Já tinha acontecido antes, em 1918, sob a ditadura de Sidónio Pais. Mas dessa primeira vez foi um episódio breve: Luís Faria Trindade, então director do O SETUBALENSE, foi preso político.
Esteve incomunicável, durante um dia e uma noite. Até que foi libertado, sem chegar a ir a interrogatório. Em 1927 foi diferente. Imperava já a ditadura instaurada pelo golpe militar do 28 de Maio. E estava para durar quase meio século.
Mas em Fevereiro desse ano a ditadura tremeu. Revoltas armadas, em Lisboa e no Porto, tentaram pôr-lhe fim. E só com duros combates é que a ditadura as conseguiu esmagar. No meio da confusão desses dias, O SETUBALENSE atreveu-se a publicar uma edição sem passar pela censura prévia – que já estava em vigor. E as autoridades militares não perdoaram.
Este jornal foi logo punido com uma suspensão por 15 dias. Findo esse prazo, o seu director foi preso. Passou então cinco meses atrás das grades, primeiro em Setúbal e depois no Forte de Elvas.
Só depois dele sair da prisão é que O SETUBALENSE retomou a sua publicação regular, já em Agosto. Um ano depois, Luís Faria Trindade ainda foi a julgamento, num “Tribunal Militar Especial”. Estava acusado de envolvimento nos “acontecimentos revolucionários”, mas acabou sendo absolvido. II.
Os problemas com a ditadura, esses é que não acabaram ali. Mais de vinte anos depois, a 24 de Fevereiro de 1951, a direcção central dos serviços de censura mandava exercer “uma Maio vigilância” sobre O SETUBALENSE, considerando que nos seus editoriais andava a falar demais em problemas sociais como “a crise piscatória, a miséria, a falta de pão”.
Para os ditos serviços, mencionar tais problemas era veicular “reflexões doentias”, a que se tornava “necessário pôr cobro” (Arquivo Nacional Torre do Tombo, Secretariado Nacional de Informação, Censura, Caixa 740). Mas no O SETUBALENSE continuava-se a tentar furar as malhas da censura.
Em Abril desse ano, 1951, faleceu o professor Joaquim Martins dos Santos. Havia sido director de um antigo jornal operário desta cidade, o Germinal – um jornal que havia dado voz a ideias anarquistas e revolucionárias ainda no tempo da monarquia e nos primeiros anos da República.
Luís Faria Trindade representou O SETUBALENSE no funeral. E na notícia que aqui se publicou dois dias depois, aludiu-se da forma possível à falta de liberdade de expressão, ao se mencionar que “no presente não é permitido usar-se da palavra no cemitério”.
Mas um colaborador do O SETUBALENSE havia confiado à redacção o elogio fúnebre que ali gostaria de ter pronunciado, o qual foi publicado em anexo à notícia, com uma letra mais miudinha. Entre outras coisas, afirmava que o antigo Germinal, “semanário que Martins dos Santos fundou e sustentou com muito sacrifício”, não tinha sido “um órgão de combate intransigente, propagando doutrinas revolucionárias ou agitadoras contra a ordem social ou contra a pátria”.
Mas que “antes pelo contrário”, tinha sido “sempre um jornal doutrinário, é certo, mas dentro dos bons princípios democráticos, sociais e até religiosos” (O SETUBALENSE, 21/04/1951, p.3).
Tenha-se presente que aos resistentes antifascistas com ideais de justiça social mais avançados, como comunistas e anarquistas, era uso a PIDE os acusar de serem, precisamente, uns “agitadores contra a ordem social ou contra a pátria” … III.
Luís Faria Trindade tinha surgido, em 1916, como re-fundador do jornal O SETUBALENSE, que então reapareceu como bissemanário, após um longo interregno de várias décadas sem se publicar. E terá sido ele o “motor” que tornou possível este jornal tornar-se diário, em 1918.
Manteve-se como director e proprietário de O SETUBALENSE até 1944, quando vendeu a empresa. Mas não permaneceu afastado por muito tempo. Sob a nova gerência, O SETUBALENSE apostou numa transferência para Lisboa, onde passou a ser editado. E até numa mudança de nome.
Não terá tido uma opção bem-sucedida e acabou por suspender a publicação ao fim de alguns meses. Um ano depois, O SETUBALENSE renasceu de novo. Regressou a Setúbal e às mãos de Faria Trindade, agora como funcionário e uma espécie de sub-director. Até 1955.
Afastou-se então, quando já estaria com uns 70 anos de idade. Mas ainda terá estado envolvido num novo projecto de jornalismo regionalista, o semanário Gazeta Setubalense. Faleceu no dealbar de 1963. Luís Faria Trindade tinha sido também dirigente da Associação Operária de Socorros Mútuos Setubalense e correspondente regional do diário O Século. IV.
Além da promoção do desenvolvimento do concelho de Setúbal, dois outros traços ressaltam na orientação que Luís Faria Trindade imprimiu ao O SETUBALENSE: o pluralismo ideológico e um horizonte alargado à península de Setúbal.
Na década de 1920, este jornal era assumidamente republicano, embora sem carácter partidário. E como que vincando a sua independência, teve vários anos a sua redacção chefiada por uma figura histórica do antigo Partido Socialista Português (Manuel Luís de Figueiredo) e contou ao mesmo tempo com um redactor monárquico e conservador (Óscar Pacheco).
Acerca do horizonte regional, recorde-se que com base na estrutura do O SETUBALENSE, nomeadamente a sua tipografia própria, Faria Trindade foi também fundador do jornal O Sesimbrense (em 1926) E lançou o jornal O Almadense. (em 1928).
*Luís Carvalho – Investigador