Cidade cresceu com o ferro e o fumo e tornou-se a capital operária do Tejo

Cidade cresceu com o ferro e o fumo e tornou-se a capital operária do Tejo

Cidade cresceu com o ferro e o fumo e tornou-se a capital operária do Tejo

A partir de 1855, a ferrovia transformou o Barreiro num polo vital da indústria nacional. Com a CUF o concelho tornou-se um símbolo do Portugal fabril

Da chegada dos trilhos ao império químico da CUF, o Barreiro reinventou-se como motor industrial de Portugal e viveu uma revolução social sem precedentes.

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A partir de 1855, a ferrovia transformou o Barreiro num polo vital da indústria nacional. Com a CUF, o concelho tornou-se um símbolo do Portugal fabril.

A história moderna do Barreiro inicia-se com a chegada da ferrovia ao Sul do Tejo. Em 1855, a Companhia Nacional dos Caminhos-de-Ferro ao Sul do Tejo adquire vastos terrenos no concelho, alterando profundamente a geografia administrativa e social da região. A escolha do Barreiro para terminal da linha do Sul não foi acidental, a sua localização privilegiada na margem esquerda do Tejo, com ligação fluvial rápida a Lisboa, tornava-o um ponto logístico fundamental.

Com a inauguração oficial da linha Barreiro-Vendas Novas-Beja, a 1 de Fevereiro de 1861, o concelho passou a desempenhar um papel estruturante no desenvolvimento do sistema ferroviário nacional.

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O Barreiro tornava-se, assim, um entreposto entre o litoral e o interior do país, com um intenso movimento de mercadorias e passageiros.

Rapidamente se instalaram oficinas ferroviárias, armazéns de carga e infra-estruturas de apoio, acompanhadas por um crescimento populacional sem precedentes. Vieram operários de todo o país, atraídos pelas oportunidades de trabalho e pela promessa de um novo estilo de vida urbano-industrial. A cidade expandia-se fisicamente, com novos bairros operários, e transformava-se socialmente, acolhendo um novo proletariado urbano.

A esta transformação juntava-se um novo ritmo de vida: o som do apito do comboio e o movimento das locomotivas impunham uma nova cadência ao quotidiano. A ferrovia impôs também uma nova consciência temporal e laboral. Pela primeira vez, o tempo passou a ser medido em turnos, em produção, em deslocações programadas.

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O Barreiro tornava-se, assim, não apenas um ponto de passagem, mas um centro vivo de produção, intercâmbio e habitação.

CUF foi o ‘império industrial’ de Alfredo da Silva

A viragem de século traria uma nova camada à identidade do Barreiro, a indústria química pesada, liderada pela Companhia União Fabril (CUF), fundada por Alfredo da Silva em 1898. A escolha do Barreiro para instalar a principal unidade industrial da CUF deveu-se à combinação perfeita de factores: acesso ferroviário, proximidade ao Tejo e mão de obra em crescimento.

Inicialmente dedicada à produção de sabões e adubos químicos, a CUF expandiu-se rapidamente para outros sectores: metalurgia, siderurgia, têxteis, óleos industriais, produtos farmacêuticos, tintas, refinação de petróleo. No seu auge, o complexo CUF-Barreiro ocupava mais de 400 hectares e empregava mais de 10 mil trabalhadores.

A CUF introduziu em Portugal um modelo empresarial de cariz paternalista, mas também socialmente interventivo, criava bairros para os trabalhadores (como os Bairros da CUF, da Encarnação ou das Palmeiras), escolas primárias, consultórios médicos, creches, clubes desportivos e culturais, salas de cinema, grupos de teatro e bandas filarmónicas. Tudo isso sob o lema: “O que é bom para a CUF, é bom para o País”.

Contudo, este modelo também gerava dependência. O trabalhador da CUF vivia, trabalhava, estudava e se divertia dentro de uma estrutura controlada pela empresa. Os horários, os comportamentos e até as opiniões políticas eram moldados sob um olhar disciplinador e paternalista.

