8 Maio 2024, Quarta-feira

André Pinotes Batista: “História para os livros foi o resultado de 2021, mas a que me marca é a conquista de 2017”

André Pinotes Batista: “História para os livros foi o resultado de 2021, mas a que me marca é a conquista de 2017”

André Pinotes Batista: “História para os livros foi o resultado de 2021, mas a que me marca é a conquista de 2017”

Eleições previstas para a segunda quinzena de Setembro. Socialista quer investir na promoção de Estados Gerais

O socialista passa em revista cerca de 10 anos à frente dos destinos da concelhia. Está de saída e não deixa nada por dizer: enaltece conquistas, revela traições, e aponta à sua sucessão

 

Cerca de uma década depois, André Pinotes Batista, 38 anos, está prestes a deixar a liderança do PS do Barreiro. O socialista – que preside também à Assembleia Municipal do Barreiro e que desempenha funções de deputado parlamentar – analisa um trajecto marcado por conquistas inéditas, sobretudo a nível autárquico, e destaca Carlos Pires que, embora na sombra, foi determinante para o sucesso do partido.

Revela traições de que foi alvo no seio da concelhia, ao mesmo tempo que agradece aos opositores internos desleais. Sem ressentimentos, afiança. E traça o perfil para o seu sucessor.

Aborda ainda o processo da Quinta do Braamcamp e o novo aeroporto, mas recusa meter-se no meio de Pedro Nuno Santos e António Costa, apesar de confessar gostar da solução que foi plasmada no despacho do ministro. Agora quer assumir funções mais executivas e descarta candidatar-se à Federação Distrital de Setúbal do PS, dando a entender que António Mendes irá recandidatar-se.

É o presidente da concelhia do Barreiro do PS, ou um dos presidentes, com maior longevidade no cargo e agora está de saída. Porquê? Está cumprida a missão, tendo em conta que o PS consolidou-se no poder no concelho?

É mesmo por a minha missão estar cumprida. Quem está muito tempo no poder habitua-se a mandar, a liderar, eu também me habituei e custa abrir mão de uma coisa que gostamos de fazer. Foi desde 2013 até agora [as concelhias vão a votos no início de Outubro e as distritais em Novembro]. Eu e Aires de Carvalho estivemos uma década à frente do PS [local]. Não me comparo a ninguém na história do PS, porque vejo os meus mandatos como um trabalho colectivo: o que construímos, as vitórias que tivemos em legislativas, autárquicas, europeias… foi uma coisa sem paralelo na história. Sinto que dei o que tinha a dar. Quando me candidatei era muito jovem e tinha a ideia de que podia unir o partido, pô-lo ao serviço da cidade e ganhar eleições para transformar o Barreiro. Achava que conseguia juntar toda a gente, apesar dos feitios e das ambições de cada um. E consegui. Agora chegou o momento em que, se continuar, não vou estar a servir o PS, a minha terra, vou estar a servir-me a mim. É preciso vir alguém com ideias novas para que o projecto que, desde bebé, eu criei e fiz crescer continue por mais 20 anos.

O balanço é positivo a avaliar pela reconquista da Câmara, em 2017, e pelo reforço dessa conquista, em 2021, com maioria absoluta e o resultado mais expressivo do PS na Área Metropolitana de Lisboa, a que acresceu o triunfo nas quatro juntas de freguesia. Foi mais difícil a reconquista 15 anos depois de o PS ter sido poder ou o inédito segundo mandato consecutivo em 2021?

Tivemos em 2021 o melhor resultado de sempre de uma força política no Barreiro. Nunca ninguém tinha conseguido ter sete eleitos para a Câmara e com todas as juntas de freguesia. Fizemos aí história. Foi a primeira vez que reconquistámos o poder. Mas, acho que o primeiro mandato foi o mais importante. No primeiro tivemos de arregaçar as mangas, ir à luta, construir a confiança das pessoas em nós, que não havia, apesar de Emídio Xavier ter sido um grande presidente de câmara. História para os livros foi o resultado de 2021. História que me marca é a de 2017. Éramos relativamente desconhecidos, todos jovens, fomos para a rua e demos às pessoas uma razão para sonharem.

