Bento de Jesus Caraça, um marxista em Setúbal

Bento de Jesus Caraça, um marxista em Setúbal

Bento de Jesus Caraça, um marxista em Setúbal

Bento de Jesus Caraça é uma das grandes referências intelectuais portuguesas do século XX. Deixou um relevante legado na defesa do conhecimento científico e sua divulgação. Bem como na defesa da paz e da justiça social.

Isto além de ter sido um expoente da resistência antifascista. Duas vezes preso político e proibido de exercer o seu ofício de professor, sob a ditadura de Salazar.

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Um dos meios que ele privilegiou para difundir o seu pensamento foi a conferência pública com um cariz didáctico, dirigida sobretudo a audiências populares e operárias.

Era esse o tipo de conferência característico da Universidade Popular Portuguesa, fundada, em 1919, pelo professor António Ferreira de Macedo, com outros notáveis pedagogos portugueses da época como Adolfo Lima e Francisco Reis Santos.

Bento Caraça era muito próximo de Ferreira de Macedo. Ligou-se a este projecto desde o início. E assumiu mais tarde a sua liderança.

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Pois uma das suas conferências, porventura mais importantes, foi proferida em Setúbal. Aconteceu no dia 22 de Março de 1931. E O Setubalense esteve lá. No dia seguinte, dava esta notícia:

“Na sede da Sociedade Promotora de Educação Popular, agremiação que à causa da instrução tem prestado relevantes serviços, e perante uma assistência regular, realizou ontem uma interessante conferência subordinada ao tema «As Universidades Populares e a Cultura», o sr. dr. Bento de Jesus Caraça, distinto professor do Instituto Superior de Sciencias Económicas e Financeiras.

O ilustre conferencista dissertou largamente sobre instrução, tendo o seu trabalho sido premiado com uma longa salva de palmas” [O Setubalense, 23/03/1931, p.4].

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A nível local, esta conferência representou o relançamento da Universidade Popular em Setúbal, depois de já aqui ter sido criada uma secção local em 1924 (e outra no Barreiro em 1921).

Além disso, nesta conferência Bento Caraça clarifica e defende um modelo de trabalho cultural que viria a ser uma importante faceta da resistência antifascista. Num contexto em que não se podia falar abertamente de política, intelectuais democratas participaram em inúmeras iniciativas culturais em colectividades populares de norte a sul do país, semeando conhecimento e pensamento crítico.

Um terceiro aspecto desta conferência em Setúbal é que nela Bento Caraça assume explicitamente a referência teórica marxista. Fá-lo para expor o conceito de cultura que advoga, o qual “compreende o máximo desenvolvimento das capacidades intelectuais, artísticas e materiais encerradas no homem”.

Daqui aborda a desigualdade e a injustiça de classe social. Condena “a detenção da cultura como monopólio de uma elite” e denuncia que “a cultura tem sido e é o monopólio de um grupo – a classe burguesa – que, por virtude da organização social, torna inacessível a sua aquisição à massa geral da humanidade”.

Perante isto, a tarefa de uma Universidade Popular é contribuir para tornar a cultura acessível à classe trabalhadora.

Numa altura em que os antigos sindicatos livres ainda não tinham sido dissolvidos pela ditadura, Bento Caraça defende que “às organizações sindicais cabe um papel enorme nesse trabalho de libertação, promovendo intensamente a cultura dos seus membros”.

Uma nota final sobre a colectividade em que teve lugar esta conferência: a sociedade Promotora de Educação Popular de Setúbal tinha então 85 crianças, a frequentar as suas aulas diurnas, “funcionando, ainda, aulas nocturnas, para operários” [O Século, 18/01/1931, p.15].

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