Já pode ouvir “O Estrangeiro”, o primeiro single do terceiro álbum da dupla de músicos setubalenses, João Mota e Pedro Franco, que abre caminho para o que aí vem. O Setubalense/Diário da Região esteve à conversa com Um Corpo Estranho, cujo disco “Homem Delírio” é lançado em CD e nas plataformas digitais a 22 de Março.
João Mota e Pedro Franco conhecem-se desde que se lembram. São de Setúbal, e definem-se como “contadores de anti-estórias”. Depois do disco de estreia “De não ter tempo”, editado em 2014, seguiu-se “Pulso”, em 2016, e chega agora “Homem Delírio”, editado pela Malafamado Records com o apoio da Fundação GDA. Para além da criação de discos, destacam-se também na criação de peças musicais para teatro físico. “A Velha Ampulheta”, “Qarib” e “A Almofada da Paula”, baseado na obra da pintora Paula Rego, têm a marca Um Corpo Estranho.
“Eu e o Pedro conhecemo-nos desde sempre, crescemos juntos. Somos amigos já desde a adolescência. Passámos uns bons anos sem nos vermos e em meados de 2008/2009 voltamos a encontrar-nos. Nessa altura, o Pedro tinha uns temas no baú que gostava de trabalhar e desafiou-me. Trabalhamos juntos desde essa altura”, começa por contar João Mota a O Setubalense/Diário da Região. “É natural para nós trabalharmos juntos, compormos e fazermos canções juntos. Temos tido boas surpresas mas nunca chegamos a toda a gente que queremos chegar. A continuidade do trabalho é sempre nesse sentido”, adianta. Sobre o novo disco, João Mota refere que “de repente o projecto em si, ou a estética do que é Um Corpo Estranho, começou a mudar e agora sentimos a necessidade de fazer uma coisa diferente, uma ruptura com o trabalho que fizemos desde o início” e acrescenta ainda que este momento de viragem se encontra reflectido “nas temáticas, na música, na própria estética musical”.
Por seu turno, Pedro Franco considera que o Homem Delírio “acaba por ser uma fusão daquilo que temos feito nos discos e no teatro físico”. A direcção está a cargo de Ricardo Mondim e João e Pedro serão também personagens da peça de teatro.
Em canções contam-se histórias, em histórias ouvem-se canções
Os discos do duo setubalense fazem-se sobretudo de canções. “Cada uma tem a sua temática, são discos normalíssimos de canções, onde no final tentamos arrumar as coisas de forma a que faça tudo parte do mesmo universo”, explica João Mota a O Setubalense/Diário da Região, adiantando que “ao longo do processo de todas as bandas sonoras que fizemos para teatro físico foi interessante reparar que existia uma narrativa. Os temas estavam ligados uns entre os outros e havia todo um sentido, que no fundo estávamos a servir uma narrativa que ia ser depois demonstrada em palco. Neste “Homem Delírio”, não sei se por querer, ou sem querer, acabou por ser da mesma maneira e esta é uma das principais diferenças deste disco em relação aos outros”.
Este novo trabalho discográfico é apresentado ao vivo, no dia 11 de Maio, no Cine-teatro São João, em Palmela, pela mão de Ricardo Mondim e da associação Passos e Compassos, com figurinos de Zé Nova, num espectáculo que desafia todos os seus intervenientes e junta a música e o teatro para um encaixe perfeito. “Fizemos o disco, lançámos o desafio ao Ricardo. Ele pegou na ideia e através dos temas começou a criar uma narrativa. Os temas servem a história do espectáculo ao mesmo tempo que o espectáculo também serve a história que está nas canções. Está a ser um desafio para ambos os lados”, revela João, acrescentando que ambos estarão presentes em palco, sendo parte da narrativa. “Estamos todos fora de pé mas isso torna-se um desafio. Não damos um concerto normal nem o Ricardo faz uma peça normal, e isso é aliciante para ambos os lados”, considera Pedro.
