O recado é dirigido ao seio local do PS, depois de ter conseguido a reeleição sem deixar de enfrentar resistências internas. O autarca deixa implícita a existência de uma relação fria com a distrital, mas afasta a hipótese de vir a candidatar-se ao órgão. Aborda o caso da Mesa da Assembleia de Baixa da Banheira/Vale da Amoreira, assume que não atribuirá pelouros à oposição e anuncia que vai solicitar, com os outros presidentes de câmara do arco ribeirinho, uma reunião à ministra da Saúde
O socialista Carlos Albino considera que o partido perdeu força na península de Setúbal e na Área Metropolitana de Lisboa (AML). Em entrevista a O SETUBALENSE e à Rádio Popular FM, debruça-se também sobre o resultado que conseguiu no concelho da Moita e admite que esperava mais: uma maioria absoluta, que lhe fugiu por “324 votos”. Ainda assim, e à entrada para um segundo mandato à frente da Câmara Municipal, assume que não irá atribuir pelouros à oposição.
Aborda ainda a polémica instalada entre o Secretariado da Comissão Política Concelhia, a que também preside, e a Secção da Baixa da Banheira do PS. Quanto à distrital, diz sentir apenas o apoio de alguns dos militantes.
Este segundo triunfo para a presidência da Câmara da Moita foi também uma vitória sobre algumas resistências internas, dentro do próprio PS? Chegou a sentir-se desamparado durante a campanha eleitoral?
Acima de tudo, é a prova de que o resultado de 2021 não foi por acaso. Foi e é resultado de muito trabalho, ao longo de muito tempo, de um conjunto de boas pessoas que me ladearam e acompanharam e com as quais continuo a fazer-me acompanhar. Apesar de todas as adversidades, conseguimos ter este resultado, ficando apenas a 324 votos da maioria absoluta, o que a todos nos deve orgulhar. Há sempre descrentes, mas trabalho é para as pessoas.
Mas sentiu-se desamparado, face a essas resistências internas?
Não sei se há ou não resistências. Já em 2021 foi um trabalho próprio e de quem me acompanhou, foi uma vitória da Concelhia, na qual me incluo, e não foi por acaso. E voltou a verificar-se que não foi por acaso. Espero que isto, de uma vez por todas, permita serenar todas as dúvidas e questões que uns ou outros possam aqui ou ali ter. Terão o direito a ter dúvidas e questões, mas, como se costuma dizer, se não atrapalharem, já ajudam.
O PS subiu em número de votos, mas diminuiu ligeiramente em percentagem. A maioria absoluta era o seu primeiro objetivo?
Por todo o enorme trabalho que foi feito, pensámos que haveria condições para podermos obter maioria absoluta. Por toda a dedicação, disponibilidade para resolver os problemas das pessoas, por todas as agruras e dificuldades com que nos fomos deparando desde o início do mandato: foi a pandemia, depois o ataque informático – ficámos sem computadores cerca de três meses em algumas áreas –, a inflação… E a Câmara Municipal fez um esforço enorme para não aumentar nada a ninguém, as taxas, a água, etc., e entregámos muita obra, nas escolas, nos mercados, nas bibliotecas, nos parques infantis, fizemos estradas novas, atraímos investimento – as obras da Mercadona já começaram e com elas os reforços de infraestruturas já contratualizados –, foi feito um enorme trabalho.
Ficou então com um sabor agridoce?
Não. Nada iria mudar a minha forma de estar na vida e a vontade de servir as pessoas, tivesse maioria absoluta ou não. As ferramentas que tenho para fazer de forma mais rápida e melhor é que não serão as mesmas. Se tivesse maioria absoluta, o que as pessoas poderiam encontrar era uma Câmara Municipal ainda mais ágil, mais rápida, a resolver os seus problemas. Assim, dependerá muito das forças políticas que compõem quer a Câmara quer a Assembleia Municipal, se querem se alinhar no desenvolvimento do concelho ou se querem ser forças de bloqueio, de arrastar os pés, de paralisar o concelho.
Admite atribuir pelouros a algum vereador da CDU, já que o Chega é linha vermelha para o PS ?
Tivemos uma reunião interna [da Concelhia] e fomos muito claros na reflexão que fizemos. Considerámos que todos os órgãos onde o PS é poder deve governar com grande respeito democrático pela oposição. E, onde somos oposição, termos a humildade de estarmos na oposição. Isso foi o que ficou definido. Assim, quero gerir este mandato como geri o anterior, sem qualquer tipo de acordos: com o Chega nunca; e com a CDU, por outras razões, também não.
No discurso de tomada de posse comprometeu-se a realizar mais obras. Quer destacar as principais?
