Licenciada em economia, a montijense esteve entre os 17 jovens escolhidos para participarem no “Youth Policy Dialogue” com o Comissário Europeu Valdis Dombrovskies. Partilha como foi a experiência e a visão que tem sobre a actual conjuntura internacional. E defende a inteligência artificial
Nasceu no Montijo há 24 anos e integrou o restrito conjunto de 17 jovens de diferentes países europeus que foram convidados a participar, em Bruxelas, no “Youth Policy Dialogues 2025”, organizado pela Comissão Europeia. Margarida Lopes representou Portugal na iniciativa, que teve como anfitrião Valdis Dombrovskies, Comissário Europeu da Economia e Produtividade.
Auscultar os jovens sobre as prioridades económicas para o novo mandato da Comissão Europeia, tendo em conta o futuro da Europa, foi o objectivo da acção que decorreu a 4 de Março último.
“Competitividade, investimentos e sustentabilidade”, “ordem global e segurança económica”, “euro digital” e “implementação e simplificação” foram os temas que estiveram em cima da mesa.
Em entrevista a O SETUBALENSE, a jovem montijense, licenciada em Economia pelo ISEG, faz um balanço à iniciativa, espreita o futuro e explica como foi seleccionada para representar Portugal.
Como surgiu a oportunidade de representar Portugal no “Youth Policy Dialogue”, com o Comissário Europeu da Economia?
No ano passado, já tinha feito alguns programas promovidos pela União Europeia, no âmbito do Erasmus+. Estive nos Países Baixos, na Roménia, e acabavam por, na altura, perguntarem se havia interesse em voltarmos a ser contactados. Tiveram assim acesso aos meus interesses, ao meu currículo e tudo mais. Foi pelas informações que tinham em base de dados, minhas e de outros jovens portugueses, que me chamaram.
Ou seja, foi seleccionada de entre um contingente a nível nacional.
Claro, porque já tinha tido contacto com actividades e experiências da União Europeia.
Já tinha participado em programas Erasmus relacionados com temáticas de…
… Sustentabilidade ambiental e literacia dos media.
E que conclusões retirou da participação no evento em Bruxelas?
O evento tinha entre os objectivos debater as prioridades do novo mandato da Comissão Europeia, na circunstância com o Comissário Europeu da Economia e Produtividade, Implementação e Simplificação. Os jovens puderam apresentar questões e partilhar preocupações. Falou-se muito sobre a questão da economia e a ligação com a parte da sustentabilidade, como é possível mantermos a competitividade da União Europeia, ao mesmo tempo que implementamos toda uma nova legislação a nível ambiental. O comissário Valdis está a trabalhar com o euro digital e esse foi outro dos tópicos abordados.
Em que sentido?
Na implementação. Estão a criar a estratégia para implementar o euro digital, que é como uma nova “currency”, uma forma digital de moeda, numa perspectiva do euro, para todos os países da União Europeia. Só que temos países em pontos de desenvolvimento completamente diferentes. Há países do leste europeu, ou até mesmo Portugal, que ainda estão bastante na fase de usar o meio físico de moeda. Saltar, tentar implementar isto, acaba por, se calhar, ainda criar aqui mais desigualdades entre os países…
Abordámos também a parte da implementação e da simplificação, no sentido de novas legislações e a dificuldade de acesso às mesmas. Uma das preocupações foi perceber como a União Europeia, desde as questões mais simples às legislações mais complexas, acaba por perder muito investimento e até projectos de muitos jovens que querem desenvolver novas empresas.
E, no final, com que sensação é que regressou a Portugal?
São problemas muito complexos, não acredito que se vá mudar a estrutura completa destes assuntos. Mas a intenção é essa, é perceber principalmente a juventude, que daqui a muito pouco tempo irá entrar ou já está a começar no mercado de trabalho.
Quando é que as questões da União Europeia começaram a despertar-lhe interesse?