Um Corpo Estranho é resultado de trabalho colectivo
Além do duo Pedro e João, que formam Um Corpo Estranho, o álbum que estreia no dia 22 de Março conta com a participação de Sérgio Mendes, na produção e na guitarra, e com músicos convidados como Celina da Piedade, no acordeão, e Paulo Cavaco, no piano. “O Estrangeiro”, o primeiro single deste “Homem Delírio”, cujo vídeo foi realizado por António Aleixo e produzido pela Garagem e Souza Filmes, já está disponível nas plataformas digitais e a dupla, que convida todos a ouvir e a conhecer esta nova música, tem “recebido um feedback muito positivo”.
“Nós somos dois no Um Corpo Estranho mas somos de Setúbal e crescemos com uma comunidade de amigos. Este projecto, apesar de sermos só dois, é uma celebração dessa comunidade e amizade. E é ao mesmo tempo uma coisa bonita trabalhar com quem temos em Setúbal”, refere Pedro Franco, e João Mota acrescenta: “apesar de sermos dois, temos à nossa volta mais dez ou quinze pessoas. Escrevemos as canções e damos liberdade criativa absoluta a quem trabalha connosco. Torna-se uma relação simbiótica porque eles dão o ‘input’ à parte do universo que nós não sabíamos o que era. É um processo colectivo, mesmo começando sempre comigo e com o Pedro”. Ambos encontram neste método de trabalhar entre amigos a maneira certa de fazer as coisas, frisando o potencial artístico que a cidade de Setúbal possui. “O nosso primeiro EP foi lançado pela Experimentáculo, do Pedro Soares, e temos vindo a trabalhar sempre com o António Aleixo, o Pedro Estevão Semedo e o Mário Guilherme, da Garagem, sem esquecer o João Bordeira, o Sérgio Marçalo que tratou da parte gráfica nos discos anteriores, entre outros. Este projecto é também uma celebração desta amizade, uma vez que são pessoas que sempre estiveram por cá, que conhecemos há muitos anos e este sentido de amizade depois transparece no trabalho e faz com que tudo seja natural”, concordam.
A parte visual ficou a cargo da artista plástica Rita Melo, que foi tendo acesso às músicas e pintou a capa do disco à medida que João e Pedro compunham os oito temas que deram origem a “Homem Delírio”. A completar este espírito de comunidade, a trabalhar entre amigos estão também Rui David, na fotografia, e Leonor de Almeida, no design gráfico.
Porque é que o João e o Pedro são “Um Corpo Estranho”?
Ambos confessam que no início não sabiam responder. Com o tempo a passar, torna-se cada vez mais fácil de explicar porque é que João e Pedro são, afinal, Um Corpo Estranho. “Acho que a forma mais honesta de responder é dizer que de todos os nomes que nos lembrámos foi o primeiro que nos soou. Mas, com o tempo, acho que começa a fazer cada vez mais sentido”, diz João Mota. “As composições e o trabalho que fazemos saem sempre, ou pelo menos inicialmente, de duas cabeças, o que logo à partida já é um corpo estranho”, adianta.
No processo de criação, são envolvidas muito mais pessoas. Na tentativa de extrapolar o que as canções querem dizer, várias são as mentes criativas a trabalhar. O produto final é resultado do trabalho e da criatividade de várias pessoas, o que o torna um corpo ainda mais estranho e uma confirmação de que tendo em conta o processo de trabalho não haveria nome que mais sentido fizesse. “Temos uma zona comum de gostos mas ele gosta de um tipo de música, eu gosto de outro. Às vezes, faço uma canção, entrego ao João e quando ele devolve já não é bem aquilo que eu fiz. As canções que resultam do trabalho dos dois no final não são o meu território nem o dele. São outro e é esse sítio a que não conseguiríamos chegar lá sozinhos e que só funciona porque o nosso trabalho se faz a meias que é esse corpo estranho”, remata Pedro Franco.
Foto: Rui David