Sobre 2021, conheço muitos que me dizem na cara que sabiam exactamente que iam acontecer coisas que me tinham dito na altura que não acreditavam que fossem acontecer. Eu sabia que as nossas equipas eram muito boas e que o PCP cometeu uma série de erros tremendos, mas não sabia que íamos ter sete mandatos. Sabia era da qualidade das pessoas que estavam a liderar os projectos: Frederico Rosa, João Pintassilgo, Eduardo Cabrita, Carlos Pires – pessoa que foi determinante – e a nossa tremenda juventude. Mas não meço o sucesso do meu trabalho só pelos resultados.

Mas, acreditou mais num triunfo em 2017 ou num resultado tão expressivo como o de 2021?

Tinha dias em que acordava convicto de que íamos ganhar e outros em que achava impossível [em 2017], porque fui criado na oposição. O que não esperava era um resultado tão expressivo em 2021.

Qual foi a quota-parte de mérito da concelhia do PS nestas conquistas e qual foi o segredo para lá chegar?

O segredo é a confiança das pessoas em nós. Os políticos podem estar descredibilizados, mas quando as pessoas sentem que ao exporem um problema têm uma resposta e que vamos fazer coisas, confiam. O contributo do PS local – que não é só o André, mas sim o presidente da Câmara, os vereadores, os autarcas das juntas, as equipas, os dirigentes, os jovens, o conjunto – teve de contribuir muito, porque o PS nas europeias teve grandes resultados, mas no Barreiro foi acima das médias nacional e distrital, tal como aconteceu também nas legislativas. O ciclo pendular de que se falava, de que ‘as pessoas votavam no PS para eleições nacionais e não votavam a nível local’, era porque as pessoas não confiavam no PS local. Era só isto. É esta a divisa: a confiança das pessoas.

E não teve a ver com uma “descapitalização” do PCP?

Não me identifico com aqueles políticos que gostam de torturar os números para poderem dizer o que eles querem. Portanto, sim, a perda do PCP é evidente que ajuda o PS. Quando as pessoas começaram a perceber o que era o PCP e como o PCP amarrava o desenvolvimento do Barreiro… as pessoas queriam ar. Repare, os primeiros cem dias de mandato costumam ser sempre os mais difíceis, porque os políticos gostam de fazer o “discurso da tanga [alusão a Durão Barroso, que disse ter encontrado o País de tanga]”, mas para nós [em 2017] foram os mais fáceis, porque nós preparámos uma presidência. Agora, o PCP não está igual em todo o lado. Há sítios onde os autarcas conseguem estabelecer relações uns com os outros, ao contrário do que fez o PCP de Carlos Humberto. Sofia Martins, por exemplo, era uma mulher com valor, de princípios…

Está a dizer que se Sofia Martins tivesse sido cabeça-de-lista ao invés de Carlos Humberto o PCP poderia ter tido outro resultado nas últimas autárquicas?

O que estou a dizer é que em 2017 perdia a Sofia Martins, perdia o Carlos Humberto – ao contrário do que ele disse ao Observador, num grande desrespeito pela colega de partido – e teria perdido outra pessoa qualquer do PCP, porque as pessoas não votaram para o PCP perder mas sim para o PS ganhar. Em 2021 é que as pessoas castigaram o PCP. Em 2017 confiaram no PS. Se Sofia Martins tem sido candidata em 2021, tinha tido um resultado igual ou melhor do que Carlos Humberto.

um mês depois de ter sido eleito convidaram o meu número 2 e o meu número 4 para me substituir dentro da concelhia

Consegue reconhecer pontos negativos ao longo da sua liderança da concelhia?

Claro. Este trajecto teve três fases: pacificar o partido; potenciar talentos e expandir equipa; e não permitir que houvesse ambições e faltas de humildade que estragassem o processo. A primeira nem sempre foi fácil e cometi alguns erros de imaturidade. Quis pacificar com o mínimo de dano possível e nem sempre consegui fazer as coisas todas bem, porque quando estamos a ser atacados na nossa vida pessoal ou nos estão a tentar tirar o tapete… Olhe, um mês depois de ter sido eleito convidaram o meu número 2 e o meu número 4 para me substituir dentro da concelhia. Mas consegui unir o partido, servir a cidade e ganhar o Barreiro.

Na segunda fase, foi tempo de consolidação, de dar corpo às pessoas que estiveram tapadas nas guerras de caciques, pegar em gente que tinha valor. Frederico Rosa foi vereador com Luís Ferreira, no pior resultado do PS dos últimos 40 anos, e é hoje o responsável pelo melhor resultado de sempre do partido. Não tinha valor? Afinal tinha.

