As pequenas comunidades e o direito à informação

As pequenas comunidades e o direito à informação

As pequenas comunidades e o direito à informação

Se um governo considera a desinformação um problema que deve ser combatido, os desertos de notícias também precisam ser enfrentados.

Desinformação e fake news, duas expressões cada vez mais populares, cada vez mais presentes actualmente, especialmente em tempos de eleições, de conflitos armados, como os que ocorrem na Ucrânia e Médio Oriente, ou de catástrofes climáticas, como ocorre agora no sul do Brasil. É consenso para os profissionais da comunicação, para as autoridades públicas preocupadas com a democracia e para parte da sociedade civil que o combate à desinformação deve ser uma das prioridades do mundo.

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A desinformação pode matar, pode levar comunidades a não se protegerem em tempos de pandemias e negarem as consequências das mudanças climáticas e a ação humana como causadora dos problemas. Estamos a falar de problemas globais, pois a desinformação se tornou um problema em todo o mundo. Por isso, cada vez mais são desenvolvidos projectos de literacia mediática e de verificação de factos (agências de fact-checking).

Os dois parágrafos acima abordam problemas globais e soluções globais. Quando estamos a pensar em proliferação de fake news, pensamos em um chefe de executivo autoritário de uma nação, de influenciadores de redes sociais com milhares de seguidores, de grandes grupos de aplicações de mensagens como Telegram e Whatsapp, de mensagens que usam inteligência artificial para simular vozes de pessoas conhecidas, da falta de regulação das plataformas de redes sociais.

Mas raramente estamos a pensar em questões micro, hiperlocais. Quando a palavra fake news é dita, pensamos em mentiras sobre as vacinas da Covid-19 e não de uma informação local, de um problema em uma rua, um bairro social, uma freguesia. A internet faz isso: globalizamos tudo a ponto de esquecermos que continuamos a viver em localidades.

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O título deste artigo deixa claro: o ponto aqui é o direito de estar bem-informado sob um enquadramento local. Se já temos dificuldades de estarmos bem-informados sob aspecto nacional e internacional, com todos os meios de comunicação disponíveis ao nosso favor devido à desinformação que se espalha na internet, imagine no âmbito local.

Sim, meu caro leitor, você se preocupa com isso. Eu sei que sim, porque você está a ler este artigo em um jornal regional. O concelho de Setúbal dispõe de órgãos de comunicação social que garantem a você este direito. Mas, infelizmente, nem todos os concelhos portugueses têm essa sorte. Um relatório desenvolvido pelo Labcom da Universidade da Beira Interior (UBI) em 2022 apontou que 54 concelhos portugueses estão em desertos de notícias.

O que significa isso? Que não possuem nenhum jornal local ou rádio para chamarem seus. Outros 22 até possuem, mas foram enquadrados como semi-desertos porque são rádios sem programação local regular ou jornais apenas impressos com periodicidade muito baixa para fazer a mediação do debate público em seus concelhos.

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Este relatório não contempla concelhos limítrofes a outros com jornais, que eventualmente são bem atendidos por jornais regionais. Porém, também não distingue alguns media que até possuem uma regularidade na circulação, mas a produção noticiosa se restringe a reelaboração de comunicados da Câmara Municipal e outras entidades. Ou seja, não faz um jornalismo de facto, não actua como mediador do debate público e, consequentemente, não garante aos moradores, uma boa informação de facto.

Uma investigação em andamento no Labcom da UBI busca entender como se informam os moradores de concelhos em desertos de notícias. Os resultados preliminares apontam uma dependência de meios oficiais: câmaras, assembleias municipais, entidades. Ou seja, na falta de jornalismo, os gabinetes de comunicação suprem essa ausência. E isto é muito, mas muito grave.

Não se trata apenas de combater a desinformação. Sem jornalismo não há debate, sem jornalismo não há quem questione, duvide, critique as fontes oficiais. As redes sociais são importantes instrumentos de divulgação dos trabalhos do poder público, mas jamais podem fazer o papel dos jornais, das rádios.

Ser bem-informado deve ser um direito de cada cidadão. E os cidadãos que moram em desertos de notícias estão sem este direito. Um cidadão que não é bem-informado pode ser mal-informado, ou então, desinformado. E os problemas da desinformação são conhecidos em todo o globo. Só esquecemos, muitas vezes, de olhar para o interior. A vida não passa só em Lisboa, Londres, Paris ou Nova Iorque.

O objectivo deste artigo não é apenas chamar a atenção para o problema. É chamar a atenção das autoridades. Se um governo considera a desinformação um problema que deve ser combatido, os desertos de notícias também precisam ser enfrentados. Precisamos de uma política pública que olhe com atenção para os media regionais existentes, que precisam de ajuda. E que pense em soluções para as comunidades nos desertos noticiosos.

E uma política pública que não se restrinja a uma acção do governo. É preciso perguntar para a sociedade civil organizada dessas comunidades: vocês não querem jornalismo?

Se a resposta for “queremos”, precisamos pensar em modelos de negócios que aproximem os jornais já existentes das comunidades mais distantes e de viabilizar novos projectos em alguns lugares.

Precisamos todos nos preocupar com isso. Jornais, rádios, universidades, governo de Portugal, autarquias, empresários, entidades civis. Um meio local não é apenas a garantia de uma boa informação. Os media locais são estruturas importantes da democracia, são agentes fundamentais na construção de uma comunidade. Agentes em falta em diversos concelhos portugueses. Não podemos normalizar isso.

O autor é jornalista brasileiro, doutor em Comunicação pela Universidade da Beira Interior (UBI), professor do Instituto Politécnico de Coimbra e investigador integrado do Labcom.
Um dos autores do relatório dos desertos de notícias em 2022, estuda o assunto desde 2020.

Giovanni Ramos

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