A primeira centena de fogos, já em construção, obrigou o município a refazer a candidatura apresentada no âmbito do 1.º Direito, desabafa a autarca, que se diz ainda preocupada com a falta de respostas a uma série significativa de candidaturas a financiamento para a habitação. A socialista responde à vereadora Joana Mortágua, critica a CDU e desvaloriza a saída de Dores Meira
A socialista – que em 2017 destronou a CDU do poder que detinha em Almada desde as primeiras autárquicas – faz o diagnóstico à actualidade municipal. Em entrevista a O SETUBALENSE e à Rádio Popular FM, Inês de Medeiros detalha as apostas feitas em matéria de habitação, esclarece o processo de revisão do PDM – com uma “bicada” à mistura na bloquista Joana Mortágua – e faz o ponto de situação aos projectos estruturantes para o concelho. Há luz ao fundo do túnel para o Ginjal e um princípio de acordo com a tutela para a passagem do último dos edifícios na Margueira para a autarquia.
O PS e o PSD formam um executivo de oportunidades perdidas como acusa a CDU?
Não sei em que contexto foram feitas essas afirmações e acho que não me cabe a mim estar a comentar o que disseram os meus antecessores nestas entrevistas. Devo dizer que, desde o início do mandato anterior e deste, propusemos sempre pelouros a todas as forças eleitas num respeito pela vontade do povo. Acontece que só o PSD aceitou assumir e respeitar, se me permitem, a vontade do eleitorado.
A relação com a oposição tem sido ou não mais fácil do que no mandato anterior?
Acho que tem sido igual. (…) Tenho algum lamento, tenho de dizer e já exprimi que às vezes a CDU parece ter esquecido todo o tipo de responsabilidades que assumiu e até parece ter esquecido o que é gerir uma câmara. Se calhar faz parte do jogo político. Não é algo que me agrade, porque acho que acima de tudo devem estar as pessoas, os almadenses.
Que leitura faz da renúncia de Maria das Dores Meira ao mandato?
Não me compete fazer nenhum tipo de leitura. Os mandatos são individuais, pessoais e foi uma decisão que tomou.
Surpreendeu-a?
Sim, mais ou menos. Nem sequer tem de me surpreender. As pessoas são donas dos seus mandatos e organizam a sua vida como entendem. Não tenho sequer de me intrometer na vida interna do partido da oposição.
Em que pé está a revisão do Plano Director Municipal (PDM)? A vereadora Joana Mortágua afirmou que o processo já se tornou numa fantasia, falou de falta de democracia e transparência.
Confesso que li essas afirmações e lamento profundamente. Talvez se a senhora vereadora Joana Mortágua estivesse mais atenta ao que se passa em Almada e se estivesse presente em muitas das reuniões que são feitas… Há uma comissão da Assembleia Municipal que acompanha regularmente a evolução do PDM. Não me recordo de a ver lá, deveria de pelo menos pedir aos seus camaradas que a informassem sobre esse percurso.
Dito isto, o PDM de Almada teve uma primeira aprovação condicionada. Estamos em fase de concertação. Os condicionamentos pedidos, por parte das entidades que também têm de dar parecer, implicaram uma série de novos estudos, para afinação, nomeadamente de uma matéria que é paralela de alguma maneira ao PDM: a definição de Redes Ecológicas Nacionais, competência da CCDR. Apresentámos um estudo que encomendámos à Faculdade de Ciências e Tecnologia e já está agendada uma concertação final para muito breve. Para as muitas dezenas de pessoas que trabalham afincadamente no PDM, garanto que não é fantasia nenhuma. Só mesmo quem está muito distraído é que acha que é uma fantasia. Quanto à falta de democracia, também me parece ser um claro desconhecimento dos procedimentos. Uma vez aprovada pelas várias entidades, a versão do PDM terá de voltar à Câmara e será objecto de consulta pública.
Quando? Tem alguma perspectiva?
Vai depender da última reunião de concertação. Agora, é verdade que os processos de revisão dos PDM vão ter de ser agilizados (…), acho que é urgente que se avance com um “simplex” ao nível dos instrumentos de gestão territorial. Isso permitirá que os PDM possam ter uma revisão regular, mais ágil.
