Ao passar em revista os três mandatos que se apresta a concluir na presidência da Câmara Municipal, o autarca admite que o Centro Internacional do Audiovisual está em risco e pressiona o Governo. Elenca o que mudou no concelho e o que gostaria de ter concretizado
Dos investimentos concretizados ao novo Plano Director Municipal (PDM), Álvaro Balseiro Amaro analisa os cerca de 12 anos que está prestes a completar à frente dos destinos da Câmara de Palmela. Em entrevista a O SETUBALENSE e à Rádio Popular FM, o autarca debruça-se sobre as várias áreas, da educação à saúde, da habitação à acção social, passando pelo ambiente, e, por entre algumas “bicadas” à oposição, realça não só a obra feita como também a capacidade de execução da autarquia.
Que análise faz a estes 12 anos de presidência na Câmara?
Tem sido um percurso de trabalho muito intenso, com muitas alegrias, muitas concretizações, de compromissos assumidos com a população e que têm sido também acrescentados com outras metas, preparando um futuro de sustentabilidade para o concelho. Se tivesse de recorrer a números por grandes áreas, e falo só deste último mandato, quantos municípios fazem dois pavilhões desportivos, quantos municípios conseguem pavimentar 46 km de novas vias e repavimentar mais 16 em quatro ou cinco anos, e com contínuo investimento na área da educação, em centros comunitários, ninhos associativos, espaços de cultura? Só nos últimos cinco anos, de reabilitação e novos espaços de jogo e recreio e espaços desportivos [foram] 45 a 50. Já que estamos a falar de 12 anos, quero recordar duas escolas requalificadas, projectos para ampliação de outras, o processo de descentralização de competências, que é um presente envenenado para as autarquias…
… Faltou-lhe a área da saúde.
Ia lá chegar. Fazer obras estruturantes, que têm implicações durante dezenas de anos no combate às alterações climáticas e na prevenção de riscos e inundações, como foi a 1.ª fase da Ribeira da Salgueirinha, 5,5 km – uma obra que nenhum governo durante 40 anos conseguiu fazer, apesar de ter projectos para o efeito, teve de ser a autarquia a fazê-lo –, e agora mais 7,5 km, desde Vale do Alecrim até Quinta do Anjo, um projecto na ordem dos 7 milhões de euros, que lançaremos o concurso para a obra ainda neste mandato.
Na área da saúde, também foi necessário ser o município a assegurar a melhoria das instalações e, em particular, a construção da tão desejada Unidade de Saúde Pinhal Novo Sul. Iniciámos também a obra da Unidade de Saúde Quinta do Anjo, um compromisso de mandato. O trabalho feito com as crianças e jovens em vários projectos de inclusão…
Os indicadores, por exemplo, do índice de sustentabilidade municipal, põem-nos acima da média da península de Setúbal, acima da média nacional e acima da média dos chamados municípios comparáveis, de média dimensão.
Desafio alguém a consultar o que têm sido os programas destas equipas de trabalho que temos na autarquia, o seu nível de execução e de compromissos honrados e, sobretudo, a visão de futuro que continuamos a criar, com compromissos que são plurianuais.
O que mudou no concelho?
Níveis de respostas na área da educação e na qualificação do parque escolar, sempre a superarem-se. Atractividade territorial, com mais dinamização económica, mais investimento, mais empresas e melhor emprego. Na parte, diria, social, por exemplo, as questões da erradicação da pobreza, as questões mais relacionadas com o apoio à vítima, a resposta a comunidades desfavorecidas, também o trabalho que estamos a fazer em Poceirão e Marateca, com um conjunto de respostas de natureza social, de literacia em saúde, de combate ao isolamento dos mais idosos.
O desemprego no concelho é inferior à média dos concelhos vizinhos. Até o número de beneficiários, por exemplo, do Rendimento Social de Inserção, proporcionalmente face à evolução da população, baixou. E isto significa que o território está mais sustentável.
Este é um mandato único, também, naquilo que diz respeito à mudança de paradigma das políticas de habitação. Neste mandato, em dois anos e pouco, já entregámos 50 casas a quem mais precisa e temos processos de construção para mais 30 fogos.
Acha que será possível concretizar tudo a que o município se candidatou no âmbito do PRR, tendo em conta que o prazo final será 2026?
Temos 55 operações na área das Comunidades Desfavorecidas, em Poceirão e Marateca, em que estamos a trabalhar intensamente, mesmo lutando contra os tais incidentes de projectos que têm de ser vistos, de concursos repetidos por ausência de empresas que queiram pegar nessas empreitadas.
Nunca houve tantas empreitadas. E não tem a ver só com o PRR. Neste ciclo de 12 anos, vale a pena ver como o volume de investimento, de ano para ano, aumenta. Nos níveis de execução das Grandes Opções do Plano, estamos sempre no top 3 da Área Metropolitana de Lisboa [AML].
Estamos a falar de uma percentagem na ordem…
… Andamos sempre entre os 85% e os 90%, dependendo dos anos. O último ano, não tendo sido o pior, foi mais difícil. Tivemos 85,7% de execução da despesa. Mas isso tem a ver com outras questões. Até com a falta de pagamentos da parte do IHRU para casas que já tínhamos entregado, o dinheiro ainda hoje está a chegar aos poucos.
