Gonçalo Mar usa a sua arte para dialogar com o mundo. Os seus murais registam tempo e gentes
Não há quem passe no passeio junto à praia do Seixal que não se detenha para apreciar um mural virado para a Baía, homenageando Ti João, e para ler uma pequena nota explicativa sobre quem é aquele cidadão que se consagra quotidianamente ao bem da comunidade; diz o mesmo mural:
“João Pedro Fonseca Ramos, conhecido por todos na região como Ti João, assegura um notável trabalho, contribuindo para que a pequena praia fluvial do Seixal se tenha requalificado e se destaque pela limpeza do areal. O seu serviço espontâneo e altruísta, dedicado ao bem comum, é um exemplo de devoção genuína à comunidade.
“Esta obra é uma homenagem ao cidadão e ao seu delegado que nos serve a todos de exemplo. Obrigado, Ti João. Obra de Mar-gencalomar 1 – 02/20/21”.
Gonçalo Mar, o artista
O autor deste mural chama-se Gonçalo Mar, tem 46 anos e é do Seixal. “Posso dizer que a nossa arte é um alter ego, um avatar, sendo assim que nos conhecemos e dialogamos com o mundo”, explica. Juntou Mar ao seu nome, “porque é belo e dá-nos coisas boas”.
Entretanto, “o meu amigo Luís, que é proprietário do restaurante ‘100 Peneiras’, compreendeu o trabalho ligado à comunidade do TI João e decidimos contar a sua história. E ele deixou-me ser um bocado louco”.
“O meu trabalho – prossegue Gonçalo -, é um alerta para as realidades do quotidiano. Não é que eu me sinta superior, mas gosto de expressar as experiências que tenho da vida”. Quanto a procurar notoriedade com a sua arte, afirma: “Não, essa sinto que já a tenho. O grande objectivo é não perder o desejo da procura. Embora seja difícil que a nossa arte seja apreciada, a verdade é que há 20 anos que ela é válida”.
Gonçalo Mar acrescenta que consegue “sobreviver” com a sua arte, isto porque “é cada vez mais procurada”. Sobre ele e outros artistas que optam pela rua, comenta: “É notável porque nos aproximamos do homem sapiens, para fazer parte da História, para deixar legado”.
Luís Oliveira, o patrocinador
Tem, na rua central da parte velho do Seixal, um restaurante com um nome original: “100 Peneiras”. Do outro lado da rua, a esposa está à frente da gelataria “Acqua Seixal”, a mesma que ganhou a Medalha de Ouro do Concurso Nacional de Doçaria Tradicional, com o “Pastel da Fidalga”.
A decisão da homenagem a Ti João “parte de uma filosofia de negócio que assenta em marcas que contam histórias”, frisa Luís Oliveira. Por conseguinte, resolvemos contar a história de Ti João, uma pessoa que nos merece muito respeito, e pagar a arte de Gonçalo Mar”. E acrescenta: “O Gonçalo consegue expressar através da arte as nossas ideias. Além disso, é um artista local”.
Um desafio à Câmara
“Queremos lançar um desafio à Câmara Municipal: que se criem pontos, no Centro Histórico, onde se homenageiem pessoas que valorizaram a história do Seixal, integrados numa rota de arte urbana, que será, estou certo, muito procurada por quem nos visitar”.
E afiança, a terminar, o patrono do mural: “Essas pessoas percebem que há muita coisa, muita história, que não conhecem porque não estão representadas em lado nenhum”.
Ti João da praia limpa
Em Setembro de 2020, João Pedro Fonseca Ramos, conhecido entre os amigos como Ti João, com 83 anos feitos em Novembro, contou a O SETUBALENSE como depois de uma vida de trabalho veio para o Seixal para ficar junto do filho.
Ali se radicou e dedicou-se a limpar a praia na frente da Baía, à beira-Tejo. “Sim, por alta recreação, digamos que por amor à camisola, sem pedir nada em troca!”, contava então Ti João. Entretanto, a Câmara do Seixal soube do seu empenho desinteressado e atribui-lhe uma gratificação mensal de 150 euros.
“Dantes, chamavam a esta praia o pantanal: era um mar de ervas, canas, plásticos, latas, garrafas de cerveja, restos de tudo. Era horrível, ninguém vinha para aqui. Agora, vêm apanhar sol e dar um mergulho pessoas de todo o concelho”, dizia com algum orgulho.