O que vai acontecer às cerca de 350 pessoas que habitam no Bairro da Penajóia? A autarquia tem alguma solução prevista? Os moradores queixam-se de não terem sido esclarecidos…
A Penajóia é um território que não é municipal. É exclusivamente do IHRU. Há construções ilegais e obviamente a Câmara deve fazer acções de fiscalização e deve notificar o proprietário do terreno ou até embargar as obras. O IHRU há quase um ano que está a ser sistematicamente alertado pela Câmara Municipal do que está acontecer em Penajóia. Aliás, o IHRU está com um programa importante de construção mesmo ali ao lado. A inacção fez com que Penajóia tenha crescido em termos de construção de uma forma que nunca deveria ter acontecido. E nem quero saber em que condições é que aquelas casas foram construídas e que tipo de relação os vários construtores ou o construtor têm ou tem com aquelas pessoas, mas acho que seria de investigar. O IHRU não é um proprietário qualquer. O IHRU tem, enquanto entidade pública, obrigações específicas e acrescidas. A Câmara fez o que devia ter feito e acho que, inclusivamente, a fiscalização até protege as pessoas.
E esclarecer as pessoas ali residentes?
Ainda ontem [quinta-feira passada] houve um grande grupo que foi à Assembleia Municipal e falámos e esclarecemos as pessoas dentro daquilo que a Câmara pode esclarecer… Esta é uma questão séria, a Câmara não tem o perfil das pessoas, não sabe quem são individualmente, sabe quais são as casas, o número das que estão construídas e pode comprovar que elas estão a ser habitadas. A Câmara não deve ir neste momento além disso.
O realojamento no 2.º Torrão mereceu críticas fortes da oposição. Acha que o município fez tudo como podia e devia nesse processo?
A melhor resposta à sua pergunta são as pessoas que foram realojadas. Não é o que a oposição diz. É o que dizem as pessoas neste momento que estão realojadas. Foi um processo que correu muito bem, mas com grande dificuldade.
A CDU acusa o PS de ter prometido a construção de 1 011 casas novas e de nenhuma estar de pé. E, em termos de reabilitação, de ter prometido intervir em 1 330 habitações, conseguindo até ao momento reabilitar apenas 112. É assim?
Confesso que não venho aqui com as contas da CDU. Até porque, a CDU terá, certamente, alguma responsabilidade no estado de carência habitacional que Almada tem. É verdade que temos, e isso preocupa-nos muito, uma série muito significativa de candidaturas ao PRR que ainda não obtiveram resposta e espero que haja soluções rapidamente. Temos para lançar uma nova empreitada que ascende a 24 milhões de euros, estamos a falar de mais de uma centena de fogos só numa empreitada, para a qual ainda não temos resposta e temos de arranjar alguma garantia de financiamento.
Tal como previsto na nossa Estratégia Local de Habitação [ELH], temos estado a funcionar em todas as frentes. Na parte da reabilitação, não obtivemos ainda, por exemplo, resposta para o financiamento para reabilitar na Quinta de Santo António, são mais de dez edifícios municipais, muito grandes, que chegaram a um estado de degradação absolutamente inaceitável.
Mesmo assim, os projectos de reabilitação que começaram pela Rua Luís Gomes, três prédios, mantêm-se e continuam a fazer-se. Apostámos também na política de aquisição de fogos. Houve nas últimas décadas muito menos construção em Almada do que nos municípios vizinhos.
(…) Fazemos também a regularização das rendas… Tínhamos rendas em Almada ao nível dos cêntimos, a 1 euro por mês. Confesso que acho essas rendas absurdas, demonstram bem o desleixo que houve nesta matéria.
Aí fica uma crítica implícita às anteriores gestões CDU. Resumindo, que balanço faz à ELH e à taxa de execução do PRR nesta matéria?
Acho que é uma crítica explícita. Há outra questão importante, que foi logo das primeiras medidas: o protocolo que a Câmara assinou com o Governo [anterior] – na altura era ministro o actual secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos – para a construção em Almada de 3 500 fogos. 1 200 já estão a acontecer e penso que os primeiros 200 já estão mesmo em fase de acabamento. Ou seja, a ELH em Almada não diz apenas respeito a questões urgentes. Não haja dúvida, nós somos dos municípios do País ainda com bairros precários, de dimensões inaceitáveis, como é o 2.º Torrão e as Terras do Lelo [da Costa] e pequenos núcleos que não se podem deixar aumentar… Mas [a ELH] também engloba uma preocupação com a criação de arrendamento acessível que não existia, de todo, em Almada. A contabilização de tudo isto deve ser feita ao nível da estratégia, já para não falar da outra parte da estratégia que tem a ver com a resolução das AUGIS. A ELH de Almada é muito abrangente e muito complementar.
O PRR é uma vantagem, mas veio criar aqui uma grande perturbação. Por exemplo, a primeira centena de fogos que já está a ser construída foi muito prejudicada, porque já tinha sido candidatada no âmbito do 1.º Direito e Almada foi obrigada a retirar aquela candidatura para a refazer de início no âmbito do PRR. O PRR foi uma bênção e em alguns casos foi um pesadelo.
Qual é o ponto de situação relativamente ao Ginjal. Há desenvolvimentos?
