“Pensámos que era necessário fazer comissões de moradores em todos os bairros”

“Pensámos que era necessário fazer comissões de moradores em todos os bairros”

“Pensámos que era necessário fazer comissões de moradores em todos os bairros”

Abílio Ferreira discursou na varanda da Praça do Bocage no 1.º de Maio. Esta fotografia foi cedida, à época, por um fotógrafo d'O SETUBALENSE

Abílio Ferreira é um nome incontornável do associativismo no pós-Revolução. Entre a saída do círculo cultural e a entrada no PCP foi figura central de muitas reuniões no Naval Setubalense

O dia 25 de Abril de 1974, propriamente dito, não se fez sentir em Setúbal, mas os meses que se seguiram foram de muito rebuliço e mudanças estruturais na cidade.

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Depois de um 1.º de Maio muito concorrido, com milhares de pessoas a desfilarem pelas ruas e avenidas e a encherem a Praça do Bocage, era tempo de reestruturar os órgãos que já não estavam ao comando da ditadura. “Alberto Pereira, Júlio Santos, Mário Brandão, Maria Odete Santos, o Renato que era o arquitecto, Francisco Lobo, Vítor Zacarias e Carlos Tavares da Silva”.

Foram estes os nomes que tomaram conta da Câmara Municipal de Setúbal após a queda do antigo regime.

Quem o afirma é Abílio Ferreira, 79 anos, antigo integrante do Círculo Cultural de Setúbal que acabou por abandonar o grupo, tempos após a Revolução dos Cravos, por não concordar com as novas mudanças que estavam por vir. “Houve pessoas que agarraram o círculo, e fizeram bem, foram heróis. Depois o que levou ao que eu não gostei – e nunca aderi novamente ao círculo – foi os cursos começarem a ser pagos, que no nosso tempo não eram.

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Era mesmo para ajudar a classe operária e os trabalhadores em geral. Há muita gente, aos dias de hoje, que são advogados, economistas, e começaram ali. Muita gente que está na caixa de supermercados, tiraram naquela altura o quinto ano – que agora é o nono”, explica em entrevista a O SETUBALENSE.

Sempre sem querer dar nomes das pessoas que acabaram por se sobressair em feitos para os quais não tinham contribuído, Abílio Ferreira tem muito presente a memória de um grupo que não sendo clandestino – era alvo da censura e, todas as reuniões eram presenteadas com a presença de um polícia da PIDE que tinha como missão redigir cada detalhe do que se passava naquela sala.

Dá-se então a saída do Círculo Cultural de Setúbal. “Disse às pessoas que saí do círculo e fui explicar-lhe que há tanta coisa para fazer na política, e que naquele momento ia dedicar-me mais a este aspecto.

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A partir desse momento, fiquei muito frustrado”, confessa. Seis dias depois da Revolução já estar na rua é que as repercussões se começaram a sentir na cidade.

Além da grande enchente do 1.º Maio, na Praça do Bocage, nessa noite realizou-se, no pavilhão do Clube Naval Setubalense, um comício de apoio ao Movimento das Forças Armadas (MFA).

Neste, discursaram grandes nomes, onde se destaca Abílio Ferreira, e outros oradores como Jorge Luz, Carlos Lopes, Teodósio, Carlos Nascimento, Valdemar de Sá, Adriana Espanca, Fernando Rodrigues e José Afonso.

Foi, depois do primeiro de Maio, que ingressou no Partido Comunista Português (PCP). “Depois do primeiro de Maio, há uma reunião em que me convidam para ir à reunião do partido.

É informal quase, ninguém me forçou a nada”.

Depressa se apercebeu que faltavam quadros no partido, e que algo tinha de ser feito contra isso. “Disse que havia um problema de falta de quadros e pedi à Georgette Ferreira para fazer uma reunião com a malta que eu sabia que tinha contactos com o partido, para pôr-lhes juízo na cabeça, não vinha ninguém”.

A época coincidiu com o tempo em que o já formado Movimento Democrático Português (MDP) começou a ‘bater de frente’ com a ligação comunista, existindo mesmo ‘guerras’ entre as duas formações. “Outras partes que eram afectas ao partido, pessoas com as melhores das intenções, combatiam um bocado o movimento democrático, viam nele um concorrente. Mas não foi isso que estragou a revolução. Ainda estávamos em guerra uns com os outros.

E a Georgette deu instruções para que essas pessoas [mais velhas] viessem, mas pensa que se fizeram alguma coisa? Não”.

Abílio Ferreira alavancou as associações de moradores

Setúbal é pautada pelo associativismo e a formação de grupos. Desde muito cedo que, as colectividades e associações que hoje são conhecidas, começaram a ser formadas. Caso disso são as associações de moradores dos vários bairros da cidade sadina que Abílio Ferreira ajudou a fundar.

A 2 de Março de 1975, pelas 21 horas, o pavilhão do Clube Naval Setubalense volta a ser casa de uma reunião que ia ser determinante para a constituição destas associações: “Primeira Assembleia Geral do concelho de Setúbal: O Povo é quem mais ordena”, lê de um título de um jornal de Setúbal durante a nossa conversa. Uma reunião que não teve cadeiras vazias, tal o entusiasmo de ingressar nestas associações.

“Em determinada altura pensámos que era necessário fazer comissões de moradores, em todos os bairros, e aproveitar as comissões que já estavam formadas, que no fim de contas eram as direcções das colectividades”. Guarda registo de tudo, não fossem as dezenas ou centenas de páginas que tem compiladas em capas, e que foi folheando durante toda a entrevista.

Nestas constam os nomes de todos os interessados em integrar as associações de moradores dos seus bairros, que viriam mais tarde a sair à rua. À data contavam-se apenas nove dias para um dos acontecimentos mais importantes daquele ano: o 11 de Março de 1975.

Comissões de trabalhadores e comissões de moradores convocam uma manifestação de apoio ao poder popular dia em que, simultaneamente, se dava, em Lisboa, uma tentativa de golpe de estado dirigida por António de Spínola.

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