Em 1916, uma das pessoas que colaboraram na reaparição do jornal O Setubalense foi Eduardo Metzner. Contribuiu com um artigo que terá sido “muito apreciado”, com o título “Saudação a Setúbal”.
Era um poeta de intervenção. “Antigo seminarista, abandonou a carreira eclesiástica, tornou-se um dos mais audazes panfletários contra a monarquia”. E seria então “muito conhecido” nesta cidade [O Setubalense, 13/02/1922, p.1 e 21/02/1922, p.4].
Caiu no esquecimento, mas marcou o seu tempo. Saltou para a ribalta quando foi preso político sob a ditadura de João Franco, na fase final do reinado de D. Carlos. Segundo diferentes relatos da época, foi preso quando estava à conversa com alguns amigos, numa rua da baixa de Lisboa.
Terá criticado um recente caso de repressão. Um agente da polícia que ia a passar ouviu a conversa… Metzner já ia sendo conhecido como poeta libertário… “Ganhou” oito dias de prisão, dos quais quatro incomunicável. Não tinha mais que 18 ou 20 anos de idade.
Corria o ano de 1907. Como muitos anarquistas à época, Metzner estava algo seduzido pela propaganda republicana. Chegou até a homenagear o dirigente republicano Afonso Costa com a dedicatória de um poema.
Mas no ano seguinte já marcou a distância, ao publicar um volume intitulado «A República é uma mentira política: resposta ao opúsculo de Bernardino Machado “Só a República é a verdade”». Não deixou todavia de visar o regime que ainda vigorava. Em 1909, Metzner lançou o jornal A Revolta.
Durou pouco tempo, mas foi mais uma estocada na monarquia. Logo no primeiro editorial apontava o dedo: “a sociedade portuguesa desconjunta-se e precipita-se num abismo de corrupção” [A Revolta, 26/09/1909, p.1]. Metzner entusiasmou-se depois foi com a Revolução Russa de 1917.
Teve aliás um importante papel na sua divulgação em Portugal, ao traduzir a “Constituição Política da República dos Sovietes”, à qual acrescentou (na 3.ª edição) um texto de Trotsky, em jeito de prefácio. De sua autoria, Metzner publicou A verdade acerca de Revolução Russa (em 1919).
Trata-se de um livro bastante documentado e com um certo sentido crítico. Se apontava essa revolução como “a mais espantosa transformação social de todos os tempos”, não deixava de lhe reprovar alguns “excessos” e “abusos contra a Liberdade”.
Como outros anarquistas, teve então uma certa aproximação ao antigo Partido Socialista Português. Chegou a ser redactor do diário socialista O Combate. Mas no final de 1920, Metzner surgiu como um dos fundadores do Partido Comunista Português. Foi aliás ele quem presidiu à primeira reunião da “comissão organizadora” deste então novo partido.
Ironia do destino, essa reunião realizou-se no mesmo edifício onde depois funcionaria a sede da PIDE. Na altura era a sede do sindicato dos caixeiros de Lisboa. A polícia dissolveu a essa reunião alegando que não tinha sido previamente autorizada pelo governador civil, e porque na sede de um sindicato não se podiam discutir “assuntos políticos” [O Mundo, 23/12/1920, p.2].
Parecia afinal a República que Metzner já tinha antevisto em 1908? Nesta altura, ele já estaria doente. Faleceu quatorze meses depois, não tinha mais de 35 anos. Foi vítima de tuberculose, como tanta gente naquele tempo.
Em Março de 1921, ainda foi eleito para a “Comissão de Educação e Propaganda” do PCP. E ainda teve um papel importante na divulgação do novo partido. O seu funeral saiu da sede do sindicato dos jornalistas, com a respectiva bandeira a cobrir-lhe o caixão.
O cortejo para o cemitério terá sido acompanhado por “perto de 500 pessoas” [O Setubalense, 22/02/1922, p.7]. A ilustrar este artigo está uma caricatura de Eduardo Metzner por Almada Negreiros [Diário de Lisboa, 20/02/1922, p.5].
*Investigador