O Ginjal é um caso muito particular. Quando nós chegámos, no final de 2017, o Ginjal tinha um plano de pormenor que estava em vésperas de consulta pública e para nós era um bocadinho evidente que íamos passar directamente para o contrato de urbanização. Até que se verificou que a questão da titularidade, e sobretudo do domínio público hídrico, afinal não estava resolvida. Não vou comentar como é que há um plano de pormenor sem isso estar resolvido. Não vale a pena. Levantou-se a questão dessa titularidade e da desafectação ou não do domínio público hídrico e a questão acabou em tribunal. Depois veio a pandemia e demorou imenso tempo em tribunal. A totalidade do Ginjal tem um só proprietário. Houve uma primeira sentença, basicamente favorável em quase tudo, tirando dois lotes, e para mim, de forma bastante incompreensível, a Agência Portuguesa do Ambiente [APA] recorreu.
Supostamente, a APA tem de lutar até ao fim pela defesa do domínio público hídrico. Mas importa lembrar por que há a salvaguarda do domínio público hídirico e uma das questões é garantir o acesso das pessoas, para que as margens dos rios não sejam privatizadas. Ora, o plano de pormenor não só reabilita toda a via ribeirinha como cria inclusivamente (está lá previsto) um mecanismo de prevenção de “tsunamis”. Até cria medidas de segurança e mitigação às alterações climáticas e alarga substancialmente o passeio público. Portanto, não consigo entender, a não ser de facto o emaranhado burocrático e jurídico, que até acredito que obrigue a entidade a recorrer das sentenças, mas que torna todo e qualquer processo demasiado moroso.
Por outro lado, é evidente que a partir do momento em que é domínio público hídrico é a própria APA ou a APL que passam a ter responsabilidade directa sobre a requalificação daquela zona, que é o que está em cima da mesa neste momento. É incompreensível que um município esteja de pés e mãos atadas para ajudar a desbloquear esta situação, e as entidades competentes digam que também não podem fazer nada. Penso que já estamos na recta final. Acho que o próprio recurso já foi ganho. Continuam em suspenso duas parcelas (e estou a dizer de cabeça), mas há uma luz ao fundo do túnel.
E a Cidade da Água, nos terrenos da Margueira?
Com o anterior Governo e o então ministro Fernando Medina foram dados passos muito importantes, não só para a Margueira mas também para todos os planos do Arco Ribeirinho Sul. Almada tem um grande problema que é a verificação da solidez da estrutura, porque dois terços está construída sobre a água. A Câmara Municipal já está a trabalhar numa revisão do Plano de Urbanização de Almada Nascente, que é o que sustenta o desenvolvimento do projecto da Margueira, inclusivamente penso que há uma boa notícia. Há muito que reclamamos o último dos edifícios, para o município poder começar a reabilitar e até colocar lá o Clube Náutico. Entretanto mudou o Governo, já falámos com o actual titular da pasta, Miguel Pinto Luz, e em princípio já há luz verde para voltarmos a avançar. Aguardamos a formalização, o que para nós e também para a Transtejo é uma urgência absoluta, porque a Transtejo tem de mudar de terminal para acolher os novos navios.
Aguardamos também que seja cumprido e feito o lançamento do estudo da solidez da infra-estrutura para continuarmos a trabalhar na reformulação do plano, que também deve ter uma reavaliação para que a venda daqueles terrenos – como é propósito do Estado – se possa fazer. O plano actual já se percebeu que não é viável nem interessante para nenhum investidor.
Apoia a criação de uma taxa turística?
Apoio. Almada tem uma carência imensa de estabelecimentos hoteleiros. Almada tem meia-dúzia de hotéis. Para um município com as potencialidades de Almada é totalmente incompreensível. Têm entrado vários projectos para unidades hoteleiras. Os serviços estão a avaliar como, quando e de que forma se aplica uma taxa turística.
Ainda para este mandato?
Espero que sim.
O que vai ser no futuro a Escola Básica da Fonte Santa?
As nossas escolas básicas têm uma ocupação, em termos de inscrições, de 72%. Temos é muito pouco espaço para pré-escolar. Sempre dissemos que é para continuar a ser um edifício público. Ouvimos as versões mais delirantes, como a de que ia ser um condomínio, enfim, sempre com objectivos maquiavélicos e encapotados… Só acho lamentável que eleitos com responsabilidades dêem eco a esse tipo de ideias delirantes. Nunca esteve previsto qualquer tipo de privatização da Fonte Santa. Uma vez as inscrições feitas, o diagnóstico das carências feito, o que foi ontem [quinta-feira passada] debatido no Conselho Municipal de Educação é a possibilidade de transformação da Fonte Santa numa resposta de pré-escolar.
Está disponível para se recandidatar?
A seu tempo veremos.