Utente da Santa Casa da Misericórdia do Montijo foi a primeira a participar no projecto que a instituição lançou para realizar sonhos dos utentes
As duas filhas estavam ansiosas, tal como todos no Lar de São José da Santa Casa da Misericórdia do Montijo. Todos à excepção da dona Zulmira Almeida, que dormiu sempre que nem um bebé nas vésperas de se atirar de 9 mil pés de altitude de pára-quedas, apesar dos seus 86 anos, festejados em 27 de Janeiro último.
O salto, realizado no passado dia 17 em Évora, com recurso aos serviços da Sky Dive Portugal, deu asas ao espírito aventureiro da utente do lar da Misericórdia do Montijo e serviu de baptismo à iniciativa “Tenho em mim todos os sonhos do Mundo”.
“Lançámos um repto à directora do lar [Andreia Oliveira] no sentido de fazermos algo que acrescentasse felicidade aos utentes no Outono da vida. E foi-nos apresentado este projecto, de tentarmos realizar os sonhos de cada um deles, desde que possam ser concretizáveis”, explica Ilídio Massacote, provedor da Santa Casa do Montijo.
E Zulmira foi a primeira. De aparência fina, trato educado e simpático, não esconde orgulho pela experiência vivida pelos ares. Nem tão-pouco a satisfação. O cabelo curto, prateado, também em nada ajuda a camuflar os olhos lacrimejantes, quando recorda as emoções sentidas, antes, durante e depois de um salto de sonho. Não obstante ter sido, desde a primeira hora, espelho de tranquilidade.
“Ao saltar com o instrutor, quando veio aquele vento, apenas por um instante pensei: ‘o que é que isto vai dar?’ Mas, nunca senti receio, nem antes nem durante, nem nas noites anteriores. Nunca me passou pela cabeça desistir. Nunca tinha visto ninguém a saltar [ao vivo]. Olhe, fui. E parece que não me saí muito mal”, faz questão de salientar, por entre sorrisos, a octogenária natural de Sarilhos Pequenos, mas que se mudou para o Montijo faz muito e muito tempo.
No próximo mês, confidencia, completa-se um ano desde que chegou ao Lar de São José. E não esperava ser convidada a realizar um sonho, que prefere mais apelidar de desafio. Até porque, sempre que alguma aventura se proporciona, nem olha para trás. “Nunca virei a cara a desafios. Se aparecessem, eu estava lá”, frisa.
E a oportunidade apareceu mesmo. Com base naquilo que a utente já havia deixado escapar perante a equipa daquela valência da Santa Casa. “Saltos de pára-quedas só tinha visto pela televisão. A minha filha ainda conta que cheguei a estar a ver e a dizer: ‘era capaz de fazer aquilo’. Há muitos anos. Os anos passam e nós acabamos por nem nos apercebermos”, lembra.
“Tudo o que são projectos, a dona Zulmira alinha. Quando lhe falámos em salto de pára-quedas, disse logo que sim. E falámos porque sabíamos que ela já tinha comentado com a família de que era capaz. Então agarrámos logo nessa ideia”, complementa Andreia Oliveira.
Sempre de olhos abertos
Uma ideia que a utente também não mais deixou largar, já que outro dos motivos que a seduziram foi poder “ver o mundo de lá de cima”, revela Zulmira. “Quando vinha a descer, pensei só em usufruir do momento, da paisagem. Tive sempre os olhos abertos, ninguém me viu nervosa, nem o instrutor”, revela, antes de resumir o momento da chegada ao solo. “Aterrar não me fez diferença nenhuma.”
E as palavras que deixou escapar de imediato para quem a aguardava em terra foram sintomáticas, acrescenta a directora do lar. “A primeira coisa que disse foi que até fazia o salto de maior altitude [12 mil pés].”
A experiência “foi boa” e agora repetiria-a “ainda com maior facilidade”, admite Zulmira, já apelidada carinhosamente de pára-quedista. “Já me disseram isso. Elogiaram-me muito por ir. E o instrutor fartou-se de me elogiar, despediu-se várias vezes de mim. Pensei: ‘devo ser alguma extraterrestre’”, conta a utente. A experiência de Zulmira pode ser vista em vídeo partilhado pela Santa Casa no Facebook (https://youtu.be/fXhoORVX7WM).
Já definido está o próximo episódio da iniciativa, que é hoje anunciado e que vai permitir realizar o sonho de mais um utente. “Envolve um bólide de alta velocidade”, desvenda Ilídio Massacote, a concluir.
