Cravos que seriam mangas

Cravos que seriam mangas

Cravos que seriam mangas

Conceição Martins, então criança, ao lado dos quatro irmãos, com a mãe e o pai, em Moçambique

Conceição Martins, 58 anos, nunca conheceu a ditadura em Portugal, porque vivia em Moçambique, mas foi a sua queda que lhe alterou o destino

Num dia, a “metrópole” estava distante; no outro, quase tão perto quanto as mangas que colhia debaixo do sol quente em Moçambique. Conceição Martins, 58 anos, nunca conheceu a ditadura como é contada em Portugal, mas foi a sua queda que lhe alterou o destino.

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A história podia ser diferente, mas o seu tempo em Trigo de Morais, a cidade onde morava, não foi longo o suficiente para a contar de outra forma. “Na altura em que lá estávamos, tínhamos uma vida farta”, é assim que descreve o tempo na terra que a viu nascer, terra essa que considerava o seu chão, mas que acabou por desabar por causa de uma revolução à qual não consegue dar valor.

A alegria moçambicana, que tão bem recorda, ficou para trás no país que lhe enche os olhos de lágrimas. Foi o 25 de Abril que trouxe uma criança de nove anos para “a terra de tijolo” e para perto do povo português, que a julgava por vir de uma colónia, dificultando assim a sua adaptação.

Para muitos portugueses, a data histórica é sinónimo de revolução, mas, para a sesimbrense, nada mais é do que o início da sua revolta interior, porque, como afirma, perdeu “tudo o que tinha”.

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Passou de brincar nos arrozais da família e de colher mangas das árvores sempre que queria, para estudar no país monótono e desconhecido que era Portugal, a famosa metrópole.

É a partir desse momento, em que chega ao país que nada lhe acrescenta, que a saudade começa a viver dentro de si, não só da natureza repleta de animais selvagens do “paraíso na terra”, mas também do pai que deixou para trás e da campa que não voltou a visitar [emociona-se].

A morte do pai acompanhou-a ao longo dos anos, especialmente por ver a sua mãe num constante luto, com cinco filhos para criar e sem poder “sentir uma mãozinha de terra” da campa do seu marido, o que era comum para prestar homenagem aos falecidos, especialmente porque “a minha mãe vivia muito os mortos e não conseguiu despedir-se do meu pai”.

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Enquanto Portugal celebra a data da tão importante liberdade, Conceição reflecte sobre a importância de tal acontecimento na sua vida e conclui que, para si, foi diferente. “Não me acrescentou muito, só me recordo do que perdi”, diz.

A comemoração dos 50 anos de Abril, para ela, nada mais significa do que cinco décadas de saudade daquele tempo que já não volta e das memórias que vai esquecendo, mas algo é certo: o tão quente sol de Moçambique nunca brilhará tanto como os olhos de Conceição Martins, quando recorda a sua alegre infância.

*Estudante de Jornalismo da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal (ESE-IPS)

Guilherme Cabral

Rui Morais

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