Residentes exigem que o município pare o processo. Vão criar uma associação, lançaram um abaixo-assinado e amanhã vão à sessão de câmara
A construção de 32 fogos em Aires e oito em Cabeço Velhinho, em regime de arrendamento apoiado, que a Câmara Municipal de Palmela anunciou que irá executar no âmbito da Estratégia Local de Habitação (ELH), despertou uma onda de contestação nos moradores da zona, que exigem à autarquia a interrupção do processo e a realização de uma consulta pública.
Os residentes já lançaram um abaixo-assinado, decidiram em reunião realizada no último sábado avançar para a constituição de uma associação de moradores e, amanhã, prometem marcar presença na sessão descentralizada do executivo municipal, a ter lugar a partir das 21 horas na sede da Associação Cultural Agualva de Cima.
Em causa, segundo os residentes, está “a concentração de 65% da nova habitação social de Palmela em Aires” e a “inexistência de auscultação prévia” à população local, tendo em conta uma decisão que, acreditam, levará à “criação de um gueto” na zona, indo ao arrepio das “boas práticas internacionais” neste domínio.
Vítor Caldeirinha é um dos moradores locais que se opõem à pretensão do município. “Esta é uma estratégia errada, típica dos anos de 1970”, critica, ao mesmo tempo que diz falar a título pessoal. “A concentração é o problema. Sou totalmente a favor da habitação social, apoiada e acessível, mas deve ser misturada e dispersa. Isto é um plano retrógrado, volta aos bairros sociais, às aglomerações. As comunidades têm de ser ouvidas, mas não o fizeram”, aponta. “A habitação social tem de ser não concentrada e suportada por habitantes locais, para haver uma integração como se faz hoje em dia no mundo inteiro, para não se criarem bairros de lata e bairros estigmatizados. Isto é uma política de anos 70, há que descentralizar, há que misturar e integrar, como se faz no Século XXI”, reforça.
“Câmara decidiu à revelia e anulou plano de pormenor”
Um outro morador, que prefere não se identificar, tem a mesma posição, mas vai mais longe. “Isto foi feito à revelia de quem aqui mora. A câmara decidiu, fez regulamentação, anulou um plano de pormenor e não informou ninguém. E agora aparece isto como facto consumado”, atira. “Em 32 fogos, se existirem três pessoas por família, estamos a falar em quase uma centena de pessoas. Cem pessoas juntas não se vão integrar com outras 200 ou 300 que estão ao lado, vão manter-se segregadas”, considera.
Estas e outras questões, adianta, foram explicadas numa reunião realizada no último sábado na Quinta do Corvo, que contou com “cerca de 300 moradores”. Do encontro, faz notar, “saiu a decisão de ser criada uma associação de moradores”. Lançado antes e a decorrer está um abaixo-assinado que já tem “mais de 400 signatários”, mas também foi criado “um grupo no WhatsApp que conta com cerca de 700 moradores e uma página no Facebook: ‘Não, à habitação social em Aires’”.
Este movimento de moradores promete dinamizar várias acções públicas e exige que o município “interrompa de imediato o processo de construção e promova uma consulta pública transparente para ouvir as preocupações da população local”.
Reacção Autarquia acusa movimento de promover “segregação e apartheid”
A situação levou a câmara a publicar um comunicado de esclarecimento, no qual classifica a movimentação de “alarmista”. Mas vai mais além. O município diz não se rever “em movimentos que promovam segregação e apartheid, assentes em desinformação e na propagação de medos infundados, que mais não visam do que servir interesses obscuros”.
“Em Palmela, a habitação para arrendamento apoiado, de qualidade e para todas as pessoas, não é nem será aquilo que alguns apelidam de ‘bairro social’, com base em estereótipos e preconceitos que levaram, precisamente, à criação de guetos em todo o mundo, mas que nunca admitiremos no nosso território”, lê-se na publicação.
A autarquia lembra também que “o direito à habitação está consagrado na Constituição da República Portuguesa” e que “a ELH de Palmela, em curso até 2026, foi aprovada por unanimidade pelos órgãos municipais e pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana em 2021, altura em que foi apresentada e amplamente divulgada”.
No mesmo comunicado, a edilidade diz ainda estranhar o “sobressalto da população”, até porque, salienta, não recebeu “qualquer pedido de informação ou esclarecimento”, apesar de se encontrar “sempre disponível para o fazer”.