Neurocientista montijense investiga, na Fundação Champalimaud, o processamento das decisões no nosso cérebro e como as patologias afectam esse processo
Tiago Quendera, jovem do Montijo, nascido em 19 de Março de 1993, responde a todas as perguntas com um humor e boa-disposição que fazem parecer banais as coisas mais difíceis. Brinca sobretudo sobre si próprio, como quando diz que não sabe como é um dos poucos que conseguiram entrar no programa internacional de neurociências da Fundação Champalimaud.
Este centro admite apenas oito de 400 candidatos, por ano. O jovem cientista já participou em várias investigações, sendo que a mais mediática, considerada muito promissora, estudou o uso de substâncias psicadélicas no tratamento de transtornos mentais.
Também já foi notícia na televisão por integrar um grupo de cientistas, portugueses e norte-americanos, que criou um jogo para testar a inteligência humana. O jogo, para telemóvel, consiste numa série de puzzles e permite perceber como funciona a mente humana e o que tem de especial.
Actualmente está a fazer doutoramento em Neurociências com uma tese em que investiga os mecanismos cerebrais de tomadas de decisões e como esse sistema é afectado por patologias como a depressão.
Em que fase está o seu doutoramento? E porque escolheu esta área?
Neste momento, sou aluno doutoral do programa internacional de neurociências da Fundação Champalimaud. O Champalimaud Centre for the Unknown [Centro Champalimaud para o Desconhecido] é o local onde desenvolvo a minha investigação. Na minha opinião, existem poucos mistérios mais interessantes que o funcionamento da mente humana, pelo que acho o nome do instituto muito apropriado. Aqui, investigo como as decisões que tomamos todos os dias são codificadas nos nossos cérebros e, em particular, como é que determinadas psicopatologias, como a depressão ou a perturbação obsessiva-compulsiva, perturbam o processo de tomarmos estas decisões. A minha tese incide exactamente sobre estes temas. Não sei muito bem como vim aqui parar, mas quando era criança dizia que queria ser médico das crianças para elas não ficarem tristes. Talvez tenha algo a ver com isso.
Em que investigações tem participado?
Trabalho na área de investigação faz agora 10 anos! Comecei no ISPA-IU [Instituto Superior de Psicologia Aplicada – Instituto Universitário], onde estudei Psicologia, bem no centro de Alfama. No início, como a grande maioria das pessoas na minha área, tinha um trabalho técnico. Comecei por aprender técnicas e protocolos, mas acho que o que mais aprendi nesta altura foi como funciona um laboratório de investigação. Digamos que tomei o gosto e, desde aí, tenho trabalhado em vários laboratórios, até que encontrei o laboratório actual, onde trabalho – o Laboratório de Neurociência de Sistemas – liderado pelo Professor – e que hoje posso chamar amigo – Zachary Mainen.
De todas as investigações em que participou, qual acha mais promissora?
Gosto de pensar que a que trabalho mais recentemente é sempre a mais promissora! [Risos]. Acredito que com um maior entendimento dos circuitos e sistemas que regema forma como tomamos decisões podemos realmente revolucionar a forma como aprendemos, como ensinamos, a forma como tratamos a doença mental, a forma como fazemos política, etc.
Planeia trabalhar em Portugal ou ir para o estrangeiro?
A longo prazo, gostaria de trabalhar em Portugal. Um dos meus sonhos é ter uma pequena oficina, quem sabe na Margem Sul, onde possa ensinar e ajudar jovens a descobrirem aquilo que os fascina e que querem ser. Por enquanto, quero amadurecer mais na área da investigação. Para tal, na minha área, é imperativo passar um tempo fora, pelo que esse será o meu plano mais imediato. No passado, já trabalhei num laboratório na Alemanha e tenho algum carinho por esse país, talvez lá acabe daqui a uns tempos, quem sabe…
Onde e como foi a sua infância?
A minha infância foi passada no Montijo! Em grande, no Pavilhão Municipal – onde tantos anos tive o prazer de jogar pelo Montijo Basket (MBA), nas pirâmides do Saldanha – onde dei o meu primeiro beijinho, na Bella Pizza (ou pizzaria do Sr. Virgílio). Quem lá foi sabe porquê. [Risos]. Durante toda a infância tive notas excelentes. Tive a grande sorte do meu avô materno ter sido professor primário, o que me ajudou imenso. Com os “cincos a tudo”, vinham também as cadernetas cheias! A coisa que mais gosto, e sempre gostei, é estudar. No entanto, nunca gostei muito da escola e acho que se notava na quantidade de recados que levei ao longo da infância! [Risos]. Também tinha na altura uma grande ligação à cena musical do Montijo, Barreiro, Moita, Setúbal, etc. Algumas das minhas memórias favoritas são dos tempos que passei na banda e na Ti-Mília das Meias a ver concertos de hardcore. Acho que ainda existem fotos por aí!
O ensino secundário e o superior foram onde e em que áreas? Com que médias?
No secundário eu queria estudar filosofia e letras, mas a minha mãe obrigou-me a ir para a área de ciências – tinha mais saída profissional… Será caso para dizer que além de nerd, sou também uma pessoa muito teimosa! Estudar físico-química e matemática quando não era a área que queria não foi nada agradável, mas hoje estou feliz de ter seguido essa área. O meu trabalho de dia-a-dia acaba por ser, em grande parte, baseado em coisas que aprendi nessa altura! No final de contas acabei por estudar no mestrado em Ciência Cognitiva na Universidade de Lisboa e aí foquei-me muito em filosofia. Caso para dizer que todos os caminhos vão dar a Roma! Quanto às minhas notas, sempre tive média de 15. Mas olhando com mais atenção, sempre fui aluno ou de “dezanoves” ou de “onzes”, dependendo do meu gosto pela disciplina, por quem a ensinava, por como me sentia na altura, etc…
Como vê o estado da arte na sua área em Portugal?
A investigação na minha área em Portugal está em crescimento. A par do programa de neurociências da Fundação Champalimaud, existe o IMM [Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes], o ITQB [Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier, da Universidade Nova], o ISPA-IU, entre outros. O programa doutoral da Fundação Champalimaud é altamente competitivo. Anualmente há cerca de 400 candidatos para apenas oito vagas. Como eu sou uma delas, até hoje não sei muito bem. [Risos]. O meu maior conselho para quem quer seguir algo assim é nunca menosprezar os seus interesses. Acredito mesmo que o que me trouxe até onde estou foi, em partes-iguais, a vida escolar e a minha vida pessoal: aprendi a lidar com a derrota a perder repetidamente contra o Barreirense Basket, a lidar com a frustração ao perder o barco vezes sem conta, a sorrir ao brincar com os aspersores no parque, a economizar para poder ir ver o próximo concerto…
Qual a importância da região de Setúbal para si e para a sua vida?
A região de Setúbal é a grande maioria de todas as minhas memórias formativas. É de onde digo que sou, quando me perguntam se sou de Lisboa e respondo que não. É onde procuro metáforas para basear o meu trabalho e onde vou descansar quando preciso de recarregar baterias. É onde me sinto em casa. Actualmente, por motivos profissionais, e a contar as horas para voltar à Margem Sul, resido em Lisboa.
Tiago Quendera à queima-roupa
Idade: 29 anos
Naturalidade: Montijo
Residência: Lisboa
Área: Neurociências
“O meu maior conselho para quem quer seguir algo assim é nunca menosprezar os seus interesses, incluindo os da vida pessoal”