Fui vereador, e tive também funções noutras áreas, e tinha uma ideia de termos, se calhar, uma média de 12 grandes empreitadas, para não falar das mais pequeninas, por ano. Agora estamos entre as 70 e as 100. É muito trabalho e os serviços, infelizmente, não cresceram. São as autarquias que estão a fazer o maior volume de investimento no País, não é o Governo. Se não forem as autarquias a candidatarem-se, a terem de colocar alguns projectos que são da responsabilidade da Administração Central no terreno – como tem sido na saúde, agora nas escolas de 2.º, 3.º ciclo e secundário (temos projecto de reabilitação para a José Maria dos Santos e para a Hermenegildo Capelo, obras estimadas na ordem dos 4,5 e 7,4 milhões de euros, respectivamente) –, esses investimentos não se faziam.
E o que não foi possível mudar durante estes 12 anos?
Sobretudo questões relacionadas com o ordenamento do território, com respostas, por exemplo, aos cidadãos em áreas complexas.
O que gostaria de ter feito, e não é fácil com a actual política para o sector de resíduos, era uma grande alteração na área da limpeza e da recolha de resíduos urbanos, num concelho que é o maior da AML e que é assolado por despejos ilegais de gente e de empresas que não são do nosso concelho. Um concelho que tem redes de recolha onde se fazem quase 50 a 60 quilómetros por dia para fazer recolha e ir levar aos aterros. Nunca se recolheu tanto, nunca se reciclou tanto, batemos todos os recordes de tonelagem, também batemos todos os recordes de compostagem, mas continua a haver problemas. Porque os sistemas de recolha não evoluíram, mas também por causa do comportamento dos cidadãos.
Fizemos uma grande revolução, mas que ainda é incompleta, num concelho muito disperso. Passámos para os sistemas de recolha porta-a-porta. Estamos no ranking dos municípios que está a fazer maior recolha de biorresíduos, mas é impossível recolher resíduos para reciclagem, para tratamento, para depósito em aterro, à porta de cada um, num concelho que tem 36 aglomerados dispersos.
O novo PDM tem merecido críticas da oposição, dificilmente será aprovado por unanimidade. Isso incomoda-o?
Não. Fico incomodado é pela falta de capacidade de alguma oposição de estudar os dossiers e de perceber como estamos a cumprir as directivas nacionais, em matéria de planos regionais de ordenamento do território, como estamos a cumprir a lei dos solos, a legislação que fala da necessidade de perequação… Isso é um pouco a visão populista da crítica fácil, infundada, de gente que tem de se preparar melhor, se quer ter responsabilidades. Será uma irresponsabilidade votar contra o PDM, até porque esquecem-se que algumas das acusações que têm feito são inferências sem fundamento, porque todos somos obrigados a cumprir as leis, as portarias, as unidades mínimas para emparcelamento, os ecossistemas.
As questões do urbanismo, que não são propriamente idênticas às do ordenamento do território, têm a ver com questões de celeridade processual e nós temos feito um esforço de desmaterialização, de procedimentos, etc.
Mas são apontadas críticas ao tempo de licenciamento que levam os processos na autarquia.
Cada caso é um caso, também temos recebido elogios e é preciso perceber que estamos num território que é o que tem mais necessidade de pareceres de outras entidades externas. Isto é uma discussão que não pode ser feita de uma forma em abstracto e populista. Posso dizer que nunca aprovámos tantos processos, tantos pedidos de informação prévia, e nunca despachámos tanto.
Aqui, o território não está à venda por qualquer preço e as pessoas têm de instruir bem os processos. Quem faz bem, limpinho, limpinho, não tem atrasos nos processos. Posso não concordar com as leis, com as portarias, etc., mas tenho a obrigação de as cumprir. E, portanto, no urbanismo não há jeitinhos para ninguém, nem aprovações mal feitas, que mais tarde vêm a dar péssimos resultados.
Falava do PDM…
… É preciso perceber que este PDM, além de cumprir a lei e as orientações nacionais, é um PDM de sustentabilidade e de crescimento, de mais de 10 mil fogos novos. Agora arruma bem as funções. Permite a legalização de centenas ou de um milhar de casos. Por exemplo, centenas de empresas vão ver finalmente a sua situação resolvida, quer de legalização, quer de necessidade de ampliações e de infra-estruturas. É um PDM do crescimento sustentável e da promoção do investimento, de mais emprego, de novas centralidades logísticas e empresariais bem arrumadas, que não põe em causa qualquer valor natural.
Em termos de candidaturas feitas a fundos comunitários, que balanço faz ao trabalho desenvolvido?
