Azeitonense responsável pela área de Tecnologia de Informação duma multinacional, mostra grande optimismo sobre o avanço da inteligência artificial. Acredita que a humanidade tem muito a ganhar
Licenciado e mestrado em engenharia informática, aos 38 anos, Ricardo Lima Neves é responsável por uma por uma área de Tecnologia de Informação (IT – Information Technology), na multinacional belga Solvay, empresa de produtos químicos, com sede em Bruxelas. Oriundo de uma família de Azeitão, vive em Vila Nogueira de Azeitão. “Sou de Azeitão desde sempre”, afirma, explicando que a ligação à vila vem da parte do pai. Formouse no distrito de Setúbal, mais concretamente no Monte da Caparica, em Almada, na Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa. Na multinacional é o responsável máximo, global, pelas equipas de suporte ao IT, desde a linha de helpdesk até ao até ao apoio local e o recurso à inteligência artificial (IA) é cada vez maior. Em entrevista a O SETUBALENSE, diz o que pensa sobre a IA.
A inteligência artificial já faz parte da sua actividade corrente de trabalho?
Hoje a inteligência artificial é bastante útil na análise de problemas que são reportados pelos utilizadores das empresas. Conseguimos utilizar técnicas de inteligência artificial por meio de algoritmos que façam esse trabalho de análise e cruzamento de informação e dados históricos que nos permitam inferir qual é o potencial problema a que o utilizador se está a referir e, com isto, ser mais rápidos a actuar.
Ou seja, podemos detectar problemas e possíveis soluções para que sejamos mais rápidos a resolver o problema do utilizador e da organização. Em última instância, a IA permite-nos utilizar modelos preditivos para precaver potenciais interrupções de serviço. E aí o utilizador final nem sequer reporta a situação, porque nós conseguimos resolver a avaria, a interrupção do serviço, o potencial problema que iria ocorrer a nível do utilizador antes de ele acontecer. A inteligência artificial pode e deve ter esse papel e qualquer tipo de organização hoje não funciona sem um departamento de IT. Esse deve ser o caminho.
A tendência que se observa é que todas todos os modelos de suporte das organizações de suporte IT estão dependentes, estão cada vez mais virados para a inteligência artificial. Porquê? Primeiro, porque conseguimos. Há várias dimensões que as organizações devem adotar através da IA.
Uma delas é automatizar os processos e as operações da IT. Ou seja, conseguir, através de uma optimização de recursos, ter uma infraestrutura mais optimizada para evitar o desperdício. Automatizar tarefas repetitivas, tudo aquilo que são processos que possam ser automatizados ou semi-automatizados vão funcionar melhor e a inteligência artificial pode ajudar.
Na sua organização, em que é que efectivamente já está a utilizar inteligência artificial?
Há uma componente muito importante que é a das ferramentas colaborativas, como esta, do Teams, ou do Google Meet, que muitas organizações já utilizam. A capacidade que estas ferramentas colaborativas têm de incluir um módulo de inteligência artificial e, por exemplo, fazer um resumo de uma reunião. É uma componente de inteligência artificial que hoje já está mais ou menos presente na maior parte das organizações e que acaba por nos facilitar a vida, por ser uma componente muito interessante para acelerar as reuniões e evitar desperdício de tempo.
Para quem não se consegue juntar às reuniões, ver um resumo feito de forma automática através de técnicas de inteligência artificial que recolhem tudo aquilo que nós referimos e até links que partilhamos, estas ferramentas colaborativas fazem um resumo. Isto já é utilizado no nosso departamento de TI.
E, em termos civilizacionais, que impactos e efeitos antevê deste advento da inteligência artificial?
Vejo de uma forma positiva, apesar de haver muitas opiniões contrárias, eu vejo como mais uma transformação, como evolução. Deve-se canalizar a inteligência artificial para a optimização de processos, para a automatização, automação de processos.
Mas para quê, na prática, dentro das organizações?
As organizações são compostas de pessoas, e a IA deve ser usada para que as pessoas se possam focar no core business da organização, naquilo que são os produtos e serviços que devem vender. A inteligência artificial aí pode ser um parceiro, um aliado, ou seja, pode simplificar, acelerar, melhorar, pode aprimorar todos os processos que suportam o negócio de qualquer organização. Portanto, eu vejo a inteligência artificial como algo muito positivo, algo que vai acelerar bastante o desenvolvimento e o negócio das empresas.
