“É muito importante reforçar junto dos mais jovens aquilo que foi o 25 de Abril”

“É muito importante reforçar junto dos mais jovens aquilo que foi o 25 de Abril”

“É muito importante reforçar junto dos mais jovens aquilo que foi o 25 de Abril”

Locutor de rádio foi responsável pela transmissão da primeira senha que iria desencadear a Revolução de Abril de 1974. Conta como que a rádio teve um papel fundamental na revolução.

É dele a voz que deu começo à libertação de um País preso à ditadura com uma simples frase: “Faltam cinco minutos para as 23 horas, converso Paulo de Carvalho com ‘E Depois do Adeus’”. O jornalista João Paulo Dinis tinha na altura 25 anos, e, passados 50 anos da Revolução de Abril, o jornalista que reside em Alcochete, recorda esse momento que transformou a sua carreira.

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O locutor lembra-se de como se guiava as primeiras notícias sem censura e elogia a rapidez com que hoje se trabalha, embora critique a falta de rigor de certas notícias e redes sociais. De Nélson Mandela a Cristiano Ronaldo, recorda os grandes eventos que teve oportunidade de testemunhar.

Como começou o seu percurso no jornalismo?

Comecei na rádio em 1965, tinha 21 anos, na Rádio Peninsular em Lisboa com o Aurélio Carlos Pinho, um dos locutores portugueses ainda em actividade, com os seus fantásticos 86 anos creio eu, e de facto ainda hoje trabalha na Rádio Renascença.

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Comecei com ele na área de locução de cabine, depois, numa outra fase, a Rádio Peninsular juntamente com a Rádio Voz de Lisboa, o Clube Radiofónico de Portugal e a Rádio Graça constituíam os chamados emissores associados de Lisboa e então, a Rádio Peninsular e Rádio Voz de Lisboa numa certa fase foram comprados por um grupo privado, que era a Alfa Beta.

Foi muito interessante porque permitiu-me conhecer uma série de grandes nomes do jornalismo, o Doutor Fernando Teixeira, que era o chefe de redacção, o Abel Pereira, o Urbano Carrasco, muitos vultos do jornalismo, como o Nuno Rocha. Portanto as notícias eram feitas ali, no próprio ambiente de Lisboa.

Teve uma experiência na BBC…

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A minha experiência de seis anos na BBC em Londres foi extremamente marcante porque a BBC foi para mim uma universidade. Aprende-se a ouvir, aprende-se o rigor, as notícias são dadas se estiverem confirmadas a 100%. Lembro-me que uma vez, o meu chefe António Menezes, deu-me uma série de páginas para trabalhar com dois ou três minutos.

Nós sabíamos que uma folha A4 correspondia a três minutos, e, portanto, em meia hora tive que traduzir e adaptar as páginas. E depois, fi-lo ouvir e ele disse: “António veja lá se isto está bem”, então ele leu a peça e disse: “sim senhor, muito bem. Isto está tudo confirmado?” e eu disse que estava confirmada a 99%, e ele respondeu-me que quando estivesse confirmada a 100% podíamos dar a notícia. É o rigor da BBC que ainda hoje se vê. Foi mais do que a minha escola, foi a minha universidade.

De onde veio esta paixão pela rádio?

A minha paixão começou em casa dos meus pais, porque eu olhava para aquela caixa e saía dali sons, vozes, música e achava que era uma coisa fascinante. Ainda não havia televisão, portanto a rádio era o que trazia toda a informação para a gente. Foi aí que comecei a seguir pela rádio. Em 1965, houve um programa que era “A Voz da Casa Pia” e que era feito aos domingos à tarde com Augusto Póiares, um grande casapiano.

Um dia encontrei-o no estádio Pina Manique, estádio do Casa Pia, e disse: “Oh senhor Póiares, eu gostava tanto de ir fazer um teste de voz” e ele respondeu-me que eu ainda era muito novo, e como eu disse, sempre quis imitar, ‘crescer e aparecer’.

Houve uma altura que o chateei, e ele disse: “olha, eu vou lá gravar A Voz da Casa Pia no dia tal às tantas horas, se quiseres aparece por lá”. Fui lá e fiquei fascinado, fi-lo ouvir e ele gostou, fui logo mostrar ao Aurélio que era chefe de locução na altura e sabia que ele andava à procura de uma voz nova para os programas. O Aurélio ouviu e gostou, convidou-me e assim comecei.