O Quartel da GNR irá avançar, será uma obra estruturante para o concelho. O pavilhão da Escola Secundária da Baixa da Banheira, que tivemos de passar [do PRR] para o Portugal (PT) 2030, iremos avançar com ele. Também está inscrito no PT 2030 o pavilhão da Escola Fragata do Tejo, um milhão de euros para a requalificação do Parque José Afonso, a requalificação da via pedonal desde o Gaio até ao Rosário. Existe um conjunto muito alargado de obras previstas no PT 2030, como as ciclovias… Há muita obra da Câmara para executar. Tudo aquilo com que nos comprometemos está a avançar.
E a implementação de Polícia Municipal?
Vai ser um desafio muito maior, o nosso programa autárquico foi sufragado, tivemos mais votos, mas há duas outras forças políticas, uma que fez campanha contra a Polícia Municipal e a outra que acredito que possa não ser favorável.
Chega e CDU, respetivamente?
Isso mesmo, mas todos sentimos nas ruas que as pessoas querem a Polícia Municipal. É algo que, em virtude de não ter tido maioria absoluta, terei dúvidas se efetivamente conseguirei concretizar neste mandato. Mas, não deixarei de colocar essa proposta em cima da mesa.
Olhando para a instalação dos órgãos autárquicos no concelho, salta à vista a fratura entre a Concelhia da Moita do PS, à qual o senhor preside, e a Secção da Baixa da Banheira, liderada por Luís Cerqueira. A Mesa da Assembleia de Baixa da Banheira/Vale da Amoreira acabou entregue ao Chega. Anunciou que irá pedir a retirada da confiança política aos responsáveis por esta situação. Quem são os responsáveis?
Queremos tratar isso internamente, não queremos fazer julgamentos na praça pública. A posição que tomámos no Secretariado da Concelhia, no dia 22 de outubro, foi muito clara. Os partidos têm regras, que são para ser cumpridas, e quando as temáticas são de âmbito municipal as decisões a serem respeitadas são tomadas em sede de Concelhia, não em sede de Secção. As pessoas, de uma vez por todas, têm de estar à altura daquelas que são as suas responsabilidades. Não acompanho fugas em frente nem tentativas de desculpar, na minha ótica, aquilo que até certo ponto é indesculpável.
E o que é indesculpável?
É indesculpável que em 19 elementos da Assembleia da União das Freguesias só seis [os do PS] é que se tenham enganado [na votação para a mesa do órgão].
Não acredita na confusão que a Secção e os eleitos disseram estar na base da votação?
Temos aqui um de dois cenários: ou é propositado e é mau, e não se percebe qual é o objetivo, ou é engano, por má condução dos trabalhos de quem está a coordenar a bancada e está a fazer um mau trabalho. Ou é incompetência ou é propositado.
Nenhum eleito do PS votou na lista do partido, na segunda votação, para a mesa. Isto indicia que pelo menos dois eleitos do PS votaram na lista proposta pelo Chega.
Nós não sabemos o que está na cabeça das pessoas, mas também não podemos fingir que não vemos. Mas, este é um assunto para ser tratado internamente. Só salientar que as coisas tinham ficado muito claras na reunião do dia 22.
O PS não devia ter apresentado lista para a Mesa da Assembleia da União das Freguesias?
Sim. Isso ficou determinado no dia 22 de outubro e foi comunicado à Secção e aos eleitos.
A Secção e os eleitos vieram dizer que o comunicado do Secretariado Concelhio apresenta um conjunto de inverdades e dizem-se ainda surpreendidos pelo anúncio do pedido da retirada de confiança política. Que comentário é que lhe merece esta última posição?
Acho que já fui muito claro. Não tenho mais nada a acrescentar.
Repudia que existam inverdades no comunicado do Secretariado?
Vou colocar as coisas desta forma: esse comunicado [da Secção e dos eleitos] nem sequer me merece resposta.
Sente que tem o apoio da Federação Distrital de Setúbal do PS?
Sinto que tenho o apoio de um conjunto de bons militantes do concelho da Moita, boa articulação com alguns camaradas presidentes de concelhia, e terei boa relação com alguns militantes da federação. Nada mais tenho a acrescentar.
Acha que a posição da Secção foi a que foi por sentir respaldo da distrital?
Não sei. Só lhe posso dizer que há um elemento da bancada [da Assembleia da União das Freguesias (Cátia Nunes)] que está na federação. Agora, se isso faz com que eles sintam que têm o respaldo da federação, isso não lhe posso dizer, porque nunca me foi dito que eles teriam esse respaldo. Para todos os efeitos, é um assunto para a Concelhia da Moita resolver e está a resolver.
Admite candidatar-se à presidência da distrital?
Não. Admito continuar a trabalhar em prol das pessoas do concelho da Moita.
Afasta essa possibilidade?
