Chegada do comboio em 1934 rompeu o isolamento rural e impulsionou a economia local. Ligação a Sines e Lisboa tornou Santiago do Cacém num novo eixo de mobilidade
Em Junho de 1934, um apito metálico rasgou o silêncio das colinas alentejanas. Pela primeira vez, o som de um comboio ecoava nos arredores de Santiago do Cacém, anunciando a chegada da linha férrea e, com ela, a entrada definitiva da região na modernidade. A inauguração da Estação Ferroviária de Santiago, então integrada na linha do Sul e na nova ligação ao porto de Sines, foi um dos momentos mais transformadores da história recente do concelho. O impacto desta infra-estrutura, que cumpre 91 anos, foi sentido não apenas no movimento das mercadorias, mas no ritmo das vidas e na forma como os habitantes passaram a ver o mundo.
O dia 21 de Junho desse ano ficou marcado por celebrações. Um comboio especial partira do Barreiro, transportando autoridades civis, engenheiros e o Ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco — figura central na política de obras públicas do Estado Novo. A chegada à estação foi recebida com foguetes, música e discursos entusiásticos. Mas para a população local, o que se celebrava era menos o aparato político e mais o fim do isolamento secular que o interior alentejano conhecia há gerações. A estação tornou-se, desde logo, um símbolo de avanço: um edifício sóbrio, de traça funcional, decorado com belíssimos painéis de azulejo da Fábrica Sant’Anna, que retractavam a paisagem rural e o quotidiano do trabalho agrícola.
Até então, a vida em Santiago do Cacém dependia de caminhos empoeirados, transportes de tracção animal e deslocações lentas e cansativas. Os produtos locais — cortiça, azeite, madeira, cereais — percorriam longos trajectos até chegarem a portos ou mercados. A ferrovia veio mudar esse panorama. Tornou mais eficiente o transporte de mercadorias, garantiu o escoamento das produções agrícolas para Lisboa e para o litoral e permitiu também a entrada regular de bens industriais, adubos, maquinaria e até livros. A linha de Sines, ao ligar o novo porto marítimo ao interior do Alentejo, passou a ter em Santiago um ponto de apoio logístico fundamental.
Mas o impacto da ferrovia não foi apenas económico. A chegada do comboio reconfigurou a própria geografia social do concelho. Jovens passaram a ter acesso a escolas técnicas em Setúbal e Lisboa, famílias deslocavam-se com mais frequência para tratamentos médicos, e muitos viram pela primeira vez a possibilidade de emigrar com bilhete comprado na bilheteira da estação. O comboio não transportava apenas pessoas e bens — trazia notícias, ideias, ritmos diferentes. Abriu horizontes, literalmente. Uma geração inteira passou a medir o tempo não em ciclos agrícolas, mas em horários de partida e chegada.
Ao longo das décadas, a ferrovia serviu ainda como elo entre a vida rural e o novo ciclo industrial de Sines, que se intensificou a partir dos anos 1970. Ainda que o transporte de passageiros tenha sofrido um declínio com o avanço das estradas e do automóvel particular, a linha de mercadorias manteve-se como eixo estratégico. Actualmente, com a aposta no Corredor Internacional Sul e o reforço da ligação ao Porto de Sines, a ferrovia continua a ser uma peça-chave da logística nacional — e Santiago mantém a sua importância no tabuleiro.
O edifício da estação, preservado com cuidado, é hoje uma peça de memória. Os painéis de azulejo resistem, tal como as plataformas e os carris. Mas o seu valor vai muito além da arquitectura.
Ali começou a grande transformação de um concelho que, com o som do comboio, acordou para o século XX. E nunca mais voltou a ser o mesmo.