26 Agosto 2024, Segunda-feira

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A história do preso político n.º 26 843

A história do preso político n.º 26 843

A história do preso político n.º 26 843

Adilo Costa, hoje com 70 anos, não esquece o que custou a liberdade

Foi arrancado de Rio da Figueira. Passou 64 dias em isolamento no reduto norte de Caxias. Foi torturado. Chamavam-lhe: ‘O Morte à PIDE’

8 de Fevereiro de 1974. O Bairro Dias Ferrão, em Rio da Figueira, Setúbal, acordou mais cedo com o rebuliço. Por volta das seis da manhã, os gritos ecoaram do interior da porta n.º 8. Reflectiam a angústia dos pais e da companheira. As vizinhas da família, despertadas em sobressalto, vieram à rua e ‘sem medos’ atiraram na direcção de duas figuras sinistras: “Malandros. Deixem-no. Ele é bom moço, desde criança”. Mas foi em vão. Adilo Costa acabava de ser detido pela dupla da PIDE. Era o início de um calvário, em cativeiro, de 63 dias de isolamento e tortura para o jovem de 20 anos, que veio a ser o último preso político de Setúbal, com o n.º 26 843.

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“Os dois agentes da PIDE bateram à porta às seis da manhã – nos autos dizem que foi às oito horas e 20 minutos, mas não foi – para me deterem [por exercício de actividades contra a segurança do Estado]. Criou-se ali um grande alarido. O meu pai foi à porta e foi logo empurrado”, começa por recordar Adilo Costa, de barba semicerrada, cabelo prateado, sorriso fácil e olhar amistoso, ampliado por um par de óculos, hoje com 70 anos cumpridos, mas com aparência bem conservada.

“Os meus pais começaram aos gritos, a minha companheira também, as minhas vizinhas vieram à rua, viram que estava a ser detido e sabiam que eu estava envolvido [contra o regime], chamaram-lhes malandros, disseram-lhes que eu era bom moço, que me conheciam desde criança, e eles à pressa meteram-me para dentro de um Peugeot e toca de me levarem para Caxias”, conta, sobre aquela manhã marcante que casava a data com o número 8 da sua porta.

Meio século depois, as lembranças ainda estão bem vivas na memória de Adilo. É nas instalações da Rádio Popular FM, em Pinhal Novo, que aceita partilhar algumas das incidências vividas no antes e no pós-25 de Abril de 1974. A detenção, revela, já a esperava. Tanto assim, que tratou de não deixar pontas soltas.

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“Guardava os ‘Avantes’ num saco no interior do autoclismo, nem os meus pais sabiam que tinha literatura clandestina em casa. Mas antes tinha-me precavido e retirado dali essas publicações, como também uma máquina de escrever que o meu pai me tinha oferecido, na qual escrevia comunicados. A letra ‘a’ tinha um defeito, podia comprometer-me. Emprestei-a a uma amiga, filha de um polícia. A primeira coisa que os agentes da PIDE perguntaram foi onde era a casa-de-banho e foram direitos ao autoclismo. Mas eu já lá não tinha nada. Levaram-me. Fui para Caxias, fui identificado, número de preso político 26 843, e fui para o reduto norte, onde estavam os presos políticos em isolamento”, lembra, antes de se deter sobre a desumanidade de que foi alvo, ao mesmo tempo que desvenda a alcunha que lhe foi atribuída.

A tortura e a alcunha
“Estive preso até 12 de Abril, à volta de 63 dias. Fui imediatamente seviciado [torturado], tinham-me mesmo ódio, porque eu era aguerrido, era jovem, acabava sempre por dizer: ‘abaixo a guerra colonial; abaixo a PIDE assassina’. E eles chamavam-me ‘O Morte à PIDE’. Diziam: ‘Anda cá ver O Morte à PIDE’. Levei muita porrada e depois fui submetido à tortura do sono. Primeiro cinco dias seguidos, paragem, depois mais quatro dias seguidos, com alucinações”, relata, sem se ir abaixo, apesar de se perceber que carrega na alma feridas difíceis de cicatrizar.

Até porque, aos castigos físicos somou-se também a violência psicológica, cujas marcas não são visíveis, mas sim sentidas. “Sofri muita humilhação, muitas ofensas à minha família, à minha mulher, enfim… Não foi fácil, para nenhum dos que estiveram presos.”

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Tudo isto acompanhado de interrogatórios duros. “Eram as mesmas perguntas idiotas de sempre: Quem
é que me tinha levado para o PCP? Quanto é que pagava de quota? Qual era o meu pseudónimo? Mas eu não era do PCP, tornei-me depois, logo a seguir ao 25 de Abril, apesar de ter os ‘Avantes’ e literatura clandestina”, frisa. E reforça: “Enquanto na primeira fase da tortura do sono as perguntas eram sempre relacionadas com o Partido Comunista, na segunda fase dos quatro dias algo teria acontecido, porque começaram a falar-me sobre militares. E eu sem perceber nada da conversa. Mas tinha a ver com o 16 de Março de 1974, com o primeiro golpe das Caldas da Rainha, que só vim a saber depois de ter sido libertado.”

Adilo esteve preso “à espera de melhores averiguações”. Argumento que não o convence. “Não, aquilo foi uma vingança, eventualmente por pensarem que eu era do PCP, pela forma como falava e por arregimentar muita malta contra o regime”, considera, já que cedo começara a dar a cara na luta pela Liberdade [https://osetubalense.com/169o-aniversario/o-inicio-com-o-circulo-cultural-de-setubal-como-despertador-de-consciencias/].

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