A sociedade barreirense no século XX e a cidade operária

O Barreiro do início do século XX era uma cidade de operários. Vindos maioritariamente do Alentejo, do Ribatejo e da Beira Baixa, os novos habitantes traziam consigo saberes rurais, mas também uma vontade de ascensão social através do trabalho industrial. A diversidade regional tornou o município num caldeirão cultural, marcado por festas tradicionais, gastronomia variada, e uma crescente consciência de classe.

Os sindicatos, ainda clandestinos durante a Primeira República e posteriormente reprimidos durante o Estado Novo, tinham uma base forte no Barreiro. As greves e manifestações tornaram-se frequentes, sobretudo nas décadas de 1920 e 1930, em resposta à exploração laboral, aos baixos salários e à rigidez patronal da CUF. Ainda assim, o Barreiro mantinha uma estabilidade relativa, assente na segurança do emprego industrial e na solidariedade entre trabalhadores.

A cultura operária era rica e diversificada. A existência de grupos corais alentejanos, filarmónicas, colectividades desportivas (como o Grupo Desportivo da CUF), clubes de leitura e teatro amador mostra a vitalidade de uma população que não se limitava à fábrica, mas que procurava expressão, pertença e reconhecimento.

Com o crescimento acelerado, o Barreiro viu-se confrontado com desafios urbanos e ambientais. A poluição atmosférica das chaminés da CUF, os efluentes lançados no Tejo e a degradação das zonas habitacionais mais antigas criaram tensões na relação entre desenvolvimento e qualidade de vida.

Ainda assim, o município respondeu com algumas iniciativas de ordenamento e expansão planeada. Foram construídos novos bairros, requalificadas zonas ribeirinhas e investido em infra-estruturas de saneamento e abastecimento de água.

A relação com o rio Tejo era ambígua, fonte de transporte e beleza natural, mas também vítima da indústria. Durante décadas, a zona ribeirinha foi sinónimo de degradação, hoje alvo de projetos de requalificação urbana e patrimonial.

Barreiro: Memória, Identidade e Património

Hoje, o Barreiro conserva marcas profundas desse passado. O património industrial, como as antigas oficinas da CP – Comboios de Portugal, os edifícios da CUF e os bairros operários, são elementos vivos de uma identidade colectiva moldada ao longo de mais de um século.

O Museu Industrial da Baía do Tejo, a Associação de Estudos para a Intervenção na Cidade (AEIC) e os diversos arquivos históricos mantêm viva a memória das lutas, das inovações tecnológicas e da vida quotidiana que marcou a época de ouro do Barreiro industrial.

Este percurso histórico é também uma lição sobre desenvolvimento e inclusão: sobre como uma vila piscatória se tornou cidade-fábrica, e como os seus habitantes moldaram, com as suas mãos e esperanças, um dos capítulos mais marcantes da modernidade portuguesa.

NÚMEROS | Um retracto escrito da época

A ferrovia chegou oficialmente ao Barreiro em 1861, com a inauguração da linha Barreiro-Beja. Apenas algumas décadas depois, em 1887, abriram-se as oficinas da Companhia dos Caminhos de Ferro, que viriam a tornar-se um dos maiores empregadores da região. No auge da sua actividade, a CUF ocupava mais de 400 hectares e empregava cerca de 10.500 trabalhadores, transformando o Barreiro num verdadeiro coração industrial do País.

O primeiro bairro operário da CUF foi construído em 1908, com 144 fogos, e fazia parte de um projecto social mais vasto que incluía escolas, creches e centros médicos. Nos anos 1950, estima-se que a CUF produzia cerca de 80% dos adubos utilizados na agricultura portuguesa, um número que revela bem o peso desta infra-estrutura na economia nacional. O Barreiro chegou mesmo a ser apelidado de “a Manchester portuguesa”, tal era a intensidade da sua produção fabril.

As oficinas ferroviárias do Barreiro construíram, entre as décadas de 1920 e 1950, mais de meia centena de locomotivas a vapor. A imponente chaminé da CUF, ainda visível na paisagem urbana, ficou conhecida como “a catedral do trabalho”, símbolo máximo da cidade operária. Hoje, parte deste legado é preservado pelo Museu Industrial da Baía do Tejo, instalado em antigos edifícios da CUF, onde se conta a história de uma comunidade moldada pelo ferro, pelo fumo e pela esperança de um futuro melhor.

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