Unidade em Setúbal nasceu de um projecto de investigação com apoio de fundos europeus. Tem maternidade, depuradora e viveiros
O produtor de bivalves Aquanostra, sediado em Setúbal, é responsável pela “única maternidade comercial na Europa a produzir ostra plana”, uma espécie endémica da costa portuguesa e que tem um valor de mercado “cerca de três vezes superior ao da ostra japonesa”.
Neste momento, a empresa – cuja maternidade, depuradora e viveiros se localizam nos arredores de Setúbal – tem em curso três investimentos com a finalidade de criar viveiros em tanques de terra capazes de evitar que as ostras sejam atacadas por doenças; viabilizar a produção na costa do Algarve; e minimizar o impacto das estruturas de produção no ecossistema.
É na maternidade que tudo começa, conforme explica António Correia, formado em Biologia, mestre em Aquacultura e responsável de produção da Aquanostra. “A produção de ostras é feita num ambiente extremamente controlado.
É um processo microscópico e que implica produzir microalgas para alimentar as ostras reprodutoras. A fecundação é feita no exterior e daí nasce uma larva que se vai desenvolvendo.
Quando estão prontas, são mudadas para outro sistema e fixam-se individualmente em partículas de concha moída, fazendo, a partir daí, a metamorfose que lhes cria a concha exterior. Leva um ano e quatro meses desde que uma ostra nasce até que está pronta a consumir”.
A empresa garante trabalhar apenas com “reprodutores da melhor qualidade” e utilizando protocolos e métodos de produção desenvolvidos em projectos próprios de investigação e desenvolvimento para “obter semente de qualidade e ter sucesso na reprodução das espécies de ostras”.
São elas as duas principais espécies consumidas em Portugal – a Ostrea edulis (plana) e a Crassostrea gigas. Da maternidade, instalada num armazém do Centro Empresarial Sado Internacional, as ostras seguem posteriormente para a unidade de crescimento e engorda.
A unidade localiza-se na Mitrena, no Estuário do Sado, e ocupa 10 tanques de cultivo (uma área equivalente a 18 campos de futebol). É aí que as ostras crescem, “de forma extensiva, em águas ricas e férteis”, “em conjunto com diversas espécies de peixes num harmonioso sistema de cultivo integrado multi-trófico”, descreve a Aquanostra.
Todo o projecto assenta nos pilares de qualidade e inovação, o que segundo o responsável “permite entender cada vez melhor as dinâmicas das ostras e do habitat em que estão inseridas”.
Projecto de investigação
Foram precisos três anos de investigação para a equipa da Aquanostra descobrir as condições ideais necessárias à reprodução da ostra plana. Esse trabalho começou em 2013, quando António Correia voltou para Portugal após concluir um mestrado em Aquacultura numa universidade espanhola.
“Nessa altura comecei a procurar trabalho na área da aquacultura. Interessei-me pelos bivalves e fiz um estágio sobre reprodução de bivalves no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), em Tavira”, conta a O SETUBALENSE.
“Quando o meu colega Guilherme voltou dedicámo-nos à reprodução de bivalves e percebemos que havia potencial para a produção de ostras, mas que não havia grande fornecimento da semente de ostras. Os produtores, em geral, compram a semente de ostra a produtores franceses. Portugal é praticamente usado como uma zona de engorda da ostra francesa, e até há muitos franceses que têm zonas de produção cá”, explica.
Identificando a margem de oportunidade, acharam então que seria interessante criar uma maternidade de ostras em Portugal. António explica que a espécie de ostra mais produzida é a Crassostrea, que tem duas espécies: a angulata (ostra portuguesa) e a gigas (ostra japonesa), produzida em França.
“Inicialmente, a primeira ideia era produzir ostra portuguesa. Entretanto, ganhámos mais conhecimento sobre a indústria e percebemos que seria complicado concretizar o potencial dessa ostra, uma vez que é um produto igual ao da ostra japonesa e há maternidades gigantes em França. Nunca teria lógica competirmos, por causa da escala e investimento que eles têm”.
