Antigo presidente e candidato independente pelo Movimento Cidadãos pelo Concelho de Palmela, diz que Álvaro Amaro tem sido pior que Ana Teresa Vicente
Natural de Lisboa, reside em Palmela há 30 anos. Casado, com seis filhos, tem 68 anos, e é conhecido como autarca pelo PCP. Foi vereador em Almada, presidente da Câmara de Palmela (1994-2001) e da Câmara de Setúbal (2001-2006). É presidente do Centro Social de Palmela.
Foi militante do PCP 33 anos. Se não ganhar e retirar a Câmara ao PCP não ficará incomodado?
Claro que vou ganhar! Fui corrido da Câmara de Setúbal pelo meu partido da altura, em 2006. Em 2008, entendi que deveria sair do partido. Já lá vão 13 anos. A minha ligação emocional é mais ao passado, conforme o partido era quando entrei, em 1975, no ‘Verão quente’. Hoje, o PCP é muito diferente. De vez em quando penso no Manuel Sobral, no Luís Sá, pessoas com quem tive uma íntima ligação de amizade, lembro-me deles com saudade. Sinto-me perfeitamente à vontade porque isto não tem nada a ver com vinganças. Se fosse vingança, tinha sido logo na altura.
Espera ter votos dos comunistas?
Todos os partidos têm votos fixos. Pelas eleições legislativas poderia fazer a leitura de que CDU/PCP têm 14% de votos fixos, mas, olhando para as últimas presidenciais, o João Ferreira teve cerca de 7,7% no concelho. Na nossa análise, os votos fixos no PCP, são mesmo esses 7,7%. A diferença para os 14% das legislativas são daquelas pessoas que sentiram que o que interessava era o Chega não ficar em segundo lugar e decidiram votar em quem tinha mais probabilidades de ficar a seguir ao professor Marcelo Rebelo de Sousa. Saí de Palmela para Setúbal há 20 anos, 75% da população conhece-me. Nem todos gostaram de mim, como é óbvio.
Diz que foi corrido de Setúbal pelo PCP. Tem dado algumas explicações, mas superficiais, como se não houvesse razão verdadeiramente justificativa para uma coisa de tanta relevância.
Não vamos focar a entrevista nisso, já passaram muitos anos. Aquilo que me disseram naquela tarde de um dia de Agosto foi simplesmente isto: “Carlos, nós achamos que para o melhor funcionamento da Câmara Municipal tu tens que te ir embora”. Foi só isto.
Sabe-se que teve um conflito com o vereador Aranha Figueiredo, saíram os dois ao mesmo tempo. E nessa altura, a IGAT confirmou irregularidades na Câmara de Setúbal, arriscava-se até a perder o mandato. Não é por aí que se explica a sua saída?
Não. Do IGAT não. Vamos lá ver… O PCP era muito organizado, na célula da vereação tínhamos reuniões semanais ou quinzenais, onde os problemas mais pesados eram discutidos em profundidade. Portanto, o PCP sabida de tudo o que se passou com a Inspecção-Geral da Administração do Território e com a tal história das reformas compulsivas, todas as decisões que tomávamos eram discutidas. E penso que o Francisco se lembra qual foi a conclusão, que o senhor juiz retirou do processo. Tive um elogio. A conclusão foi que actuei de acordo com a lei.
E sobre o conflito com o vereador Aranha Figueiredo?
Não havia conflito nenhum. Conflito pessoal não havia. Havia era formas… Eu, enquanto presidente, entendi que o pelouro do urbanismo não estava a ter a gestão que devia, mas isso foi visto antes das segundas eleições.
Disse que se candidata porque Palmela está mal. Com Ana Teresa Vicente a gestão foi melhor?
Sim. Enquanto cidadão mais informado que os outros cidadãos, porque estive na Câmara durante muitos anos, acho que sim. No tempo da Ana Teresa era diferente. Tanto que, quando a Ana Teresa me pediu, dei-lhe apoio público.
Pode apontar áreas ou exemplos da má governação de Álvaro Amaro?
Coisas simples, mas todas somadas são pesadas. A limpeza urbana nunca esteve tão mal como agora. A rede viária, independentemente de serem feitos bastantes alcatroamentos em alguns aceiros do concelho, não é vista como deve ser. Por exemplo, a estrada Palmela-Poceirão, basta ver o estado em que está e o grave perigo que é, não só a nível dos buracos, mas, inclusive, da sinalização horizontal e vertical. O atraso que tem havido na implementação das alternativas às estradas nacionais 252, no Pinhal Novo, e 369, Palmela-Aires, que já vinham no PDM com espaços canal.
