Antes da ditadura de Salazar, o edifício da “Casa dos Pescadores” (no Largo José Afonso, em Setúbal), era a sede de um dos maiores sindicatos portugueses à época: a “Associação de Classe dos Trabalhadores do Mar de Setúbal”.
No dia 4 de fevereiro de 1923, foi o local escolhido para uma sessão pública em defesa da paz na Europa, numa altura em que o exército francês tinha ocupado o Ruhr, uma região da Alemanha rica em minas de carvão.
Nesse evento usaria da palavra uma figura cimeira do sindicalismo português, José Santos Arranha, então secretário-geral da CGT (Confederação Geral do Trabalho). Mas, “quando este conhecidíssimo propagandista se dispunha a iniciar a o seu discurso, apareceram ali alguns agentes da polícia que em nome da autoridade administrativa proibiram a continuação da sessão” [segundo O Setubalense, 05/02/1923, pág.1].
No espaço de uma semana, foram proibidas sessões idênticas em Almada e em Lisboa. A pretexto desta última, na sede da CGT, Santos Arranha foi aliás preso.
Ao todo, ele foi preso político pelo menos seis vezes, entre 1918 e 1927. Num traço de continuidade entre diferentes regimes, na repressão contra o movimento sindical: da ditadura de Sidónio Pais à 1ª República e à ditadura militar.
Nascido em 1891, em Caldas da Rainha, Santos Arranha foi secretário-geral da CGT em 1922/23. E foi director do diário sindicalista A Batalha, em 1925/26.
De ambos os cargos acabou por se demitir, no quadro das discórdias que nessa época dividiram o movimento sindical português. Discórdias sobretudo entre as correntes anarquista e comunista, mas também a nível interno de corrente anarquista – da qual Santos Arranha fazia parte.
Além da defesa da paz, uma prioridade da CGT sob a sua liderança foi a luta contra o agravamento do custo de vida. Para se ter uma ideia, o próprio governo republicano reconheceu que “a carestia dos géneros de primeira necessidade” atingia preços “exorbitantes” e que era “verdadeiramente aflitiva a situação de milhares de consumidores”. Admitiu mesmo que existiam muitos “casos de exploração intensamente gananciosa” e de lucros “excessivos” que estavam “semeando a miséria” [Diário do Governo (1ª série), 21/10/1922].
Neste contexto, o movimento sindical sofreu uma repressão agudizada: activistas presos, imprensa apreendida, sindicatos encerrados, reuniões dissolvidas.
Por outro lado, foi peculiar a sua acção de solidariedade: “em Outubro de 1922 os mineiros de Aljustrel declaram-se em greve, reclamando melhores salários, luta que sustentaram ininterruptamente até Janeiro seguinte”. A CGT organizou então o acolhimento temporário dos filhos destes trabalhadores em famílias de Beja e Lisboa, “para subtraí-los à fome e ajudar os pais na sua luta” [segundo Emídio Santana (1987), Memórias de um militante anarco-sindicalista, pág. 61].
Este processo repetiu-se em Lisboa e no Porto para apoiar trabalhadores em greve na Covilhã e S. Pedro da Cova, acolhendo no total algumas centenas de crianças.
Na região de Setúbal, destacam-se duas intervenções de Santos Arranha como secretário-geral da CGT: no apoio a uma greve de operários da indústria de conservas, em Setúbal; e na inauguração da “Casa dos Ferroviários”, no Barreiro – sede do importante “Sindicato do Pessoal dos Caminhos do Sul e Sueste”.
Uma outra nota da sua liderança, inovadora para os dias de hoje, foi defender a redução do horário de trabalho para 6 horas por dia.
Já no jornal A Batalha sob a sua direção, uma preocupação dominante foi o perigo de uma ditadura de tipo fascista.
Nos anos 1930, Santos Arranha viveu na Bélgica, de onde terá regressado para escapar à invasão nazi. Nos anos 1940, de novo em Lisboa, integrou um grupo anarquista clandestino. E manteve os seus ideais até falecer, em 1962.