9 Agosto 2024, Sexta-feira

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Ter-se-á o Natal perdido?

Ter-se-á o Natal perdido?

Ter-se-á o Natal perdido?

23 Dezembro 2022, Sexta-feira
Eugénio Fonseca - Presidente do Conselho Vitoriano

Quando a memória me leva até à minha infância fica-me a questão: Ter-se-á o Natal perdido? Recordo os dias próximos do Natal, onde dentro de nós se misturavam sensações de magia e de algum mistério. Dias antes, construía-se o presépio, única decoração natalícia, e escrevia-se a carta ao Menino Jesus. Raramente Ele atendia os meus pedidos. Mesmo, assim, Ele sempre me trazia algumas prendas: uma peça de roupa nova; um carro de madeira; um saco com bolos; um jogo…. Por isso, a minha mãe caiava a chaminé para ficar mais branquinha, porque, durante a madrugada, o Menino entrava, por ali, lá em casa. Antes de nos deitarmos eu e o meu irmão colocávamos o sapato maior que tivéssemos na expetativa de recebermos as prendas pedidas. Mas só adormecíamos, quando as “janelas da alma” já não tinham força para se manterem abertas. Até lá, andava numa correria da cama para a cozinha. Só na manhã do Dia de Natal, quando acordávamos, é que lá se encontravam as prendas. Na consoada, comíamos o tradicional bacalhau cozido e o doce era as rabanadas à moda da nossa mãe. A seguir, a participação na Missa do Galo. No Dia de Natal voltávamos à missa para exibirmos a roupa nova que o Menino nos tinha oferecido. O almoço natalício era na casa da família da minha tia mais velha. De tarde, todas crianças dos Bairros Santos Nicolau e das Fontainhas iam em cortejo levar também as suas ofertas ao Deus Menino, que depositávamos junto do presépio na igreja de S. Sebastião. Essas ofertas, eram, a seguir, leiloadas, no adro da igreja. O que era angariado destinava-se aos pobres.

Hoje, o Natal começa a dar sinais muito cedo. As montras e as ruas ficam muito coloridas. A maioria das casas, algumas janelas e varandas tornam-se reluzentes. Já são muito raras as cartas ao Menino Jesus. O destinatário é o pai natal. Infelizmente, não todas, mas a grande parte das crianças, o que pede, já sabe que recebe, apesar disso fazem-se lindos embrulhos que se abrem como se de um mistério se tratasse, como acontecia no meu tempo. As famílias continuam a reunir-se, mas algumas já não em suas casas. Preferem alugar salas privadas em restaurantes. Mas há também quem se lembre dos que não conseguem ter possibilidade de celebrar o Natal como seres humanos e entreguem a instituições de solidariedade as suas contribuições solidárias para tornar mais digno o Natal dessas pessoas.

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Eu sei que os tempos são outros. Que há diferentes formas de pensar e a ninguém se deve impor a vivência da dimensão cristã do Natal. Mas não se pode branquear a história. A verdade é que Jesus é a figura central do Natal e o pai natal um mito. Não dizer isto às crianças é enganá-las. No meu tempo, a azáfama com o Natal era muito pouca, porque o que nos motivava era celebrar a festa do Aniversariante e fazê-la em família. Agora, as preocupações com o Natal começam mais cedo comandadas pelo consumismo e o Aniversariante nem sequer é falado em muitas das festas.

Amigo/a leitor/a permita-me que conclua, fazendo meu um desejo do 1.º Bispo de Setúbal, Manuel Martins: «Não vos quero deixar com uma mensagem de pessimismo. Quero, sim, despertar-vos (a mim também e sobretudo) para o verdadeiro sentido do Natal. O Natal é um acontecimento maravilhoso, mas traz no seu ventre dinamismo, inquietação, incomodidade, força e exigência de conversão. (…) Mas, por favor, deixemos que este Menino nasça, cresça e nos leve a transformar, com Ele, este mundo que, por nossa culpa, escapa aos seus desígnios de verdade, de justiça, de compreensão e de paz. Isto sim é o Natal. Este, sim, é o Natal que esperamos e ansiamos. Este sim, é o Bom e Santo Natal que vos desejo.»[1]

[1] Cf. MANUEL MARTINS, Cantar a Vida – Homílias de um Bispo de todos e para todos, Editora Paulinas, Prior Velho 1998, pg. 32.

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