Que alternativa podia arranjar, por exemplo, no Pinhal Novo?
Soluções provisórias que fizessem com que o fluxo de tráfego, que vai todo desencadear na EN 252 até à nova Avenida das Palmeiras, fosse mais leve. É possível estudar. Tem de haver empenho da nossa parte em pressionar o governo, ou, quiçá, fazer uma parceria público-Estado.
No centro de saúde do Pinhal Novo a Câmara já fez isso. Reconhece que há obra neste mandato?
A Câmara não esteve parada, como é óbvio. Se uma Câmara tem dinheiro para gerir, felizmente esta tem e tem fundos comunitários, e não fizesse nada… Não é esse o problema. Falei na rede viária, a rede de águas precisa de ser requalificada. No Pinhal Novo há problemas de pressão de anos e anos. No meu tempo a rede de águas tinha menos 20 anos e havia menos gente. Não se pode fazer comparação entre agora e há 20 anos. Se, por acaso, eu estivesse ainda na Câmara, nestes 20 anos teria oportunidade de fazer coisas que, na minha opinião, deviam ter sido feitas agora.
Deixe-me falar de dois aspectos concretos. Um é a política de urbanismo que seguiu, de dispersão para as zonas limítrofes, e agora, nos últimos mandatos, têm-se vindo a pagar a factura de levar água e esgotos a essas zonas.
Este concelho é o maior da AML. Eu, no meu tempo, penso que a Ana Teresa continuou com isso, entendíamos que a política de toda a gente sair do campo e vir fixar-se em Palmela, em Aires, na Quinta do Anjo, ou no Pinhal Novo, era errada, era deixar aquelas zonas completamente despovoadas. As características do concelho deveriam continuar a ser as mesmas. No meu tempo, no Lau, começou aquela pequena zona industrial, com o objectivo de que os filhos do Lau e Lagameças ficassem lá.
Na zona Sul do Pinhal Novo, os prédios, do seu tempo, eram de quatro pisos. A cércea modal (altura média de construção permitida na zona) está praticamente atingida, e quem for construir agora não pode fazer prédios. É mais difícil para se reabilitarem as pequenas casas que ficaram. E os prédios foram feitos sem estacionamento suficiente.
Eu continuo a ser adepto dos prédios de quatro pisos. Porque, a partir dos cinco pisos, o elevador já é obrigatório. Está provado que os prédios baixos incentivam que as relações de vizinhança sejam muito maiores. Portanto, do ponto de vista sociológico, olhando a vila como um todo, isso é bom.
Como pode resolver o problema das construções antigas?
Tem de se criar um sistema de incentivos nas zonas históricas, em alguns casos a nível de IMI, para que as pessoas sintam que é a sua terra e que é uma vergonha ter uma casa a cair. Repare que há uma diferença entre as zonas históricas das zonas mais urbanas, perto de Lisboa, e as do Alentejo, porque o sentido de pertença para as pessoas do Alentejo é diferente. É uma das questões por que se tem de lutar aqui em Palmela, e na zona antiga do Pinhal Novo. Na zona Sul do Pinhal Novo tem de se criar um evento público, ou público-privado, para que aquela zona seja apetecível. Mas não para deitar abaixo prédios de um piso e construir de quatro.
Está a pensar no quê? Num espaço comercial, por exemplo?
Logo se verá. Não deve ser uma iniciativa só da Câmara. Tem de ser uma iniciativa público-privada e temos de estudar o que, do ponto de vista económico, é importante para um investidor e que se coadune com os nossos objectivos dos pontos de vista urbano e sociológico para aquela zona. É um trabalho conjunto.
Faz má avaliação do trabalho de Álvaro Amaro, no entanto, ele pede maioria absoluta. Como vê isso?
