Sonoridades musicais da minha terra

Sonoridades musicais da minha terra

Sonoridades musicais da minha terra

7 Setembro 2023, Quinta-feira
Natural da Trafaria

Dos Gatos Negros com Victor Gomes, o Elvis Português, a Luís Vartan, recordamos alguns dos grandes nomes da música ligados à Trafaria

Hoje, nesta minha aparição escrita, venho aqui com este modesto artigo e num regresso ao passado, trazer-lhes algumas lembranças que infelizmente não se repetem fisicamente, mas que nunca vão morrer da minha memória.
Vou falar-vos muito resumidamente de alguns dos artistas musicais da vila que me recebeu quando nasci, a Trafaria.
Situada na margem esquerda do Tejo, onde este se mistura com as águas oceânicas, Trafaria foi em tempos uma pacata vila piscatória onde abundava uma certa burguesia, oriunda de Lisboa, que ali encontrava paz e algum conserto para o seu corpo e espirito.
Esta desenfreada procura pelo bem-estar, na então fascinante praia local gerou rapidamente também alguma actividade cultural, nomeadamente na arte da música, e logo surgiu o primeiro grupo musical “Sol e Dó” este ainda anterior à criação da Sociedade Recreativa e Musical Trafariense em 1900.
Mais tarde, com o despontar a nível internacional de vários conjuntos de rock, Portugal assiste igualmente ao aparecimento de uma grande variedade de grupos de baile e de rock. E, neste nosso recanto do mapa europeu, sob um regime ignóbil e ignorante culturalmente, surgem grupos que chegaram aos mais altos patamares da fama, aqui e além-fronteiras. A exemplo: Daniel Bacelar; Os Conchas; (mais tarde apenas o José Manuel com elementos dos Gatos Negros); Quinteto Académico; Diamantes Negros; Os Titãs; Chinchilas; Ekos; Os Sheiks; Conjunto João Paulo; Fernando Conde; Siderais; Os Dackotas (Almada); Quarteto 1111, entre muitos outros.
Porém, na tal pacata vila piscatória, onde existia a estância balnear tão desejada pelos novos pequenos burgueses da margem Norte, dois irmãos, de apelido (Eixa), compraram duas violas e foi no resultado de uma breve aparição deste duo, que nasceu um grupo que viria a alterar completamente a cena musical, não só local, mas também nacional.

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Os Gatos Negros.
Assim, em 1961 e com apenas quatro autodidactas em música, todos muito jovens, que conviviam num ambiente livre de vícios, juntavam-se ao final da tarde no salão dos Bombeiros Voluntários da Trafaria para os seus ensaios, até que um certo dia, a sorte foi ao seu encontro e pela mão de José Maria Tudela, numa dessas tardes de ensaio, surge junto do grupo e num amor à primeira vista, uma figura que viria a revelar-se o Rei do Rock português e quiçá internacional não fossem os actos da sua rebeldia e também Vasco Morgado ter-se intrometido na sua carreira.
Decorria o ano de 1963, e Victor Gomes junta-se assim aos Gatos Negros – José Alberto, Manuel Eixa, Jacinto Eixa, e Quim Hilário – para escrever o seu nome na história de uma banda inesquecível.
Este fenómeno, Victor Gomes, que se excedia em rebeldia e irreverência, chegado recentemente de África, estava demasiadamente à frente do que se fazia por cá e até na Europa. Assim, com o aval do Sr. Aprígio do café da vila, compraram as aparelhagens necessárias, e o então quase desconhecido grupo de baile foi convertido numa banda de enorme sucesso no Rock “n”Rool.
A sua grandiosidade em palco, a busca pela excelência, a ousadia, o seu rock desenfreado e selvagem, incendiário em cena e a sua inconfundível voz, cedo despertaram a cobiça empresarial do mundo dos espectáculos.
Nos muitos espectáculos de revista (de Vasco Morgado entre outros), Victor e os Gatos Negros chegavam a actuar quatro vezes por dia, onde os/as adolescentes invadiam o palco e chegavam a desnudar o grupo arrancando-lhes pedaços das suas roupas em cabedal. Também na televisão e no cinema deixaram muitas das suas marcas, tendo Victor Gomes (actor nato), como protagonista ao lado de grandes figuras e onde se fazia acompanhar pelos Gatos Negros.
Este nosso Elvis português privou e cantou ainda com alguns dos mais célebres nomes artísticos na época, nacionais e estrangeiros.
Em 1967, Victor Gomes sem os seus “Gatos”, grava com o conjunto “Os Siderais” aquele que viria a ser o seu grande sucesso – “Juntos outra vez” que se tornaria um enorme caso discográfico de então.
Caro leitor/a poderia estar aqui horas a escrever sobre o estrondoso sucesso que foram os Gatos Negros, no entanto, Ondina Pires descreve de forma admirável na biografia escrita e lançada em 2014, o que foi a vida de Victor Gomes e a sua ligação aos Gatos Negros. Nesta biografia, Ondina realça e exemplarmente, o que foi a vida de alguém que teve sempre uma enorme fúria de viver, destacando todos os momentos e locais do “Tarzan de África” – Elvis português – Rei do Rock. Esta biografia, é um presente escrito que ficará para sempre e do qual aconselho a sua leitura.
Aqui, ficamos a saber, que não fosse Victor e os seus amigos terem sido descobertos no navio onde se haviam escondido com rumo ao seu sonho americano e certamente o verdadeiro Elvis Presley que se cuidasse.
Antes de concluir, dizer ainda que tive o privilégio de na década de 80, num dos seus regressos de África, partilhar com Victor Gomes uma ou outra tarde a uma mesa do bar “A Lareira” – Trafaria, propriedade de Alberto, um amigo comum.
Senhores das artes cinematográficas, com esta minha idade e tendo vivido a riqueza musical dos anos 60 e 70, posso testemunhar que já li e vi muito sobre o que esta época de ouro nos trouxe musicalmente, mas pouco que se compare ao conjunto Gatos Negros e à vida de um homem que teve o mundo a seus pés. Alguém que não conseguia estar sossegado no palco da música, assim como no palco da sua vida. Ainda hoje nos seus 83 anos de idade, vive feliz, segundo conta, mas também não se consegue desunir do seu rock.