Esse optimismo significa que não vislumbra ameaças?
Ameaças existem em todo o lado. Se nós utilizarmos qualquer que seja o domínio de uma forma negativa e com propósitos maliciosos, pode haver ameaças. Obviamente que a inteligência artificial também pode ser uma arma, nesse sentido. Daí também as técnicas de cibersegurança terem vindo a ser aprimoradas e a tornarem-se mais presentes nas organizações, precisamente para mitigar todas estas ameaças, das quais a inteligência artificial faz parte. Mas, como em qualquer outro domínio, temos de saber lidar com a inteligência artificial e canalizá-la para o que pode acelerar os negócios ou aprimorar os processos dentro das organizações. Nesta perspectiva, não vejo como uma ameaça.
Acautelar essas ameaças passa por que aspetos?
Passa por ter uma governança própria com especialistas na matéria que consigam identificar as potenciais ameaças e que ponham em marcha um plano de acção para mitigar ou até eliminar potenciais ameaças. Esse plano tem de ser baseado no tipo de negócio e na infraestrutura da organização.
Os cuidados que está a referir são mais do lado do utilizador. E, em termos macro, não são necessários regulamentos, políticas públicas, regulação Internacional, no fundo, limites à utilização da inteligência artificial?
Sim. Tem de haver uma regulação Internacional na matéria de inteligência artificial.
Acaba por ser uma evolução da sociedade num todo, com impacto nas pessoas e nas organizações. Temos a presença da inteligência artificial na geração de fake news. a produzir conteúdos falsos e maliciosos, por forma a enganar e iludir as pessoas. Terá de existir uma política nacional e Internacional de “fiscalização”, de regulação, que permita regular.
A inteligência artificial está em tudo aquilo com que nós lidamos hoje, seja nas redes sociais, seja em e-mails que recebemos, seja nas organizações onde trabalhamos, seja nas organizações das quais somos clientes ou utilizadores, e, portanto, a regulação deve abranger todas as empresas com quem nós lidamos, e deve incluir leis e normas sobre a inteligência artificial.
Acha que a inteligência artificial um dia vai ultrapassar os seres humanos?
Não é tema que me preocupe em primeira instância. Obviamente que a evolução, com o aparecimento, da inteligência artificial generativa, que é um tipo de IA capaz de aprender autonomamente e de criar coisas novas, deve preocupar-nos, tendo em conta que é algo que pode ser usado para fins maliciosos. Preocupa-me alguma coisa, mas não me preocupa muito porque, na prática, quem gere a IA é quem está por detrás dos algoritmos informáticos, que permitem que a inteligência artificial exista, somos nós, os humanos.
A inteligência artificial existe porque existem estruturas, como os data center, processadores servidores, workstations, hardware e até software, geridos por nós.
O que está a dizer é que, no limite, temos sempre o poder de desligar as fichas e cortar as redes.
Essa é a minha perspetiva. Ou seja, nós temos sempre grande parte do controlo nas mãos. Não subscrevo aquele prisma de que um dia seremos dominados por robôs. Acredito que a inteligência artificial, apesar de todos os medos e incertezas, pode trazer à sociedade algo muito mais positivo do que negativo. Sou bastante positivo relativamente a essa a essa matéria.
Que que conselhos dá um cidadão comum relativamente à utilização prática, no dia-a-dia, da inteligência artificial?
Em primeiro lugar, aquilo que já se aplica às fake news: não acreditar em tudo o que lê e vê, porque muito desse conteúdo hoje é gerado por inteligência artificial. Há que ser cauteloso e também redobrar os cuidados em termos de privacidade e de dados virtuais, com a nossa privacidade, sobretudo com as senhas de acesso. Tudo o que permita ter uma autenticação de dois factores é decisivo para não haver tantos roubos de palavras-passe em contas pessoais de utilizadores.
Há também que ter cuidado ao utilizar ferramentas de inteligência artificial, porque porque pode haver impacto na vida dos outros e na sociedade. Pode haver plágio, produção de informações falsas, geradas imagens falsas com um teor negativo. Tem de haver ética na utilização dessas ferramentas.