Ensino diferenciado começa a ‘dar frutos’ na Escola da Boa Água em Sesimbra

Ensino diferenciado começa a ‘dar frutos’ na Escola da Boa Água em Sesimbra

Ensino diferenciado começa a ‘dar frutos’ na Escola da Boa Água em Sesimbra

A EBI na Quinta do Conde é pioneira a testar projecto inovador que reconstrói conceito de sala de aula e dá mais autonomia aos estudantes

 

Desde 2017 que a Escola Básica Integrada (EBI) da Boa Água, na Quinta do Conde, se esforça para oferecer um ensino inovador aos seus alunos. Testes de avaliação e aulas teóricas, tão comuns na educação convencional, são conceitos que entraram em desuso desde que a escola sesimbrense se tornou num dos sete estabelecimentos de ensino pioneiros a integrar o Projecto-Piloto de Inovação Pedagógica (PPIP).

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O principal objectivo do PPIP é aumentar o aproveitamento escolar, atribuindo a autonomia necessária para que cada instituição adapte a aprendizagem às necessidades dos seus alunos e, na Boa Água, a meta é muito clara: passar de um “modelo pedagógico de instrução” que, segundo Nuno Mantas, director da escola, “apenas serve para formatar pessoas iguais”, para um “modelo de trabalho baseado na comunicação” que desenvolve competências “para que os alunos saibam agir no dia-a-dia”.

Formar jovens resilientes capazes de enfrentar os problemas diários é a preocupação primária que tem levado a escola básica a repensar nas dinâmicas dentro da sala de aula. Mais do que ter um professor a transmitir conhecimentos, os alunos têm agora autonomia para pesquisar informação, preparar aulas e, acima de tudo, aprender em conjunto com os pares.

“Optámos por criar turmas formadas por alunos de anos [lectivos] diferentes que trabalham em grupos durante o ano inteiro”, explica Nuno Mantas. Desta forma, os estudantes dividem tarefas entre os membros do grupo, consoante as suas características e aptidões, permitindo que cada pessoa descubra as suas potencialidades.

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“Podemos ter um grupo de quatro pessoas com dois alunos de 5.º ano e dois de 6.º ano que desenvolvem trabalhos juntos. Se alguém é melhor na oralidade, esse aluno pode ficar responsável por apresentar os trabalhos, enquanto os outros podem tratar da pesquisa de informação e desempenhar funções nas quais se sintam capazes”, reforça o director.

Quanto aos conteúdos teóricos, estes não deixam de ser trabalhados, mas o desenvolvimento das “soft skills” é priorizado. “Há capacidades que são importantes serem trabalhadas na escola. Na disciplina de matemática, por exemplo, os alunos estão a construir uma horta. Calcularam quantos materiais precisavam, fizeram uma estimativa do orçamento e entraram em contacto para pedir os materiais. Neste momento, estão a colocar os sacos de terra no canteiro e a perceber se o que encomendaram é suficiente. É assim que percebem como é que se trabalha e se resolvem problemas”.

Aprender a ensinar

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Também para os professores as alterações foram significativas. Armindo Serra, docente na escola há 13 anos, admite que o seu papel se alterou desde que o PPIP foi implementado na Boa Água.

“O professor passou a ser um orientador, ao invés de instrutor. Construímos guiões de trabalho com temas que queremos que os grupos pesquisem durante as aulas e vamos ajudando nas dúvidas que forem surgindo. Acabamos por avaliar mais se o aluno é capaz de pesquisar e filtrar informação do que se aprendeu determinado conceito”, conta.

No entanto, o número elevado de anos a leccionar em regime expositivo deixou marcas em muitos docentes e há quem ainda não esteja totalmente confortável com as novas técnicas de ensino.

“É um trabalho que não deixa de ser exigente para os professores”, salienta o responsável pela direcção. “Aprendemos no modelo convencional e fomos treinados para ser professores instrutores, portanto, não é de um dia para o outro que mudamos isto”.