Anunciou a primeira senha do 25 de Abril, quando é que falaram consigo pela primeira vez?

Tinha uma colaboração no Rádio Clube Português e apareceu-me lá, a meio da tarde, um sujeito. Chamaram-me à porta e ele disse-me “Estás bom? Não te lembras de mim?”. E eu, que sou um bocado despassarado para fixar nomes e rostos, disse que de facto não me lembrava. “Estivemos na Guiné, não te lembras?”. Era o Major José Costa Martins, da Força Aérea, que sozinho tomou o aeroporto de Lisboa no 25 de Abril. Disse-me que tinha estado em Israel e que tinha uns discos muito giros para me mostrar e fomos até ao carro dele. Entrei no carro e ele diz-me: “olha, tenho de te dizer a verdade.

Estou aqui mandatado pelo movimento militar, vamos fazer uma revolução, vamos derrubar o governo, vamos acabar com a guerra colonial, vamos criar eleições democraticamente para todo o povo português, instituições democráticas, livres, e precisamos da tua colaboração”.

Desconfiei da situação e disse que ele era da PIDE e que me estava a fazer perder tempo. Ele lá insistiu e perguntou o que eu achava se fosse o Otelo Saraiva de Carvalho a falar comigo. Como já não o via há dois anos disse que podia ser, então marcámos encontro para essa noite no Apolo 70, que era um espaço comercial.

Quando lá cheguei lá vi o Otelo, dei-lhe um grande abraço. Depois de conversarmos um pouco ele disse-me que precisavam que no dia 24 de Abril eu pusesse uma cantiga do Zeca Afonso. Eu disse que nem pensar, porque era um artista proibidíssimo pela censura. Foi nessa altura que sugeri a música do Paulo de Carvalho, “E Depois do Adeus”.

Então ficou combinado que às cinco para a meia-noite colocaria essa música. Entretanto o Costa Martins apareceu-me na rádio e disse que em vez de ser às cinco para a meia noite; dava jeito que fosse às cinco para as onze. Expliquei-lhe que podia, e que quando chegasse às cinco para as onze diria, “faltam cinco minutos para as 23 horas” e essa frase é que foi a senha, e depois saiu o Paulo de Carvalho com “E Depois do Adeus”.

Por ordem cronológica, foi às cinco para as onze na noite de 24 de Abril, a Rádio Peninsular a transmitir o Depois do Adeus, à meia-noite e vinte e cinco a Rádio Renascença passou o “Grândola Vila Morena” do Zeca Afonso, e depois o Joaquim Furtado leu os primeiros comunicados do Movimento das Forças Armadas.

Como foi a evolução da democracia e dos valores do 25 de Abril desde dessa altura?

Foi globalmente de uma forma positiva, mas acho que seria muito importante que se reforçasse junto dos mais jovens o que foi o 25 de Abril, e os professores aí têm um papel importantíssimo. Explicar o que era o Portugal de então, explicar que não havia liberdade, não havia democracia, havia a censura, e depois havia coisas estranhíssimas. Uma mulher para se ausentar do País tinha de ter licença do marido, por exemplo.

Coisas que realmente, olhando para isto, falamos com os mais jovens e contamos determinados episódios do que era realmente o País, enfim ninguém acredita. Além da repressão obviamente, convém não esquecer os presos políticos que haviam, e portanto, vejo hoje em dia a democracia com simpatia. Penso que os políticos, uma boa parte deles, poderiam ter um papel mais importante na defesa dos interesses do País.

Às vezes vejo sessões da Assembleia da República e olho para aquilo, e parece-me uma feira de vaidades. Acho que não é preciso ter tanta gente no parlamento. Julgo saber que proporcionalmente temos mais deputados do que no parlamento de Londres, que é um exemplo de democracia.

Os britânicos felizmente vivem a democracia há séculos e portanto, se tivéssemos metade dos deputados acho que era óptimo, porque seriam suficientes e também era importante no ponto de vista financeiro porque cada deputado custa um balúrdio.

E a experiência de ser jornalista antes e depois do 25 de Abril?

Antes tínhamos a censura, portanto antes de irmos ler uma notícia, líamos aquilo muito bem lido, para ver se estava tudo bem, se poderia haver alguma coisa que pudesse incomodar os senhores da censura.