A terceira foi não deixar que o PS se tornasse arrogante. Temos sete eleitos mas não temos arrogância. Nós não somos melhores do que outras pessoas do PS, no distrito e no País, soubemos foi coordenar-nos melhor.

Já sabe quantas listas vão a votos para a concelhia? Quem é o socialista mais bem colocado para dar continuidade ao processo que defende?

Não pedi a ninguém para apresentar lista nem pedi apoios para quem quer que fosse. Existem no Barreiro duas ou três pessoas que podem ser candidatas para tomar conta do processo – mas isto não é uma coisa de uma pessoa só, sou o presidente da concelhia com mais sucesso de sempre no Barreiro não pelos meus méritos mas sim pelos méritos de toda a gente que ali esteve. Este processo que é para continuar precisa de cumprir condições: quem vier tem de conhecer e amar o Barreiro; conhecer e amar o partido; e ter participado nos momentos baixos também – quero que lidere a concelhia alguém que já tenha sido derrotado em lutas autárquicas.

Exemplos…

… Quer na minha direcção quer na vereação temos pessoas com qualidade. Qualquer militante do PS do Barreiro sabe quem são as pessoas que foram a votos e perderam, que amam o Barreiro e que não procuram cargos para se servirem a si próprias. Posso dizer que Rui Pereira, Paulo Santos e Carlos Guerreiro são três das pessoas que cumprem isto. Quem quiser liderar o PS do Barreiro tem de perceber o meu sonho e do Carlos Pires e aquilo que todos colectivamente construímos, tem de ter saboreado a derrota e querer servir a terra.

Este processo teve uma pessoa que deu um grande contributo e nunca se fala dele: Carlos Pires. Foi candidato à Câmara em 1997 e foi sempre uma mão boa na sombra, um apoio, um impulso e uma pessoa que soube dizer “não” quando entendia, que é coisa rara. É bom que fique escrito como tudo começou: houve um dia em que me sentei com Carlos Pires e escrevinhámos o nosso sonho num “tabuleiro” inteiro de uma mesa num restaurante, durante horas, o que tínhamos de fazer e quem eram as pessoas, enquanto comíamos uma bifana.

Se pudesse voltar atrás, qual a decisão que não teria tomado?

Em autárquicas sempre quis que Juvenal Silvestre estivesse connosco e esteve… Saio sem arrependimentos. Se calhar havia coisas que podia ter feito um pouco melhor, mas não me lembro de nada de que me arrependa. Não promovi ódios nem agi para meu interesse pessoal. Tudo o que fiz foi com o intuito de transformar a minha terra. Agradeço a todos aqueles que foram meus opositores desleais e tenho respeito pelos que foram meus opositores leais. Aos desleais agradeço por me fazerem manter o foco no que era importante, ir a votos sempre na rua. Não há nenhuma calúnia que resista ao voto. Mas não guardo ressentimentos.

Se invertêssemos os nossos papéis neste momento, o que perguntaria ao presidente da concelhia do PS que está de saída?

Perguntar-me-ia se valeu a pena. E responderia que tudo valeu a pena, porque não fizemos um projecto pessoal nem de um grupelho. Fizemos um processo, que funciona.

políticos normais podem fazer coisas excepcionais. Estão mais próximos de o conseguir do que uma espécie que agora surgiu por aí, que é o ‘político boneco’, o ‘político do dente branco, da barriga lisa’, sem alma

Por onde passa o seu futuro no PS?

Se não tiver futuro, estou muito satisfeito com o que foi feito. Sou muito novo, o meu futuro é ser político e ser uma pessoa normal. O meu futuro é “um caminho aberto”, fazendo uso de uma formulação que António Costa tem e de que gosto muito. Quando me escolherem, têm de saber que têm aqui uma pessoa de confiança e que não falha à palavra, que serve mais um colectivo do que a si própria e que sou um político normal. As pessoas normais podem, como políticos, fazer coisas excepcionais. Estão mais próximas de o conseguir do que uma espécie que agora surgiu por aí, que é o “político boneco”, o “político do dente branco, da barriga lisa”, mas que depois não tem alma, empatia, nem capacidade transformadora. Nunca serei ministro das Finanças e ter a ambição de ser ministro é um disparate. O que posso dizer é que a partir de agora quero ter papéis mais executivos. Mas não aponto a pastas ministeriais, câmaras ou seja o que for.

