Uma Reportagem sobre as condições da prostituição passou na televisão há poucos dias. A atualidade do tema tem que ver com mais uma Petição entrada no Parlamento que pretende a legalização da prostituição e a despenalização do lenocínio, alterando o artigo 169º do Código Penal. Desta vez, a primeira peticionaria é uma mulher, jovem, mãe de dois filhos, que diz ter duas Casas de Mulheres onde as prostitutas estão de livre vontade e de quem recebe 50% do que ganham por dia. Estamos, como ela se designa face a uma empresária do sexo e perante uma prática de lenocínio, punível pela lei portuguesa. Note-se que a atividade da prostituição não é crime em Portugal, como insidiosamente se faz crer.
Foi uma Reportagem bem feita, aberta ao contraditório, e muito útil. Pôs a descoberto o mundo difícil e negro das mulheres que entram na prostituição. Um mundo que importa desvendar e não dourar. É arrepiante ouvir as histórias. As várias intervenientes contaram suas experiências de viva voz. Como entraram e sonharam sair. Como mantém o sonho de ter uma família e sair deste mundo. Umas, dizem que a princípio foi difícil, mas habituaram-se. Aprenderam a fingir. A mentir. A defender-se, face aos sempre imprevisíveis encontros. Para todas, foi a única porta aberta quando se viram sós, sem emprego, sem salário, abandonadas e violentadas, incapazes de manter uma renda de casa, alimentar e garantir a subsistência dos filhos. Desesperadas e em pânico, sós, cheias de dívidas, prestes a perder tudo. Com infâncias sofridas e humilhantes, fragilidades ao longo da vida, privações económicas no limite. Vivendo no pântano da miséria, viram na prostituição a saída.
Curiosamente, as entrevistadas reconhecem que “infelizmente” entraram muito jovens e querem “evitar que suas filhas venham a entrar”. Mulheres que dizem que “ninguém está nisto porque quer”, que “é muito perigoso” e, mesmo reconhecendo toda a violência, calam-se porque não querem que lhes tirem os filhos. Dramas imensos.
Por estas razões, é hipócrita defender a legitimação da prostituição na base do consentimento pois que o consentimento /aceitação esconde uma tradição de opressão das mulheres que, todavia, perdura.
Um fenómeno tão “antigo como o mundo”, diz-se, para se pensar que é inelutável. Porém, foi a luta dos povos que acabou com a pena de morte, a escravatura e nestes tempos a nossa esperança é acabar com as múltiplas violências que tanta tinta e lágrimas fazem correr. Ligado muitas vezes ao tráfico de seres humanos, o crescimento dos mercados da prostituição com mulheres, crianças e menores de idade, é um negócio transnacional altamente rentável e cujas redes atuam também perigosamente no nosso país.
Reforçar a luta contra a legalização do lenocínio e aumentar a participação na recusa desta petição é um desígnio cívico dos nossos dias. Pela igualdade e os direitos humanos, torna-se agora ainda mais imperativo que o Governo se obrigue a tomar medidas concretas de prevenção e proteção das mulheres e a estabelecer programas que lhes permita deixar a prostituição, com os apoios de inserção e protecção social adequados.
Não é de mais referir que a prostituição é uma Violência e que estas mulheres correm um ainda maior risco de violência e danos. Para elas não há programas específicos. A grande maioria sofreu violência antes de entrar na prostituição, por violação, incesto ou pedofilia. São conhecidas as queixas de stress e outros desequilíbrios e o relato de processos mentais de grande gravidade.
A prostituição anda de mãos dadas com a pobreza e a necessidade de angariação de meios de subsistência. Não é admissível, para quem luta pela igualdade, justiça social e desenvolvimento humano, permitir que a intimidade e a sexualidade possam ser os meios de subsistência de qualquer ser humano. A prostituição é incompatível com a dignidade da pessoa humana e com os seus direitos fundamentais, plasmados na nossa Constituição a que o Código Penal se subordina.
A Reportagem da Patrícia Lucas no Linha da Frente não deixa mentir. Escancara uma realidade a que não podemos ficar indiferentes. Nem nós como cidadãs e cidadãos, nem o Estado, nem o Governo, que está obrigado a cumprir todo o nosso ordenamento jurídico. Por parte do Movimento Democrático de Mulheres, aliaremos a nossa acção para que jamais o negócio da prostituição engrosse as receitas dos empresários e das empresárias do sexo com a violência e a exploração sobre as mulheres.