Foi uma mulher que marcou a cultura musical no Portugal do século XX.
Em diferentes facetas: de professora a intérprete (pianista), de compositora a maestra, além de jornalista especializada.
Chamava-se Francine Benoit e afirmou-se numa época – anos 1920 – em que o meio musical português “era dominado por homens”, como sublinha Helena Lopes Braga – na dissertação de mestrado que lhe dedicou, em 2013.
Outro aspecto da biografia de Fracine Benoit é a sua acção cidadã, na oposição à ditadura de Salazar.
Em 1945, esteve entre as primeiras mulheres a apoiar publicamente o Movimento de Unidade Democrática (MUD).
Fez parte de duas associações feministas que acabaram dissolvidas pela ditadura, o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e a Associação Feminina Portuguesa para a Paz.
E foi também um elemento activo na Universidade Popular Portuguesa e na sociedade A Voz do Operário.
Depois do derrube da ditadura, e já octogenária, Francine Benoit ainda foi eleita para o conselho nacional do Movimento Democrático de Mulheres (MDM).
Faleceu em 1990, aos 94 anos de idade.
E permanece uma referência para o MDM, como “uma destacada intelectual, progressista, e lutadora pela emancipação das mulheres”.
Setúbal
Um traço da biografia de Francine Benoit é a sua ligação à cidade de Setúbal, onde viveu nos seus verdes anos.
Nascida em França, em 1896, era filha de pai francês e de mãe belga. Teria já 11 anos quando se mudou para Portugal. O seu pai veio trabalhar numa fábrica de conservas de peixe, em Setúbal. E nesta cidade, a família se terá radicado “pouco tempo depois do regicídio” – ocorrido a 1 de fevereiro de 1908.
Alguém recordou anos mais tarde, no O Setubalense:
Foi aqui, “na nossa cidade, onde a conhecemos bem pequena e onde permaneceu durante anos, vivendo com seus pais numa casa do Campo do Bomfim”. Era “filha de um empregado superior da casa industrial Léon Delpeut, então vítima de um desastre, de que morreu em Setúbal” [O Setubalense, 11/01/1936, p.4].
Nesta região, já foi atribuído o nome de Francine Benoit a uma rua de Fernão Ferro, no concelho do Seixal.
Seara Nova
Entre os inúmeros artigos de imprensa que Francine Benoit publicou ao longo de décadas, está a sua colaboração esporádica na Seara Nova, cujo centenário está sendo comemorado.
Ela publicou o seu primeiro texto nesta revista em 1931, numa altura em que ainda poucas mulheres ali marcavam presença. Esse seu texto foi aliás a única intervenção feminina num debate que ali se desenrolava sobre o “panorama musical português”. E a resposta que obteve é certamente ilucidativa da desegualdade de género que enfrentava.
O cavalheiro com quem Francine Benoit tentou debater ideias respondeu-lhe que a sua intervenção se equiparava – passo a citar – a um “qualquer bordado caseiro” e constituía um exemplo da “eterna superficialidade feminina, quando pretende exercer sobre o homem o poder da sua dialéctica inconsistente, polvilhada de lacunas” [Seara Nova, 17/09/1931].
Na Primavera de 1937, Francine Benoit ressurgiu na Seara Nova com mais três artigos. Num deles, deixou bem claras as suas preocupações de democratização da cultura e de justiça social. Falando de concertos de música clássica, defendeu a necessidade de adequar horários e programas para alargar o público aos “modestos empregados, os pequenos comerciantes, os trabalhadores de tantas artes e ofícios medianos, os verdadeiros anónimos” [S.N., 13/05/1937].
Uma década depois, Francine Benoit assinou o artigo principal de um número da Seara Nova. Um texto dedicado ao pianista Viana da Mota [S.N., 05/06/1948].
E em 1967 a Seara Nova publicou o discurso de Francine Benoit numa comemoração do centenário doutro pianista, Tomás Borba, por sinal, seu antigo professor de música [S.N., fevereiro 1968].
*Investigador