A actriz e encenadora afirma que os critérios nos concursos da DGArtes constituem “uma estupidez” que limitam a criatividade
O facto de a Companhia de Teatro de Almada (CTA) receber um só apoio financeiro da Direcção-Geral das Artes para programação da estrutura e para o festival de teatro cria-lhe dilemas diários com que “se debate há anos”.
A situação foi testemunhada à agência Lusa pela atriz e encenadora Teresa Gafeira, a única sobrevivente do núcleo original do Grupo de Teatro de Campolide, fundado em 1971 por Joaquim Benite, que deu origem à CTA, que todos os anos organiza o Festival Internacional de Teatro, que este ano cumprirá a 41.ª edição.
“De há uns anos a esta parte, vivemos um dilema que é a história de o subsídio que é atribuído [pela Direcção-Geral das Artes (DGArtes)] à companhia ser atribuído à companhia e ao festival. Portanto, a companhia que se amanhe”, frisou Teresa Gafeira, em entrevista à agência Lusa.
Mas “um festival é uma coisa muito cara”, frisou. “É uma coisa caríssima e, portanto, acho que temos direito de exigir que este projecto seja devidamente apoiado porque senão as coisas morrem”, acrescentou a encenadora, sublinhando que “os festivais morrem quando não têm capacidade de se desenvolver”.
O Festival de Almada, fundado em 1984 por Joaquim Benite (1943-2012), é desde então organizado todos os anos, em Julho, pela CTA com a Câmara Municipal de Almada, tendo-se imposto a nível nacional e internacional desde as primeiras edições, trazendo a Portugal os principais nomes do teatro mundial.
Manter o nível do certame, a par dos festivais europeus, é vital para a companhia. Mas se estes projectos deixam de se desenvolver, “o público perde as expectativas e começa-se a perder público e o festival vai à vida”, disse Teresa Gafeira, sublinhando que “a história de todos os festivais portugueses foi assim”.
“Vai à vida porque fica estagnado, já não consegue mais. E, geralmente, já não consegue mais, muitas vezes por razões económicas. Já não pode ir mais longe”, enfatizou. Por isso, Teresa Gafeira considera que, neste caso, exigir “até é um sinal de independência. (…) Exijo porque estou a fazer um serviço público”, frisou.
“Porque é que não hei de exigir? Qual é o problema? O que é que isso tira a minha independência?”, questionou, sublinhando que a independência hoje reside em “as companhias terem a capacidade de ter a sua cabeça independente”. E exemplifica: “Se quando um ministro vai para o governo […] gosta disto e daquilo, […] por que raio tenho de fazer aquilo que aquele ministro gosta?”
“Um artista é para se expressar, porque tem qualquer coisa para dizer”, sustentou, alegando que não têm de “ir atrás de gostos para agradar a fulano de tal”. Por isso, a actriz, com mais de cinquenta anos de carreira, considera que as imposições de critérios nos concursos da DGArtes constituem “uma estupidez”, porque ao imporem-se critérios, está-se a “limitar” a capacidade criativa”, concluiu.
“Jogging” é a peça votada pelo publico para voltar este ano ao palco
Para a edição deste ano do Festival de Almada, a CTA anunciou já a participação de Bob Wilson e Lucinda Childs, com o projecto “Relative Calm”, a ser apresentado no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
“Sans tambour”, uma produção do Théâtre des Bouffes du Nord, fundado por Peter Brook, a estreia de “Além da dor”, texto de Alexandre Zeldin encenado por Rodrigo Francisco da CTA, e o regresso de “Jogging”, um solo da encenadora e actriz libanesa Hanane Hajj Ali, eleito Espectáculo de Honra pelo público do festival no ano passado, são outras propostas já conhecidas para a 41.ª edição, que terá início a 4 de Julho, e cuja programação integral será anunciada amanhã, sexta-feira.