, perceber de acordo com as nossas características quais são as doenças que são mais prováveis que nós também tenhamos. Há muito que podemos fazer com acesso a esta tecnologia, que nos vai facilitar muito a vida.
Receia que a Inteligência Artificial possa pôr em causa a própria civilização ou até mesmo a humanidade?
Não, não receio. Existe sempre uma ameaça com qualquer tipo de tecnologia. Mas isso vai ser sempre uma responsabilidade do ser humano, da forma como utiliza essa tecnologia. Obviamente que a própria tecnologia pode avançar e isso se conectarmos essa mesma inteligência a processos biológicos… Mas, não acredito que a Inteligência Artificial se virará contra nós.
E relativamente ao impacto na organização do mercado de trabalho. É o próprio mercado que define quais são as necessidades de mão-de-obra e as leis da procura e da oferta também determinam até aquilo que são os níveis salariais, por exemplo. Acha que a Inteligência Artificial vai ter um impacto relevante nesse domínio?
Acho mesmo que vai ter um impacto relevante. Vai haver trabalho que efectivamente vai deixar de existir. Acho que isso vai ter um impacto social grande, daí ser tão importante a formação contínua das pessoas e considero que os governos já deviam estar a preparar-se para aquilo que vai acontecer.
E acho que as novas gerações têm de estar preparadas para isso. Têm de se focar realmente naquelas funções e capacidades que não vão ser a tomadas, digamos assim, pela Inteligência Artificial. Acredito que vá sempre haver um humano envolvido no processo, porque tem sempre de haver. Se não o fizermos, isso, sim, é entregar às máquinas a responsabilidade de tudo. Mas aí a culpa acaba por ser nossa.
Olhando para o actual estado das coisas e para a actual a maturidade da digitalização que nós temos, mesmo no nosso país, as coisas ainda são muito manuais, muito pouco robustas, pouco digitalizadas, ou seja, existe imenso trabalho a ser feito.
Obviamente que vai haver também trabalhos que vão acabar por ser extintos, como já aconteceu no passado. Portanto, não é nada novo.