É natural que peça maioria absoluta, coitado, já a perdeu, nas últimas eleições. Ele está no poder, tem obrigação de fazer isso. Mas a resposta não vai ser essa. A falta de visão estratégica que a actual Câmara tem em relação, por exemplo, às alterações climáticas. Os espaços verdes estão muito abandonados. A sensibilidade que este executivo municipal tem para o arranjo de espaço exteriores… Comparar com a nossa vizinha Setúbal seria 8 ou 80. Lá houve o exagero, aqui não houve nada. A qualidade de vida dos cidadãos passa também pela imagem da cidade no sítio onde moram. Isso foi muito esquecido nestes anos de Álvaro Amaro. No movimento “Cidadãos pelo concelho de Palmela”, lutamos para a diversidade económica…
Álvaro Amaro diz que, nos últimos dois anos, tem vindo a desenvolver uma estratégia económica que aposta noutros sectores, como a logística ou a tecnologia.
Na página oficial, na internet, da Câmara, vê uma quantidade de coisas muito interessantes – estou a falar a sério – o problema é o que é levado à prática. Não vou dizer zero, mas é muito pouca coisa. Se formos comparar, o nosso município está extremamente atrasado para apanhar o barco da AML e de muitos outros municípios, que estão muito à frente, no que diz respeito às alterações climáticas. Pode ir à esplanada do castelo, como é conhecido aquele espaço verde magnifico, e ver que a requalificação não tem sido feita. Ou no Largo José Maria dos Santos, em que as plantas são as mesmas desde há 20 anos. A pedra já está gasta.
Nesse jardim foi feita uma profunda intervenção.
Completamente errada. Foi substituído um espelho de água que no Verão ajudava a equilibrar a temperatura local, refrescava a temperatura, com os esguichos. Tem a ver com os gostos das pessoas.
Quais são as linhas principais da sua estratégia para Palmela?
Uma muito importante é o urbanismo. Orgulho-me de, quando era presidente em Palmela, havia empresários que fugiam de Setúbal, onde o urbanismo estava mal naquela altura, e diziam: “para mim é preferível ir para Setúbal, mais perto do porto, mas as coisas lá demoram dois ou três anos, no mínimo, a serem tratadas, e, portanto, vou para Palmela”. O que se tem passado nos últimos anos é exactamente o contrário. Ainda não encontrei nenhuma análise positiva em relação ao funcionamento do Departamento de Urbanismo. As empresas não podem estar três ou quatro anos à espera de uma licença. A forma de pedir a documentação não pode ser hoje um elemento e amanhã outro. Isto não é só para o investimento, é também para os particulares, para quem quer fazer um muro ou uma vivenda. O desenvolvimento económico de um concelho pode ser completamente bloqueado pelo mau funcionamento do urbanismo.
Do lado da CDU dizem que agora há rigor no urbanismo.
Pois, eu sei que o actual presidente já disse isso em relação aos tempos em que era presidente da Câmara também o camarada dele. Isto reflecte as características pessoais deste presidente porque ele esquece-se que está a criticar as pessoas, no meu tempo e provavelmente no tempo da Ana Teresa, mas também o PCP.
No seu tempo não havia facilitismo?
Isso é mentira. Nós nunca tivemos problema com IGAT. Desafio este senhor a dizer isso! Ele pode não estar de acordo, mas o PCP na altura esteve. Ele é livre de não estar de acordo com algumas soluções urbanísticas, mas foram feitas com os planos gerais de urbanização. Isso é uma profunda mentira.
Como podemos ter o urbanismo a funcionar melhor?
É muito simples. Como funcionava no meu tempo, quando era vereador do urbanismo. As pessoas que se lembram estão perfeitamente de acordo. Não se facilitava, era simplesmente a estrutura técnica, que tem que ser rápida na resposta ao cidadão. Não tem a ver com ultrapassagem da lei. Quando alguém diz: “Olhe eu não fico em Palmela mas vou para a Moita”, espere aí, a Moita também é da CDU e do PCP. Isto não tem nada a ver com isso, tem a ver com formas de trabalhar e de gestão. A que está a ser feita em Palmela é uma má gestão urbanística, inclusive na gestão de tempos. Não culpo os técnicos, culpo os eleitos. O que estou a dizer não é ultrapassar os pareceres, os procedimentos é que têm de ser alterados e a responsabilidade maior é da vereadora que tem a responsabilidade ou do presidente. Essa vai ser umas das minhas principais preocupações porque o urbanismo é mais importante que as águas ou esgotos, tem a ver com o desenvolvimento económico e com criação de emprego.
E outros eixos da sua estratégia?
Os cidadãos queixam-se muito da limpeza pública. O sistema de recolha diferenciada de resíduos passa por uma revisão completa. Uma reorganização do sistema público, internamente, e depois por reuniões fortes com a Amarsul.
