As responsáveis pelo MDM do Seixal dizem que a nova sede permitirá uma melhor organização na defesa da igualdade de género
Quem contempla as paredes brancas que edificam a nova sede do Núcleo do Movimento Democrático de Mulheres (MDM) no Seixal, inaugurada o mês passado, não vislumbra os marcos históricos que acompanham o movimento. As paredes são novas, mas a luta pela igualdade de género tem mais de 50 anos.
Odete Gonçalves e Corália Loureiro, responsáveis pelo núcleo seixalense, fazem do feminismo um modo de vida. Há mais de três décadas que assumem funções no MDM nacional e há doze anos que trazem essa ambição para o município.
“Em termos estatísticos, somos mais mulheres do que os homens, mas eles é que são os poderosos”, acusa Odete Gonçalves. Está envolvida no meio autárquico desde 1998, quando assumiu o cargo de presidente da Junta de Freguesia da Amora e, apesar de sempre se ter sabido impor, sentiu na pele o desconforto de ser uma mulher entre homens.
“Há uns anos, nas reuniões só estavam homens presentes. Sempre me soube impor, enquanto pessoa e mulher, mas quando dava a minha perspectiva sobre determinado assunto sentia que existia uma descredibilização do que dizia. Como se não tivesse força ou importância”, recorda.
Vereadora na Câmara do Seixal, de 1993 até Março de 2016, Corália Loureiro iniciou actividade autárquica em 1986, tenho sido eleita membro da Assembleia de Freguesia de Arrentela até 1992. Foi a primeira mulher eleita presidente da Assembleia Geral do Independente Futebol Clube Torrense. Conta que sentiu a discriminação muitos anos antes, quando, ainda jovem, se viu obrigada a desistir de praticar desporto em função dos comentários discriminatórios que ouvia.
“Há 40 anos era das únicas mulheres a praticar artes marciais. Sempre que ia fazer um exercício, ouvia o mestre a dizer ao meu colega: ‘Cuidado, ela pode magoar-se’. Ao fim de dois meses a ouvir a mesma coisa tive de desistir. Sentia uma revolta por afirmarem constantemente que, pelo facto de ser mulher, tinha de ser frágil”, lembra.
Parceria com a AMUCIP educa mulheres ciganas
Com uma noção de justiça bastante vincada, Odete, Corália e as vinte mulheres que compõem o MDM seixalense têm procurado actuar em áreas onde o sexo feminino tem um papel fragilizado, estabelecendo parcerias com associações e sensibilizando a comunidade local para as “desigualdades gritantes”.
A mais recente parceria do MDM prova isso mesmo. Desde Maio de 2020 a Junho de 2021, o Movimento Democrático de Mulheres e a Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas (AMUCIP), sediada na Amora, uniram esforços para oferecer a 25 mulheres de etnia cigana a possibilidade de terem uma formação escolar e profissional, adaptada ao seu contexto social.
Através do projecto ‘EmPoderar’, durante mais de um ano, estas mulheres tiveram acesso a formação contínua na Escola Secundária da Amora, reforçando não só o currículo como as perspectivas para a vida.
“Muitas destas mulheres não sabiam ler nem escrever. Com o nosso incentivo, além de já o saberem fazer, uma delas está a candidatar-se ao ensino superior”, reforça Odete Gonçalves.
Para Corália Loureiro, o mais significativo do projecto foi dar uma nova visão de futuro a mulheres que estavam “limitadas à venda ambulante”. “Claro que o apoio dos maridos ainda é necessário, mas agora têm confiança suficiente para saber reivindicar o que querem”, salienta.
Novo espaço, mesmas preocupações
Por quatro vezes, o Seixal foi distinguido com o Prémio Nacional ‘Viver em Igualdade’, atribuído pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género que reconheceu o município como um dos melhores locais para viver em igualdade.
As responsáveis pelo núcleo MDM do Seixal acreditam que a região continua a manter o título, mas reconhecem a necessidade de se mitigar problemas que estão alastrados a nível nacional.
“Em Portugal, as mulheres ganham, em média, menos 16,7% do que os homens, desempenhando as mesmas funções. Ainda existem empresas que se opõem a que a mulher tenha horas específicas para o aleitamento. Os cuidados maternos nos hospitais não estão a conseguir dar resposta às necessidades das mães. Isto é real. Em pleno século XXI”, critica Corália Loureiro.
É sob estes problemas que o MDM pretende actuar futuramente e a ex-presidente da Junta de Freguesia da Amora está convicta de que com uma sede, a organização de projectos, debates e acções de sensibilização será mais facilitada.
“Estamos a ganhar terreno”, garante. “A Câmara [Municipal] do Seixal cedeu-nos este espaço porque reconhece a importância do trabalho que desenvolvemos. Agora temos de trabalhar todos juntas para desconstruir estereótipos”.