Durante o projecto de investigação – financiado pelo programa europeu PROMAR e feito em parceria com o IPMA e o Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve – os investigadores desenvolveram protocolos para a reprodução de ostras e testaram-nos com várias espécies, obtendo “muito bons resultados com a ostra Ostrea edulis (ostra plana)”.
Esta ostra, explica António Correia, “é natural da costa portuguesa tem um valor de mercado cerca de três vezes superior ao da ostra japonesa”. E “enquanto a ostra portuguesa (angulata) é muito parecida à japonesa em aspecto e sabor, a ostra plana é muito diferente. Têm biologias completamente diferentes”.
Com resultados positivos alcançados, avançaram para a ideia de negócio, fechando contrato com o actual investidor. Em 2016, compraram os viveiros na zona da Mitrena.
Hoje, a Aquanostra controla “o ciclo todo”, desde a produção de sementes de ostras ao crescimento e engorda, passando pela distribuição para depuradoras, revenda, exportação – área em que Hugo Castillo é responsável –, canal HORECA (hotéis, restaurantes e cafés) e cliente final.
A empresa foi a primeira no País a entregar bivalves em qualquer parte da Península Ibérica em menos de 24h.
Investimento em inovação
A Aquanostra tem em curso três investimentos com vista à inovação e sustentabilidade da sua produção. Um deles passa por apostar num viveiro em tanques de terra, capaz de evitar a principal patologia que afecta as ostras (um vírus).
Este trabalho está a ser desenvolvido em parceria com investigadores internacionais. Outro dos investimentos permitirá reduzir o impacto das estruturas de produção nos viveiros localizados no Estuário do Sado.
“A solução passa por suspender as ostras, eliminando as mesas metálicas em que são deitadas e os sacos de rede plástica. Isto é bom para o ecossistema e para nós, porque as estruturas têm custos. Reduzindo a estrutura conseguimos optimizar a produção”, diz António.
O terceiro investimento diz respeito à viabilização da produção de ostras em mar aberto, ao largo da costa algarvia, com o apoio de um parceiro local. “A produção de ostras em mar aberto requer muito desenvolvimento de tecnologia e dos princípios biológicos da produção.
A ostra Crassostrea está adaptada a ambientes estuarinos e habituada a ter momentos de exposição ao ar e momentos de submersão e precisa disso para crescer de forma correcta e saudável.
Em mar aberto não tem movimento, nem exposição ao ar, por isso é bastante complicado”. Ultrapassando estas condicionantes, a produção em mar aberto “tem um potencial quase ilimitado, porque pode estender-se por centenas de hectares, diz o responsável de produção.
Produção sustentável
António Correia sublinha ainda que – ao contrário de outros tipos de aquacultura, como a piscícola, por exemplo – “qualquer produção de ostras é extremamente sustentável, porque está a fornecer alimentos da base da cadeia alimentar e porque limpa as águas em que se insere, em vez de as poluir”.
“As ostras alimentam-se da produtividade primária, ou seja, filtram os microorganismos existentes na água. Há inclusive projectos de recuperação ambiental que assentam na introdução de bivalves em rios com demasiada concentração de microorganismos”, exemplifica.
O responsável reconhece, ao mesmo tempo, que “a maior parte da produção de peixe tem impacto nos ecossistemas, porque se insere muita matéria-orgânica e isso prejudica o habitat”.
E acrescenta que outro impacto muito significativo que a produção de ostras pode ter é a introdução de doenças. Os ecossistemas podem sofrer com a introdução de sementes de ostras vindas de fora com doenças exóticas e com a putrefacção causada pela mortalidade destes seres vivos”.
Exportação ‘Start-up’ com ambição
Hugo Castillo lembra que a Aquanostra é uma ‘start-up’ com ambição e revela, a O SETUBALENSE, que a estratégia seguida tem dado resultados promissores.
Neste momento, a empresa exporta uma parte substancial de bivalves para mercados europeus como a Inglaterra, Espanha, Holanda e Grécia.
No horizonte, está a chegada à China. “Temos o conhecimento, o investimento e as condições certas para continuar a crescer”, acredita o responsável e sócio da empresa, em conjunto com António Correia.