Isto não foi nenhuma boda aos pobres, que qualquer governo ou qualquer União Europeia faz. Não! Até porque, fizemos obras que eram da responsabilidade dos governos. Nós aproveitámos ao máximo e, mais do que aproveitar, investimos os nossos próprios recursos para a concretização de projectos, com muito mais esforço do que outros. Hoje quem consulta a nossa conta de gerência vê que a esmagadora maioria do investimento é feita com fundos próprios, mas tivemos de fazer empréstimos para investimento. Só os tivemos aprovados porque somos daquelas autarquias que têm capacidade para pagar. No ranking do anuário financeiro das autarquias aparecemos entre aquelas que têm melhor sustentabilidade e equilíbrio económico-financeiro. Baixando impostos, tendo o IMI no mínimo, tendo as facturas de água, saneamento e resíduos das mais baratas da península de Setúbal…
Por que é que ainda existem várias pavimentações por fazer no concelho, independentemente das que já foram feitas?
E espero que continuem a existir, porque há espaços agrícolas e florestais em que os caminhos têm de ser de terra batida, até por uma questão ambiental. Ainda há quilómetros por asfaltar e há-de haver. Nós temos a maior rede viária municipal, há municípios maiores do que o nosso, mas não têm esta dimensão de rede viária municipal. São quase mil quilómetros. Nestes três mandatos, até tenho sido acusado de ser o “Manel do alcatrão”. Nas zonas rurais, à medida que há maior ocupação humana, temos de criar melhor mobilidade. Mas esse é um domínio onde, desculpe, eu dou cartas pelo número de pavimentações que temos feito e que vamos continuar a fazer. Na última reunião de câmara, anunciámos mais dois projectos para o efeito e vai começar muito em breve a repavimentação de vários quilómetros daquela que é a maior estrada municipal do País, a 533 e a 533-1. Olhe, a mobilidade suave. Alguém fez tantos quilómetros de ciclovias?
Uma das áreas em que Palmela notou grande crescimento foi na captação de investimentos de energia fotovoltaica. Ainda há margem para mais investimentos desta natureza? Por outro lado, qual é o ponto de situação do projecto TAGE (Hollywood Verde)?
Tivemos muitos projectos em análise, quase sete dezenas. Temos 21 aprovados. E ainda não estão todos no terreno. Há um, de interesse nacional, que esta semana [passada] teve boas notícias para um grande grupo económico, que fará uma das maiores centrais na zona da prevista plataforma logística do Poceirão: são cerca de 265 hectares de solar fotovoltaico.
Mas, temos regras e princípios de que não abdicamos. Primeiro, não aprovamos centrais desta natureza em solo de reserva agrícola. Só em espaços agroflorestais, subaproveitados, sem vegetação. Depois, todos aqueles que têm determinado impacto, têm de passar pelo crivo da avaliação ambiental. E temos feito protocolos para que as centrais tenham pastorícia, tenham plantação de polinizadoras, acções de sustentabilidade no solo, projectos de enquadramento paisagístico, apicultura. O que fazemos é com conta, peso e medida.
Quanto ao projecto TAGE, assistimos nas últimas semanas a um grito de alerta dos investidores. Da parte do município, está tudo aprovado.
Estamos a falar de 200 milhões de euros de investimento?
Numa primeira fase, mas pode ir aos 470. Do ponto de vista processual, só nos falta celebrar um contrato de urbanização. O que aconteceu foi um grito de alerta, sobretudo, para o Governo, porque estava a decorrer a consulta pública dos apoios ao audiovisual. E depois de termos andado já com três governos a falar da necessidade do enquadramento fiscal específico, não para a construção, mas sim para as produções que se pretende atrair… Estamos a falar das maiores produtoras mundiais, desde Hollywood à Apple TV, que querem um “cash refund” na ordem dos 100 milhões. Ora, o Governo pôs agora no audiovisual uma verba de 20 milhões. Acha que os investidores ficam confortáveis com isto?
Considera então que está em risco?
Está. Logo quando isso foi noticiado, além de nos reunirmos com os representantes dos investidores em Portugal, solicitei uma reunião ao primeiro-ministro. Estive com ele no jantar dos 50 anos da independência de Cabo Verde, trocámos algumas palavras sobre o assunto. Foi-me dito que o assunto não está esquecido, que oportunamente ou ele ou o ministro da tutela, se calhar mais o das Finanças, reunirá comigo. Espero que o Governo, o País não deixe fugir este investimento, porque ele é estratégico, não é apenas um novo cluster que se cria nesta centralidade e neste território, será aquilo que nós costumamos dizer em linguagem comum e familiar uma “nova Autoeuropa”. Deixarmos fugir este projecto não é um crime para Palmela, é um crime para o País.
Como gostaria de ser recordado pelas pessoas do concelho de Palmela, tendo em conta os mandatos na Câmara?
Como alguém que cumpre a sua palavra, que está sempre próximo e que responde a toda a gente.
Quando sair, vai voltar a enveredar pela carreira docente?
Essa é a minha profissão e é isso que tenho para já como destino certo. Mas, não escondo que tenho até outros desafios, até para outras latitudes, para trabalhar em muitas áreas. Gosto muito daquilo que faço, mas também me deixo apaixonar facilmente até por coisas que às vezes parecem muito diferentes, seja na área empresarial, seja no ensino. Voltarei seguramente à investigação, porque está na altura também de investigar, de sistematizar e de fazer um doutoramento que deixei adiado desde 1997, quando me envolvi de corpo e alma nestas questões das autarquias.