A aposta na formação é essencial e Nuno Mantas reforça que não deixa de ser um trabalho constante: “Este ano recebemos 40 professores novos, sendo que alguns quiseram vir directamente para a nossa escola porque conheciam o modelo e fazia-lhes sentido trabalhar assim, mas muitos ‘caíram de pára-quedas’ e tivemos de os formar para entenderem o sistema”.

Menos reprovações e melhores resultados

As conclusões apresentadas pela Universidade Nova de Lisboa demonstram uma “tendência crescente de melhoria da qualidade dos resultados académicos” após a aplicação do PPIP nos sete estabelecimentos de ensino e os resultados divulgados pela Escola da Boa Água não são excepção.

Em 2020, a escola registou somente três reprovações, no segundo e terceiro ciclo, uma redução que Nuno Mantas descreve como “muito significativa”.

Armindo Serra sente que com o novo modelo de ensino “os alunos aprendem mais e conseguem ir mais longe”, sendo que, os estudantes que tinham classificações mais baixas “já não são os piores alunos”: “Quem se consegue ‘desenrascar’ ou tem competências para fazer outro percurso que não o convencional obtém bons resultados, ao contrário dos que se limitam a decorar a matéria”.

Mesmo para quem já não frequenta a escola, os benefícios são evidentes. André Neves e Mariana Nave, ex-alunos da Boa Água, não hesitam em afirmar que se tornaram mais autónomos e responsáveis ao estarem inseridos num projecto que permite o erro e valoriza a aprendizagem.

Ao transitar para o 10.º ano, numa escola com ensino tradicional, Mariana Nave confirma que se sentiu mais capacitada pelas competências que foi desenvolvendo: “Não diria que tenho melhores notas do que os meus colegas, mas tenho mais facilidade em acompanhar as aulas e gerir o meu tempo porque foi isso que me habituei a fazer”, admite.

Para André Neves foi “um pequeno choque” retomar as aulas expositivas, onde “o professor explica a matéria sentado numa cadeira” e sente falta do “trabalho em equipa”, uma das dinâmicas preferenciais do PPIP. “Muitas vezes, [na Boa Água] não dava pelo tempo passar porque estava a fazer as coisas ao meu ritmo. Agora [no ensino secundário], aborreço-me mais nas aulas e acabo por não ouvir metade do que é dito pelo professor”, confessa.

Na escola da Quinta do Conde, as vantagens de trabalhar com um método de ensino diferenciado estão à vista de toda a comunidade escolar. Nuno Mantas acrescenta que “tudo faz sentido” quando se consegue modificar a relação que os alunos têm com a escola: “Nós passámos a ter aulas de 100 minutos porque eles [estudantes] diziam que 50 minutos era pouco. Isso só revela o caminho que temos de continuar a percorrer ao nível da educação”.

Desde 2012 Manuais escolares substituídos por portáteis

Com os olhos postos no futuro, a escola tende a abraçar ideias que promovem o desenvolvimento e a interacção dos alunos. Desde 2012 que os manuais escolares deixaram de ter uma presença assídua nas mochilas dos estudantes, tendo sido gradualmente substituídos por portáteis que, aos olhos de Armindo Serra, conferem mais autonomia e interactividade ao percurso escolar.

Para além de implementar a tecnologia no meio educativo, o Edulabs, projecto responsável pela mudança, caminha de braços dados com o PPIP ao permitir que cada estudante acompanhe as aulas e desenvolva as tarefas de forma independente.

Por apresentar resultados positivos com a aplicação do PPIP, a escola passou também a integrar o MenSI, o projecto que permite que actue enquanto mentora de quatro estabelecimentos de ensino que pretendem alterar as práticas educativas.

“A ideia é motivar e aconselhar estas escolas para que não cometam os erros que nós, enquanto escola pioneira, cometemos no início. Assim, é possível que daqui a uns anos, este projecto abranja toda a comunidade educativa”, afirma Nuno Mantas.

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