Não está nos meus horizontes. Quero trabalhar para as pessoas do meu concelho, fazer aquilo que de bom tenho vindo a fazer. Não me passa pela cabeça poder ser candidato a algo que não seja servir as pessoas do meu concelho. Mas, também quero deixar claro que farei tudo para ultrapassar todas as dificuldades e poder servir bem as pessoas do meu concelho.
E recandidatar-se à presidência da Concelhia?
Ainda falta tempo. Acima de tudo, acho que a Concelhia da Moita tem feito um bom trabalho, sério, leal, correto, aberto, transparente…
Que leitura faz dos resultados obtidos pelo PS, na península de Setúbal, em particular, e na AML, em geral, tendo em conta a nova correlação de forças, a gestão da AML e também o processo da criação da Comunidade Intermunicipal (CIM) Península de Setúbal? O PS acabou por perder força?
Se olharmos bem para a realidade, mais do que o PS ter mantido algumas câmaras e perdido outras, o que vemos é um forte crescimento da extrema-direita e isso não pode ser ignorado nem levado de ânimo leve. Quem quer que esteja à frente dos destinos de cada uma das concelhias e da federação, deve criar um ambiente favorável de trabalho a todos os presidentes de concelhia, para que estes possam ter força para desenvolver os seus projetos e, de forma coordenada, combater a extrema-direita. Seremos mais fortes se estivermos unidos e a trabalhar de forma coordenada.
Outra situação que passou a ser mais complexa e mais delicada é a dos lugares de representação onde o PS está ou possa vir a estar.
Perdeu força o PS?
Claro. Basta olhar para percebermos como será a correlação de forças em diversos órgãos, sejam eles a CIM, que queremos criar, a própria AML, a CCDR e outros.
Acha que a criação da CIM ficará concluída ainda este ano ou até fevereiro, o mais tardar?
Ultimamente, não temos falado muito dessa situação. Esteve-se a trabalhar nesse sentido. Não estive a liderar esse processo. Entretanto, meteram-se as eleições e esse trabalho parou. Espero que possa ser retomado com sucesso em breve.
Mas acredita na concretização da CIM até aos primeiros dois meses do próximo ano?
Não tenho informações. Posso dizer o que desejaria, desejaria que a CIM pudesse avançar o mais rápido possível, a bem de estarmos prontos para o próximo Quadro Comunitário.
Portanto, da sua parte é prioridade…
… Claro. Tem de ser uma prioridade. Estes dossiers têm de estar na ordem do dia, bem como irmos rapidamente insistir com a ministra da Saúde para nos reunirmos – ou tentarmos, já que ela nunca nos recebeu –, para vermos o que se passa na AML e, em particular, no Hospital do Barreiro, que é aquele que nos afeta diretamente, que mais preponderância tem no concelho da Moita, porque as nossas crianças não podem continuar a nascer nas ambulâncias.
Está a dizer que irá solicitar uma audiência à ministra da Saúde?
Já estamos a fazer contactos com os outros presidentes de câmara para pedirmos novamente uma reunião à ministra da Saúde.
Partiu de si essa iniciativa?
Sim.
E foi bem acolhida?
Sim, por todos, sempre. Já não é a primeira vez que o fazemos. Serão contactados e foram por mim contactados todos os presidentes de câmara abrangidos pela ULSAR.
Depois de um primeiro mandato à frente da Câmara, é hoje, face a essa experiência, um homem diferente?
Sou exatamente a mesma pessoa, próxima, com enorme simplicidade, com vontade de querer resolver os problemas às pessoas. Hoje em dia, posso dizer que sou obrigado a ter doses maiores de pragmatismo e menos ilusões.
E lá em casa, tendo em conta que quem desempenha as funções que ocupa tem de abdicar de muito do tempo pessoal, também o veem da mesma forma?
A minha esposa, quando me conheceu, eu já desempenhava as funções de presidente de câmara. Acredito que ela não tivesse a perceção do que efetivamente era ser esposa de um presidente de câmara. O meu filho, quando nasceu, veio para casa no dia da depressão Martinho. Ela não é de cá, é do Norte, não tinha cá família, tínhamos acabado de chegar a casa e por volta da meia-noite fui para a rua, porque, como responsável máximo da Proteção Civil, não me senti de consciência tranquila estando todos a trabalhar e eu em casa. Então fui para junto dos bombeiros, das forças de Proteção Civil, colaborar de forma voluntária como muitos outros. Acho que nada prepara as pessoas para serem esposas de um presidente de câmara, pelo menos com este tipo de entrega, por isso só lhe posso agradecer a disponibilidade e a dedicação. Não terei a mesma disponibilidade que uma pessoa que tem direito ao fim de semana, que tem direito a um mês de férias por ano e ela vai sabendo entender e respeitar, porque reconhece que faço aquilo que gosto.