Maria O’Neill, uma mulher socialista na 1ª República

Maria O’Neill, uma mulher socialista na 1ª República

Maria O’Neill, uma mulher socialista na 1ª República

“O seu cadáver foi lançado ao mar nas alturas de Pernambuco, com o ritual que é costume empregar-se em casos desta natureza” [contava O Setubalense, 04/04/1932, pág.8].

Assim desapareceram os restos mortais de uma figura ímpar do feminismo português, falecida aos 59 anos de idade, quando viajava de barco do Brasil para Lisboa.

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O seu nome era Maria O’Neill.

Salientou-se no «Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas», uma associação feminista fundada em 1914 (que acabaria dissolvida pela ditadura de Salazar).

Fez parte da comissão organizadora do 1º congresso feminista em Portugal (em 1924) e da Liga Abolicionista, uma associação (fundada em 1926) que pugnava pelo fim da prostituição.

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Escritora e de família abastada, até correspondia à imagem mais visível do feminismo europeu da época, protagonizado por intelectuais de classe média, particularmente minoritário num país como Portugal – onde cerca de 80% das mulheres eram analfabetas.

Mas a 1ª República recusou o direito de voto às mulheres. E esta desilusão levou Maria O’Neill a seguir um caminho diferente: em 1919 aderiu a um partido operário e marxista – o antigo Partido Socialista Português.

Dizia ela que “A mulher portuguesa trabalhou activamente na implantação da república, esperando que raíasse para ela uma aurora de libertação. Enganou-se e enganaram-na”. Na luta contra a monarquia, “a voz da mulher serviu na propaganda pública, a sua acção fez-se sentir no trabalho clandestino, mas, aproveitada como um instrumento, não lhe reconheceram capacidade para defender os seus direitos” [O Combate, 20/02/1920, p.1].

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Perante esta desilusão, Maria O’Neill concluia que “não há nenhum programa de partido político, em Portugal, que reconheça plenamente os seus direitos senão o do partido socialista, e nenhum onde as ideias sejam mais justas, amplas e humanitárias”, o que a leva a afirmar que “o futuro da mulher está, pois, no socialismo” [ibidem, 29.04.1919, p.3].

Além deste âmbito partidário, a ligação de Maria O’Neill ao movimento operário passou por conferências em diversos sindicatos e também em associações como A Voz do Operário – na qual  terá sido, em 1926, a primeira mulher eleita para os corpos sociais, como membro da comissão de instrução, educação e arte.

Assumiu também algumas responsabilidades no âmbito do Ministério do Trabalho. Foi  vogal (e única mulher) de uma comissão de promoção do mutualismo. E foi presidente da «Bolsa de Trabalho Feminino de Lisboa»: uma experiência de centro de emprego especificamente para mulheres.

N’O Setubalense

Entre 1921 e 1930, além de alguns poemas, O Setubalense publicou um artigo de Maria O’Neill em destaque na primeira página.

Aludia a uma proposta de lei sobre trabalho feminino, apresentada seis meses antes pelo governo. Mostrava-se descrente e desiludida. Alegava que já vários projectos haviam aparecido para ficar na gaveta. E mesmo os que chegavam a ser lei “não passam, a maior parte das vezes, de letra morta” [O Setubalense, 14/06/1921, p.1].

A 1.ª República portuguesa não era um caso isolado. A historiadora espanhola Gloria Nielfa assinala o “alto grau de incumprimento que se registou em diferentes países” à época, em matéria de legislação sobre trabalho feminino.

“Se nuns casos esse incumprimento se devia ao desejo de burlar a lei por parte dos patrões”, noutras situações a falha estava na “própria desconformidade” de leis em cuja elaboração as mulheres “não tinham tido nenhum tipo de participação e que muitas vezes não respeitavam os seus interesses” [Nielfa (2006), “La regulación del trabajo femenino”, p.346].

Perante esta realidade, o que Maria O’Neill expressou no O Setubalense foi um apelo no sentido das próprias mulheres se associarem e agirem em defesa dos seus direitos.

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