Pedro Almeida: “A IA consegue comparar gravações de uma sinfonia e definir padrões para melhor se executar uma obra. É assustador”

Pedro Almeida: “A IA consegue comparar gravações de uma sinfonia e definir padrões para melhor se executar uma obra. É assustador”

Pedro Almeida: “A IA consegue comparar gravações de uma sinfonia e definir padrões para melhor se executar uma obra. É assustador”

O maestro e professor de formação musical reconhece que a Inteligência Artificial (IA) pode ser uma ferramenta útil no mundo da música, desde que “utilizada com ética e responsabilidade”. Debruça-se sobre as funções “inseparáveis” de músico e maestro e analisa as três filarmónicas que dirige

É licenciado em Música, mestre em Direcção de Orquestra de Sopros e mestrando em Ensino da Formação Musical e Classe de Conjunto. Pedro Almeida, 33 anos, é há cerca de sete anos maestro da Banda da Sociedade Filarmónica União Agrícola. Mas não só. Dirige ainda a filarmónica da Santa Casa da Misericórdia de Arruda dos Vinhos e a Banda Recreativa de Bucelas, e é professor de formação musical e classe de conjunto no Conservatório Regional de Artes do Montijo.

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Em entrevista a O SETUBALENSE, desvenda como e quando lhe surgiu a paixão pela música, destaca o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido na banda da SFUA – com o objectivo de a colocar “no patamar das filarmónicas de referência do País” – e analisa o papel que a IA tem (e pode ter) no mundo musical.

“A IA pode ajudar na criação musical e auxiliar na construção musical e até mesmo na interpretação musical. Porém, não acredito que a mesma possa ou deva ser considerada autêntica. Se pensarmos que a arte é a forma que nós, humanos, temos de expressar os nossos sentimentos… Como pode a IA expressar os seus sentimentos? Não pode”, defende.

Quando teve a certeza de que o seu futuro profissional passaria pela música?

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Desde muito cedo, na verdade. Praticamente desde a minha adolescência. Quando ingressei no Conservatório Nacional para iniciar os meus estudos de forma mais aprofundada, creio ter sido aí que percebi que queria fazer carreira no mundo da música. O gosto pelo ensino também surgiu muito cedo, pelo que aliar as duas coisas (a música e o ensino) foi algo que se tornou fácil para mim, e hoje não me imagino a fazer outras coisas. Estudar música e ser músico é algo que se define desde muito cedo na cabeça de todos quantos daqui querem fazer carreira, por isso creio que para mim também isto não foi excepção.

Como surgiu essa ligação ao mundo musical?

Surgiu com o meu pai. Um certo dia, num Verão, o meu pai chegou a casa e disse que tinha um convite para que eu fosse visitar as instalações de uma banda filarmónica (o director dessa banda na altura era amigo do meu pai) e nós lá fomos. O meu pai, para me encorajar, também começou a aprender saxofone tenor, ao mesmo tempo que eu aprendia clarinete. No entanto ele acabou por desistir uns meses depois e eu ainda por cá ando.

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É mais difícil ser músico ou maestro?

As duas funções são inseparáveis, um maestro deve ser primeiramente um músico. No entanto, é mais desafiante ser maestro, sem sombra de dúvida. Conjugar um grupo de pessoas, fazê-las interpretar uma determinada música de uma determinada forma exige todo um cuidado e uma responsabilidade acrescida. É pensar que o clarinete que eu estudei durante anos se multiplica por dezenas de pessoas e que, agora, essas pessoas são o meu clarinete. São o instrumento musical pelo qual interpreto música, por isso devo cuidar destas pessoas com o máximo cuidado, como se do meu clarinete se tratasse. Talvez por isso possa afirmar que ser maestro seja um pouco mais exigente – lidar com pessoas e gerir as suas expectativas exige de mim qualidades e uma responsabilidade acrescida.

Como tem sido dirigir a Banda da Sociedade Filarmónica União Agrícola (SFUA)? Em que patamar coloca esta filarmónica?

Tem sido fantástico, claro! A banda da SFUA é um grupo com extrema qualidade e a prova disso tem sido a quantidade de espectáculos que temos feito, não só com artistas convidados, mas também todos os concertos que temos realizado ao longo do tempo e com repertórios de craveira, tanto nacional como internacional. Primamos por interpretar música que seja de qualidade, que acrescente qualidade à banda e que transmita essa mesma qualidade às pessoas que nos acompanham em todos os concertos. Esta tem sido a nossa trajectória, que já começou há anos. Quando cheguei à SFUA em 2018 senti desde logo que existia vontade e valor para realizar muito mais e é isso que temos vindo a fazer. O objectivo será o mesmo para o qual temos trabalhado desde o início: colocar a SFUA no patamar das filarmónicas de referência do País.

Além da SFUA, dirige mais outras duas filarmónicas. Isso coloca-lhe alguma espécie de desafio, se pretender afirmar diferenciação entre cada uma destas bandas?