As câmaras municipais têm 49%, têm de bater o pé à Amarsul.
A Câmara de Palmela é a que se tem queixado mais da Amarsul. O que me interessa, e aos cidadãos, é ver os resultados práticos, que até agora têm sido muito poucos ou nenhuns. Não estou aqui a defender a câmara municipal, você é que está a fazer um pouco esse papel.
Tenho de fazer contraditório.
O Francisco está a fazer de advogado do diabo e faz muito bem. Na Câmara Municipal tem que haver um plano de sensibilização sanitária e educação ambiental para os cidadãos e para as empresas, mas não um plano que dure dois ou três meses, como tem sido. Mudar hábitos de higiene e limpeza, leva, no mínimo, dez anos. Aquilo que proponho é fazer campanhas sucessivas durante, pelo menos, quatro anos para os diferentes públicos-alvo, em paralelo com a melhoria do trabalho da Câmara Municipal e da Amarsul. Simultaneamente deve haver um salto qualitativo, na requalificação dos espaços verdes, fazer pulmões verdes em todas os agregados populacionais. Qualificar o que temos em Palmela, no Pinhal Novo e nos outros espaços urbanos, com espaços verdes, mini Monsantos, os chamados parques de bolso. Utilizar espaços públicos que são pouco usados, como uma rua ou praceta, para fazer pequenos parques. Temos essa grande preocupação, melhorar a qualidade de vida face às alterações climáticas. Ciclovias, a Câmara já fez algumas, eu pretendo implementar mais. Na diversificação económica; quando era presidente, era acusado de falar mais da maça riscadinha do que da Autoeuropa. Obviamente interessa-nos que o investimento da Autoeuropa, que é tão importante, continue cheio de força e energia. Tenciono, através do diálogo, fazer o máximo para que não, só a Autoeuropa, mas as empresas que fornecem componentes, continuem de boa saúde. Mas também temos de ajudar a qualificar as zonas industriais que existem no concelho e criar associações de empresários. Estive há pouco tempo no Vale do Alecrim, e perguntei: “vocês aqui não estão organizados?”. Muitas vezes é preciso ser a Câmara a dar o pontapé de saída, a incentivar a que haja essa organização, como foi feito no meu tempo, na Associação do Parque Industrial das Carrascas e funcionou muito bem. Não nos podemos esquecer da agricultura, os produtos regionais, o vinho. Nas vinhas, tem que se começar a pensar – penso que os nossos vinhateiros já estão a pensar isso -, como no Alentejo, em voltar um pouco à antiga, no bom sentido, em irmos buscar as videiras que estavam adaptadas a solos com menos água, que, há 40 ou 50 anos, não tinham sistema de rega. A Câmara deve ter um papel importante na agricultura, junto do investidor, para a sustentabilidade.
O que lhe parece o leque de candidatos que tem como adversários?
Alguns já conheço, como o Raúl Cristóvão (PS) e o Paulo Ribeiro, do PSD, que é o mesmo candidato há vários anos. Convidou-me para a apresentação pública e, se não tivesse assembleia geral do Centro Social de Palmela, ia dar-lhe um abraço. Esta é a minha forma de ver a política e acho que é também a dos cidadãos. Não compreendo a coligação de pessoas do MIM com o CDS. Um movimento independente existe porque os cidadãos não se revêm na oferta partidária e vão como independentes.
Qual vai ser o resultado eleitoral desta pulverização de candidatos? José Calado (MIM/CDS) diz que se pode ganhar a Câmara com dois vereadores.
Isso é o que ele diz. Os votos que o MIM teve, em 2017, que retiraram a maioria relativa à CDU, foram de protesto. Os 400 votos que obteve na freguesia de Palmela não foram votos MIM, foram votos de protesto contra a CDU. Quero contabilizar esses votos de protesto. Vai haver uma grande confusão. Moro em Palmela há 30 anos, tenho amizades em todo o lado e em todos os partidos, e acredito que há muita gente que votaria no MIM ou que podia votar no PS, que não vai votar no candidato da coligação MIM/CDS do José Calado. A pulverização, se calhar, até vai beneficiar o meu movimento independente, prejudica a CDU e o PS.
Se não ganhar as eleições mas for eleito vereador tenciona aceitar pelouros?
Ainda é cedo para dizer isso.
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