Fontes: Ondina Pires (in biografia de Vítor Gomes e Gatos Negros 2014) e Victor Azevedo

Luis Vartan

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A vila da Trafaria não se fica por aqui no despontar de talentos para a arte da música, e ainda na década de 60, outro nome de sucesso nacional e internacional surge na Trafaria; de seu nome Luis Vartan com quem me encontrei numa destas tardes para uma proveitosa conversa.
“Luis Vartan é uma laranja do Algarve com muito sumo… É bom ouvi-lo cantar com tanta alegria e de coração apaixonado”. É desde modo, que Liliana Duque descreve Luis Vartan (in: Prefácio do livro, “A vida de Luis Vartan”).
Na realidade, bastaram-me apenas uns cinco minutos de conversa para perceber que estava na presença de uma pessoa invulgar.
Autor, compositor, intérprete e produtor, Luis Vartan criou o seu estilo próprio e realizou ao longo da sua carreira musical, centenas de espectáculos ao vivo em todo o país e além-fronteiras.
Este homem, sensível, e que compara a mulher a uma flor, que assim deve ser tratada, é autor de grandes sucessos da música popular, de marchas, e ainda teve tempo para musicar uma peça de teatro.
Quando no início da sua adolescência, encontrou na praia da Trafaria, terra que o viu nascer, um piano que a maré ali foi depositar, já tinha planeado o seu futuro. Entre as idas e vindas do seu vício piscatório, corria para o teclado do piano, ali abandonado, tentando ritmos teclados naquele instrumento musical. Mas a sua rebeldia e alguma persistência, características da idade, foram determinantes para desde logo dar inicio ao que viria a ser uma carreira musical recheada de sucessos.
Nos seus primeiros passos da aprendizagem musical, ainda em adolescente, juntou-se a um conjunto de baile da Trafaria onde se incluíam os irmãos Eixa, (ex-Gatos Negros). Daqui até saber tocar guitarra e órgão electrónico foi apenas um curto espaço de tempo e não tardou a dividir-se entre o conjunto e a sua faceta de cançonetista.
Homem com uma postura correcta na vida, educado, disciplinado, bom observador, humilde e amigo do seu amigo, partiu imediatamente para os melhores palcos da noite. Nesta fase, e posteriormente, integrou variadíssimos grupos musicais, alguns bem conhecidos na época, como músico, cantor, e por vezes ainda fazia uma perninha na arte do canto do fado.
Ainda muito jovem, antes de embarcar na aventura militar timorense, onde também foi muito feliz na música, integrou um grupo musical que actuava a bordo do navio Funchal, entre Lisboa, Ilhas portuguesas e espanholas, e Marrocos. Dois anos concluídos nesta aventura odisseia marítima, embarca no navio Império pela costa africana até África do Sul. Neste navio, actuava no conjunto onde se encontrava Manuel Eixa dos ex-Gatos Negros, cantava fado num local específico do navio e ainda lhe sobrava tempo para executar ao piano alguns temas musicais durante as refeições na primeira classe daquela embarcação de luxo.
Luis Vartan privou e cantou com alguns dos melhores e maiores nomes da cena musical da época, que aqui não vou referir, mas dos quais o artista não se esqueceu de mencionar na sua recente autobiografia a qual teve a amabilidade de me oferecer.
No decorrer da nossa conversa, e com a educação que o caracteriza, Luis Vartan confessava-me a enorme felicidade que lhe trouxera a música e o que a mesma lhe proporcionou pela vida fora. – “Sentia um enorme prazer de tocar ao vivo e especialmente de ver as pessoas a dançarem com alegria pela música que executava”.