Gosto muito de Portugal, de viver cá, mas sempre tive muito a perspectiva internacional. Felizmente, já tive algumas oportunidades de ter experiências lá fora e isso acaba por estimular este sentimento europeu. Depois, estudei economia e o nosso contexto económico depende, de forma directa, da União Europeia.
Pode então dizer-se que foi a partir do momento em que ingressou no ensino superior?
Ou até mesmo antes. Tive economia no ensino secundário e aí já começamos a aprender sobre a União Europeia.
Que perspectiva tem sobre a actual conjuntura económica europeia, face ao cenário de ebulição internacional, com conflitos armados?
De incerteza todos os dias. Tento manter-me informada e sinto que nem assim é possível… Por exemplo, na altura em que fui a esta experiência a preocupação era o comércio com a China, obviamente a guerra também já era um tópico falado, mas, a nível económico, a preocupação era o comércio com a China e neste momento já é outro completamente diferente. Mas, creio que o foco tem de continuar no desenvolvimento da nossa economia, tanto a nível de produtividade, como a nível de competitividade. É importante não nos deixarmos abalar pela constante incerteza exterior, porque, no futuro, com tudo o que está a acontecer, a União Europeia terá de manter uma estrutura muito firme. Portanto, acho que é importante continuar aqui com uma perspectiva mais da economia da União Europeia e dos estados-membros.
Está a dizer que o caminho se faz pela coesão dos estados-membros, numa estratégia bem definida, única, para poder dar resposta à incerteza?
Acho que a estratégia para o futuro é mesmo os estados-membros terem um apoio firme entre uns e outros, não vá acontecer algo, e esta ser, de facto, a única forma de sobrevivência: mantermos esta relação muito firme a nível económico.
Sob pena de poder haver uma desagregação?
Também. É muito fácil neste momento, com as guerras que já estavam em curso e com as que estão a começar, perder-se o fio à meada a estruturas de comércio, que já estavam estabilizadas e que podem ficar incertas e precisarmos de as redefinir.
E sobre Portugal, em concreto, o que lhe dizem os indicadores económicos que vamos conhecendo?
Acho que nós estamos muito perdidos com instabilidade governativa. Não se está a criar uma estrutura económica ou uma visão económica para o futuro, que nos possa vir a ser vantajosa. Nós continuamos a depender demasiado do turismo e creio que se está a criar problemas fulcrais noutras perspectivas. Enquanto jovem, vejo que a maior parte dos jovens que acabaram de se licenciar querem ir para fora. Isto vai ser um problema enorme no futuro. E como verdadeiros portugueses, enquanto não é um problema agora, deixamos para depois. Ainda para mais, com esta instabilidade governamental, não se está a criar um planeamento económico para o futuro. Estamos apenas a manter aquilo que já se trazia de antes, que hoje em dia já não é aplicável. E estamos aqui a ignorar aqueles que podem vir a ser grandes problemas para nós.
Como o da emigração de jovens, é isso?
Exato. Ou, por exemplo, o da habitação. Criam-se medidas e medidas e não se faz nenhuma mudança que seja visível, porque estamos sempre com uma instabilidade que não nos permite a sua concretização.
Já equacionou emigrar para ver atendidas melhores expectativas profissionais?
Sim, sim. Gosto muito de estar cá, mas creio que, principalmente na minha área, existe com facilidade essa possibilidade. Nunca é fácil, mas existe a possibilidade e, portanto, sim. Porque, de facto, a qualidade de vida que temos no estrangeiro, dentro da União Europeia, não tem nada a ver.
Mas não em todos os estados-membros.
Não. Mas uma grande maioria..
Portanto, não desdenharia aceitar um desafio fora de portas. Tem alguns países que a atraíssem mais?