Lembro-me que uma vez me telefonou para a rádio um sujeito qualquer que dizia ser um doutor qualquer a dizer que estava na comissão de censura e que sabia que eu era muito jovem, mas que devia ter cuidado com certas coisas que não devem ser ditas.

Não sei se aquilo era uma brincadeira de mau gosto, porque acho que seria deplorável alguém da censura estar a telefonar para uma pessoa de uma rádio para ter cuidado.

Hoje vivemos em democracia, por isso obviamente não há censura, mas as vezes ouço alguns noticiários de rádio e vejo as noticias na televisão e fico um bocado confuso, porque acho que falta por vezes uma coisa fundamental, uma regra do jornalismo, que é a isenção obviamente e é rigor.

As noticias tem de ser dadas sempre com todo o rigor. Às vezes penso que isso não acontece, o que é negativo.

Ao longo da sua carreira, qual foi a entrevista que o mais marcou?

Nelson Mandela. Fui de propósito a Joanesburgo para o entrevistar e encontrei um homem absolutamente fascinante. Encontrámos-mos num hotel em Joaneburgo por questões de logística.

Dormi nesse hotel para já estarem as coisas mais simplificadas. Do Nélson Mandela não ouvi uma palavra de rancor, uma palavra de ódio. Era um grande senhor, por alguma razão recebeu um Prémio Nobel da Paz, e, portanto, na lista dos meus entrevistados, é o meu top um.

Existiram mais nomes que o tivessem marcado?

O Papa João Paulo II, não foi bem uma entrevista, foi mais uma declaração. Estava no Vaticano e apanhei-o à mão de semear, como se costuma dizer, e perguntei-lhe quando é que teríamos essa grande honra de ter uma visita dele em Portugal, em Fátima, e ele respondeu “Há um tempo, si espera” e eu insisti e perguntei se podíamos ter esperança que mais tarde ou mais cedo ele pudesse deslocar-se a Portugal e ele respondeu “Si espera”, assim com um sotaque Brasileiro.

O Salvador Dali, encontrei-o em Paris, mas não deu para fazer a entrevista. Dirigi-me a ele, e disse-lhe que era português e jornalista e que teria o prazer de gravar um entrevista com ele, mas respondeu que tinha de ir para o aeroporto e saiu. Não sei se tinha de ir para o aeroporto, vou acreditar que sim, ou então não me estava para aturar e tinha mais que fazer.

Também nomes como Pelé, o Maradona, Eusébio. O Pelé era um tipo engraçadíssimo, um homem extremamente humilde. E são assim algumas entrevistas engraçadas que eu tenho.

Quem é que ainda gostaria de entrevistar?

Há duas pessoas. O Zelensky e o Cristiano Ronaldo. Dois polos completamente distintos, mas gostava quer um quer o outro. Eu com o Ronaldo, quando fui assessor da Federação Portuguesa de Futebol, houve uma altura que eu fiquei afecto à selecção nacional quando foi o Campeonato da Europa de 2004.

Houve um jogo amigável em Chaves, um Portugal-Noruega, aqueles jogos de preparação e tal, e calhou no autocarro eu ficar ao lado do Cristiano Ronaldo, que tinha acabado de ir para Inglaterra para jogar no Manchester United.

Ele tinha 18 anos, e fomos a conversar e eu disse que Inglaterra é um País porreiro e que tinha vivido em Londres seis anos. Fui falando assim quase como um pai falaria para um filho. E ele ficou muito reconhecido, e curiosamente, não sei quantos anos depois, eu ia a passar pela zona da Expo em Lisboa e de repente vejo um tipo que atravessa a rua e vem na minha direcção. Quando ele se aproxima, é que eu reparei quem ele era. Ele vinha de óculos escuros, era o Cristiano Ronaldo.

Quando se aproximou de mim disse que quando me viu fez questão de atravessar para me dar um abraço, e explicou-me que aquelas coisas que tínhamos falado no autocarro quando fomos para aquele jogo da Noruega, quando fomos para Chaves, tinha dado tudo certo. Se fosse outro, não me passava cartão e seguia em frente. Eu não sou ninguém, mas ele fez questão de atravessar a rua e foi muito gentil.

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