Ao regressar de Timor, despontou definitivamente para o panorama musical, com músicas de sua autoria, discos que gravou e que se ouviam em quase todas as rádios.
Enquanto falava da sua obra, com uma enorme alegria, e revelando um sorriso rasgado, Luis Vartan sempre foi dizendo que todos os seus sonhos se tinham concretizado.
Recheado de reflexões, experiências vividas e uns quantos ensinamentos, “A Vida de Luís Vartan” é um daqueles livros pelos quais nos apaixonamos e onde cada página lida deixa saudades ao abraçarmos com curiosidade a página seguinte.
Ainda em determinado momento da nossa conversa, enquanto avaliava o paladar de um café, e ao perguntar-lhe, de entre todos os seus êxitos qual foi aquele que mais o marcou na sua carreira artística, Luis Vartan respondeu prontamente: – “ Muito Mais Feliz”. Eu, que também sei apreciar música, não poderia estar mais de acordo com o artista, este tema ficou na memória pela sua melodia simples que entrava imediatamente no ouvido e facilmente se trauteava com abundância por aí.
Muito havia para dizer sobre a vida artística de Luís Vartan, mas esse assunto já se encontra, e de forma exemplar, descrito nas quase quatrocentas páginas onde manifesta uma atitude pelas “Forças Superiores” a quem confiava sempre o seu destino. Nesta sua obra escrita, o artista enaltece e agradece com orgulho e simpatia, e de forma individual, a todas as pessoas que com ele se cruzaram correctamente ao longo da sua vida artística e pessoal, a alguns, até de forma bem original.
Luis Vartan teve um lugar de destaque entre os artistas do seu tempo, e isso foi-lhe reconhecido recentemente pela Sociedade Portuguesa de Autores e pela Fundação, Gestão dos Direitos dos Artistas, em virtude do que fez pela cultura em Portugal.
Obrigado Luis Vartan

Fontes: Luís Vartan, Liliana Duque- in Prefácio do livro “A Vida de Luís Vartan”, Obra escrita autobiográfica “A Vida de Luís Vartan”

Outros grupos

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Para finalizar este artigo, que já vai longo, sobre os artistas musicais da minha terra, onde não consegui espaço para todos, nem falar da importância que teve para a música a Sociedade Recreativa e Musical Trafariense, não posso no entanto deixar de fazer referência ainda a alguns grupos de categoria importante dos anos 70 e 80 como o caso dos Litlle B, que não eram da Trafaria, mas tinham no grupo em maioria músicos da vila; do conjunto Fórmula 72, do Carlos “ capitão” que tinha vindo dos Elkas; do surgimento no ano seguinte dos Simples, grupo de baile com muita qualidade que teve diversas formações, mas sempre com os irmãos Eixa, e que eram residentes nos Bombeiros Voluntários onde esgotavam o enorme salão com as suas actuações; ou por fim, os Tatoo com elementos que saíram dos Simples após a extinção deste grupo no início de 80.
Realço ainda, os vários elementos dos Simples que passaram por outros grupos, a todos, tiro o meu chapéu pela importância que tiveram na época em prol da música; destacar também a entrada nos UHF de um grande talento que passou pelos Simples e ainda, entre outros, a notável importância que tiveram os irmãos Eixa ao escreveram o nome da vila da Trafaria na cena musical. A todos aqui deixo a minha modesta gratidão.
Para que não nos esqueçamos.

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