Tenho a meu cargo a direcção artística de mais duas filarmónicas: a Filarmónica da Santa Casa da Misericórdia de Arruda dos Vinhos e a Banda Recreativa de Bucelas. Apesar de geograficamente perto, estas duas filarmónicas realizam um trabalho bastante diferenciado. A primeira, a Banda Filarmónica da Santa Casa da Misericórdia de Arruda dos Vinhos é uma banda recente, com 15 anos de vida. Ali existe muito potencial de crescimento artístico e vontade para fazer mais e melhor. O seu trabalho envolve muito o mundo da tauromaquia e serviços religiosos. O seu ponto forte são as festas de Agosto, onde a banda se apresenta com brio.

Já a Banda Recreativa de Bucelas, banda onde iniciei funções em 2015 direcciona muito o seu trabalho para as festas locais e concertos de sala. É uma centenária, onde o peso da história também acarreta muita responsabilidade. O desafio é mesmo esse: manter os grupos fiéis àquilo que é o seu trabalho para com as comunidades diferenciadas que as mesmas servem. Esse será sempre o maior desafio.

O que lhe dá mais prazer: ser maestro ou dar aulas de formação musical, como faz no Conservatório Regional de Artes do Montijo (CRAM)?

Não consigo diferenciar as duas tarefas. Ser professor e maestro são duas formas de colocar em prática uma máxima que considero bastante importante para os tempos que correm e todos vivemos: trabalhar em prol dos outros, para os outros, e em prol de um mundo melhor. Um mundo mais empático, sobretudo. Ser professor e maestro é transmitir e implementar estes valores. E tenho muito orgulho em poder fazê-lo em qualquer uma das funções que desempenho.

A Inteligência Artificial (IA) está a ser aproveitada em várias áreas. Também já é assim no campo da música?

Creio que sim. É uma ferramenta transversal a todas as áreas e a música, claro, também não fica de fora.

Como maestro, já teve alguma experiência directa com ferramentas baseadas em IA?

Sim, mas para nenhuma tarefa do campo da interpretação ou execução instrumental. No entanto acaba por ser uma ferramenta útil para outro tipo de trabalhos. Ainda estou a descobrir este mundo e as suas potencialidades, aos poucos.

Pode ser uma ferramenta útil no ensino da música, tanto para estudantes como para maestros, ou mais do que isso?

Usada de forma ética e consciente não substitui a musicalidade, sensibilidade e o papel humano do maestro ou do estudante, mas pode potenciar o ensino e o fazer artístico, libertando tempo para o que é mais importante: a escuta, a emoção e a comunicação através da música. Pode ser uma ferramenta útil na preparação e edição de partituras, de programas de concerto e até pode ser útil na criação de concertos interactivos. Para os estudantes sim, pode ser uma ferramenta de auxílio no seu estudo individual.

Mas acha que a IA pode contribuir criativamente para a composição musical ou há o risco de tornar a música demasiado mecânica?

Como já mencionei, a IA não substitui o papel humano na criação musical e acho que poderá ser facilmente detectada quando usada em substituição da criação humana. No entanto, creio que o mundo musical não descarta o seu emprego em determinadas situações onde a sua utilização venha a ser vista como útil, sem a tornar demasiado mecânica.

E vir a influenciar a forma como se interpreta uma obra musical?

Sem dúvida. A IA neste momento consegue comparar gravações de uma determinada sinfonia ou outra peça musical e definir padrões para a melhor forma de executar uma determinada obra. É assustador, mas isto já acontece. Não digo que substitua a sensibilidade humana, mas aproxima-se muito disso. E, claro, influencia nas escolhas finais do maestro ou músico que esteja a preparar uma determinada música.

Até que ponto a música criada ou modicada por IA pode ser considerada “autêntica” ou “artística”?

A IA pode ajudar na criação musical e auxiliar na construção musical e até mesmo na interpretação musical. Porém, não acredito que a mesma possa ou deva ser considerada autêntica. Se pensarmos que a arte é a forma que nós, humanos, temos de expressar os nossos sentimentos… Como pode a IA expressar os seus sentimentos? Não pode. Ela simplesmente copia e dá-nos fórmulas para sentirmos a arte de uma forma que outros já sentiram, através das leituras e comparações que faz. Não pode ser autêntica.

O papel do maestro poderá ser influenciado ou parcialmente substituído por sistemas de IA no futuro?

Não quero acreditar que seja possível substituir o maestro. O papel que o maestro desempenha em frente de uma orquestra, a forma de sentir e de interpretar, não poderá nunca ser igual à de uma máquina. Espero estar noutra dimensão quando isso estiver para acontecer. Contudo, é possível que funcione como ferramenta útil de trabalho e de auxílio ao trabalho do maestro. Neste campo sim, aqui é possível poder contar com a ajuda da IA. Como em tudo na vida podemos tirar o melhor proveito de todas as ferramentas e a IA não é excepção. Basta saber usá-la da melhor forma possível, com ética e responsabilidade.

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