26 Agosto 2024, Segunda-feira

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O início com o Círculo Cultural de Setúbal como despertador de consciências

O início com o Círculo Cultural de Setúbal como despertador de consciências

O início com o Círculo Cultural de Setúbal como despertador de consciências

Adilo Costa (ao centro) com Carlos Jorge Luz (à esq.), na primeira manifestação de apoio à Revolução, na Praça do Bocage, em 26 de Abril de 1974

Adilo ingressou no Círculo pela mão de Carlos Jorge Luz. Zeca Afonso foi um dos que mais puxaram pelos jovens da região

A história de Adilo Costa começou a escrever-se ainda antes da viragem para a década de 1970. “Despertei para a política com 15 ou 16 anos, devido à greve académica de Coimbra e de Lisboa, em 1969. No ano seguinte, no liceu, tive colegas, sobretudo o Carlos Jorge Luz, mas também Manuel Murta (infelizmente já falecido), que tiveram grande influência sobre mim. E até alguns professores progressistas que arranjavam sempre 5 minutos das aulas para chamarem a atenção para a falta de liberdade em Portugal”, diz, ao mesmo tempo que aponta para uma fotografia que guarda com saudade (ao lado de Carlos Jorge Luz).

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E o Círculo Cultural de Setúbal foi como que um despertador de consciências. “Nós, jovens, começámos a organizar-nos. Carlos Jorge Luz teve uma influência enorme sobre mim ao levar-me para o Círculo Cultural de Setúbal, colectividade declaradamente anti-fascista que havia na Avenida 5 de Outubro, onde pontuavam homens como Zeca Afonso, que sempre puxou pelo Círculo e pelas pessoas que o frequentavam, mas também o Dimas, o Abílio Ferreira, o Rogério Palma Rodrigues, o José Teodósio, entre outros”, realça, para vincar a força do Círculo Cultural e soltar uma curiosidade.

“Tinham uma secção escolar, eu não precisava porque era estudante do liceu, mas foi por exemplo na secção escolar que conheci a minha mulher, que estudava à noite no Círculo Cultural. Ela e dezenas de rapazes e raparigas tiraram ali o ciclo preparatório, com Zeca Afonso como professor e outros.”

Este foi um carreiro que percorreram como formigas, com o sentido da construção da liberdade. “Quando chegámos a 1971/72 já havia muita ebulição, através de Carlos Jorge Luz, José Pina, o Caldeira, o Renato, a Lena Afonso (filha do Zeca) e outros, que se aglutinavam em torno do movimento da juventude, existente a nível nacional. Não deixavam de puxar por nós. E era gente de todas as tendências. Desde que se fosse contra o regime…”, recorda, por entre alguns sorrisos e uma boa dose de orgulho estampada no rosto. Mas num instante aquele à-vontade é substituído por uma expressão fechada e um ar sério. “Reuníamo-nos e falávamos mais abertamente, mal sabíamos que havia um infiltrado lá dentro, que prejudicava mais não os jovens mas os mais velhos”, relembra.

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Oposição unida em Aveiro
O miúdo que vivia em Rio da Figueira – “subúrbios de Setúbal”, diz – não mais parou de alargar horizontes. “Comecei a ir para a Baixa da Banheira, Barreiro, Almada, para reuniões que tínhamos às vezes num pinhal, noutras vezes numa colectividade, muitas vezes puxados pelo Zeca, que nos dizia muitas palavras além das músicas”, resume. E faz questão de fazer justiça à guarida dada por boa parte da Igreja. “Eram também utilizados estabelecimentos paroquiais pelo pessoal e havia muita abertura da parte de muitos padres.”

Portugal fervilhava e o ano de 1973 viria a ser “extraordinário para a oposição democrática e para a oposição juvenil”. E explica: “Pela primeira vez, a oposição une-se e prepara-se o III Congresso de Aveiro em ambiente de unidade. Esse ambiente fez com que os jovens pudessem criar condições para se fazer o recenseamento eleitoral, juntamente com os mais velhos. Pouca gente estava recenseada.” Em 1969 – ano das primeiras legislativas sem Salazar na presidência do Conselho (foi exonerado por problemas de saúde e substituído por Marcello Caetano), um dos factores que impediu a unidade da oposição em torno das mesmas orientações foi a guerra colonial. “Havia receio de abordar o tema, ao contrário de em 1973.”

No ano que antecedeu a chegada de Abril de 74, o corrupio em busca do recenseamento foi exaustivo. “Íamos a todo o lado, subíamos e descíamos escadas, batíamos às portas, as pessoas confiavam-nos os elementos para fazermos o recenseamento, mas estivemos sempre vigiados”, sublinha Adilo Costa.

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E no distrito trabalhavam-se ainda as teses que reflectiam a situação dos jovens da região. “Para serem apresentadas no Congresso de Aveiro, através do delegado João Neves, eleito por nós num armazém do Gonçalves Ferro Velho, ‘à pala’ de dizermos que íamos fazer um piquenique. Vieram jovens de todo o distrito, 130 a representar os outros”, afirma.

Os eixos ficaram definidos: “O principal problema era a guerra colonial, o segundo era a falta de liberdades democráticas e em terceiro lugar o problema da situação laboral e de acesso aos estudos desses jovens”.
“Tudo isto levámos ao congresso, foi um sucesso. Zeca Afonso e José Saramago estiveram lá. Toda a oposição se juntou, apesar do cerco policial a Aveiro, em Abril”, conta.

Estavam assim criadas condições para concorrerem às eleições, só que os dados estavam viciados pelo regime.

Eleições O PIDE que votou 23 vezes e a tentativa de censura falhada

A oposição democrática viria a desistir do sufrágio eleitoral de 28 de Outubro de 1973, por considerar que não estava assegurada a possibilidade de realização de eleições livres. E razões que o justificassem não faltavam.
Nem episódios rocambolescos, como o protagonizado por alguém na região que conseguiu votar mais de duas dezenas vezes. “Segundo um relatório da PIDE, houve um agente, aqui na península de Setúbal, que disse ter votado 23 vezes e não votou mais porque o carro empanou. Era a desculpa que ele dava ao chefe num relatório. Ou seja, utilizou o nome de 23 falecidos para votar. Chegava à mesa de voto que lhe dava jeito e votava por um desses nomes”, conta Adilo Costa, que logo após as eleições foi chamado à PIDE. “No dia 31 de Janeiro de 1974 aproveitou-se para fazer uma homenagem a um velho republicano, José Reis, em Almada. E é convidado o Movimento da Juventude também para falar. A PIDE chama-me para me dizer: ‘Não falas sobre a guerra colonial nem sobre os presos políticos’. Mas foi exactamente sobre isso que falei, tal e qual como se estivesse num daqueles comícios durante o período eleitoral”, salienta, de sorriso aberto pela coragem que soube ter. Oito dias depois, Adilo era detido em casa e levado para Caxias [
https://osetubalense.com/169o-aniversario/os-dias-seguintes-a-libertacao-e-a-revolucao-dos-cravos/].

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