Já estive na Estónia por alguns tempos. A Estónia, por exemplo, é um pequeno país e, a nível económico, é muito interessante. Não são independentes assim há tanto tempo. Entraram na União Europeia depois de nós e desenvolveu-se de uma forma absurda, com uma técnica económica muito bem estruturada. Seria um país que veria com muita facilidade, apesar da incerteza da guerra. E nem estou a comparar com países que vemos como muito desenvolvidos, como, por exemplo, Noruega, Suécia e Finlândia.
A qualidade de vida é um ponto muito importante para os jovens. E, hoje em dia, Portugal não está a acompanhar os outros estados-membros.
Passou pela Estónia ao abrigo do Erasmus?
Sim. Estive lá sete meses.
E adaptou-se bem aos costumes, às tradições, à alimentação?
Sim. A alimentação é um pouco diferente. A cultura ainda é muito de leste e tem muita ligação à Finlândia, então sinto que é ali uma combinação entre nórdico e leste europeu que acaba por fazer uma grande diferença a nível de socialização, a nível dos hábitos culturais e tudo mais. É muito diferente de Portugal. É muito menos sociável.
A aposta no digital acaba por marcar a sua geração. A inteligência artificial é uma das ferramentas que começam a ganhar força. Que leitura faz sobre esta ferramenta, há vantagens mas há quem receie pelas desvantagens?
Já estive a trabalhar com inteligência artificial numa empresa para facilitar o acesso a dados e a documentos. Quando estive na Roménia, no programa da União Europeia, também foi muito falada a inteligência artificial, a parte de “fact-checking”, de confirmar os factos. Com todas as experiências que já tive, dá para perceber que de facto a inteligência artificial é muito importante. Acho que é importante aprendermos a utilizá-la, principalmente na minha geração, e se calhar nas gerações futuras, porque a quantidade de informação e de trabalho vai sempre aumentando. É sempre preciso fazer muita coisa ao mesmo tempo, tanto a nível profissional como até enquanto estudantes. E acho que é importante tornarmos as nossas tarefas mais eficientes. Por que não fazer proveito da inteligência artificial? É tanta informação, são tantas tarefas, é tanta coisa que temos para aprender, que utilizar, ter outra ferramenta que torne mais rápido e mais eficiente para fazer tudo isto é importante.
Agora, além da inteligência artificial, mas no contexto e na bolha em que vivemos hoje em dia, com as redes sociais e com o acesso a toda a informação a nível on-line, acho que se está a perder muito o pensamento crítico.
Tem de se ter pensamento crítico, espírito crítico, e perceber-se o que a inteligência artificial nos está a dar. E acho que, não só na minha geração, se está a perder aqui o espírito crítico de perceber o que é que a inteligência artificial nos dá e, no geral, o que é que nós vemos a nível do digital.
Não assusta a inteligência artificial poder ganhar um peso tão grande quase que substituindo-se ao papel do homem?
Não. Creio que ainda falta um caminho para isso. Assusta-me mais a questão das pessoas perderem nesta bolha digital e não conseguirem ver, por exemplo, como a notícia é falsa ou não terem o espírito crítico de perceber de onde é que vêm alguns dados, qual é a fonte. Assusta-me mais esta banalização e normalização de não perceber as camadas que estão por trás das coisas que vemos e da informação a que temos acesso, incluindo pela inteligência artificial, que nos pode dar informações erradas.
Que visão é que tem do concelho do Montijo nos dias que correm?
Não só nos dias que correm, mesmo nos últimos anos, sinto que estamos a ficar muito para trás e falta aqui desenvolver, falta cuidar, falta manter o que já tínhamos e que deixamos andar. Sinto que isto não é só cá, mas em Portugal.
Creio que a questão é a de olhar para a frente, tentar desenvolver. Não pensar apenas que o que se faz está bom e continuarmos sempre assim. Isto é algo que me faz um pouco confusão e sinto que o Montijo está a ir por esse caminho.
O caminho da estagnação?
Exacto. Já há alguns anos.