Pondera candidatar-se à Federação Distrital de Setúbal do PS?

Sinto que as pessoas no distrito têm muito respeito pelo meu trabalho, mas não vou ser candidato, porque acho que a federação está muito bem entregue a António Mendonça Mendes. Ele conseguiu um conjunto de coisas muito boas, não há mandatos perfeitos, nem os meus nem os dele, mas estando a federação bem entregue jamais faria fosse o que fosse que fragilizasse a distrital. Nos últimos 10 anos, no caminho da concelhia que falámos, também houve um caminho distrital que foi feito. Começou com Ana Catarina Mendes e foi de afirmação do Distrito de Setúbal. Eu era incapaz, por uma ambição pessoal, de prejudicar isso, ponto 1; e, ponto 2, António Mendonça Mendes é um grande presidente e deve continuar à frente da federação.

 

NOVO AEROPORTO “Solução do despacho é boa para o País, para o distrito e divinal para o Barreiro”

“Chegámos ao ponto de Alqueva: ‘construam um aeroporto, porra!'”

O que acha o PS do Barreiro sobre o processo do novo aeroporto? Andou mal Pedro Nuno Santos ou andou pior António Costa ao mantê-lo como ministro?

O tempo vai escrever a história. O PS do Barreiro pensa a mesma coisa há muito tempo. Temos os antigos territórios da CUF, se o aeroporto se localizar no Montijo, o Barreiro vai ter um desenvolvimento muito simples: estamos a 800 metros do aeroporto, em linha recta, e isso vai trazer hotéis, empresas de logística, toda a cidade aeroportuária para ali. Somos a favor de uma solução na margem sul, a BA6 tem estas vantagens. Se for no Campo de Tiro de Alcochete [CTA] terá outras, que para o Barreiro serão menores.

E sobre o despacho de Pedro Nuno Santos… Acredita que depois de décadas sem se conseguir construir uma alternativa agora se consiga não uma mas duas?

Gosto do despacho. Parece-me exequível. Já fiz 37 intervenções como deputado sobre o aeroporto. Chegámos ao ponto de Alqueva: ‘construam um aeroporto, porra!’

O que leva um ministro a publicar um despacho que deu no que deu com o primeiro-ministro?

Não sei responder. Não tenho elementos. Tenho demasiado respeito pelos dois para estar a opinar. O que me interessa é que gosto da solução: BA6 transitória para o CTA. A solução é boa para o País, boa para o Distrito de Setúbal e divinal para o Barreiro.

E depois o que fazem à BA6?

A partir do momento em que o aeroporto na BA6 seja fixado, ainda que transitoriamente, a cidade aeroportuária vai desenvolver-se ali. As indústrias, o desenvolvimento económico, fixam-se ali e as distâncias [com o Campo de Tiro] seriam comportáveis. Haveria coisas a fazer no CTA, mas outras estariam feitas na BA6: as empresas de logística, os hotéis, são viáveis ali. Mas não sei o que irá acontecer.

 

QUINTA DO BRAAMCAMP “Já perdemos o interesse do investidor”

“Houve um partido que criou uma associação fantasma, recorreu à Justiça e bloqueou a democracia”

Em que pé está a Quinta do Braamcamp?

É um caso único no País. Foi interposta uma providência cautelar, que devia ser um instrumento urgente, passaram-se anos e não teve ainda resposta. A nossa Justiça não pode funcionar assim. O que está em causa são coisas administrativas, actas, minutas, procedimentos, e devia ter havido uma decisão, até porque já perdemos o interesse do investidor, apesar de ele não o ter notificado oficialmente. A Quinta do Braamcamp vai ter uma solução, espero que Frederico Rosa a possa concretizar, mas com esta morosidade na Justiça…

Houve um partido que criou uma associação fantasma, recorreu à Justiça e bloqueou a democracia. Têm o direito de pensar de forma diferente. A minha visão para a Braamcamp não é a papel químico da de Frederico Rosa, mas ele foi a votos, foi eleito duas vezes e anunciou o que queria fazer. A questão foi sufragada duas vezes. Agora, não se adivinha para quando uma decisão. É um local mágico que tem de ser reabilitado e a autarquia não tem, nem nunca terá, dinheiro para arranjar aquilo de uma vez. Pode-se é arranjar aquilo em 100 anos…

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