SNS: o barato sai caro

SNS: o barato sai caro

SNS: o barato sai caro

24 Junho 2022, Sexta-feira
Joana Mortágua

No dia 8 de junho, ainda antes do fim de semana prolongado a que foi atribuída a responsabilidade pelo caos nas urgências obstétricas do país, o Sindicato Independente dos Médicos dava conta do que se passava no serviço de urgência do Hospital Garcia de Orta: “A situação que se vive no Serviço de Urgência nos últimos dias está a ultrapassar os limites do imaginável e a esgotar os profissionais de saúde a todos os níveis. Não temos obtido qualquer tipo de resposta dos nossos superiores, com os quais temos comunicado via email nos dias em que estamos de urgência através de descrições curtas e objetivas da situação, e através das escusas de responsabilidade. Sentimos falta de respeito, falta de plano, falta de gestão e liderança da hierarquia superior do HGO”. E a missiva continuava: “o que se vive hoje no Serviço de Urgência não é gerível de forma nenhuma. Se tentamos encontrar motivação na profissão que nos move todos os dias, há que reforçar que de momento não há motivação que consiga ao final de 8, 12, 16, 24h de trabalho assegurar condições de segurança, qualidade, nem sequer nos mínimos aceitáveis para cuidar das centenas de pessoas a nosso cargo”..

Essa denúncia, que demonstra o desespero dos profissionais do HGO, corresponde aquilo que o Governo finalmente veio reconhecer: o problema do SNS é estrutural. Hoje está à vista que nunca esteve em causa a intransigência do Bloco, mas a rutura iminente do SNS.

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Em julho de 2019, numa audição pedida pelo Bloco sobre o encerramento de urgências obstétricas, avisávamos a Ministra da Saúde que o problema da falta de profissionais estava mais agudo, que continuaria a existir e que eram necessárias medidas estruturais e de contratação. A Ministra respondeu que iria estudar.

Em novembro de 2019, poucos dias depois de ter recusado um acordo de legislatura com o Bloco sobre o SNS (e 2019 também foi ano de encerramento dos serviços de obstetrícia), Catarina Martins disse ao Primeiro Ministro: “Não se contrata mais pessoas, depois gasta-se milhões de euros em horas extraordinárias sobre aqueles que já estão muito cansados. Não há mais vagas, não há exclusividade, mas há, só em pagamentos de prestações de serviços a médicos, 105 milhões de euros, números de 2018. Lembra um anúncio antigo: o barato sai caro, não deixamos gastar, mas acabamos a gastar pior.”

Em julho de 2020, no debate do Estado da Nação, dissemos que sem reforço concreto e sem mecanismos de vinculação ao SNS, o governo acabaria por abandonar os profissionais e os utentes do SNS. Na altura preferiu ignorar o problema e não respondeu.

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Em setembro de 2020 alertamos para a exaustão dos profissionais de saúde que, só nos meses de verão, tinham feito mais de 6 milhões de horas extraordinárias. Havendo cada vez menos médicos no SNS, teríamos cada vez mais pressão. A situação agravou-se e no ano passado foram feitas mais de 21 milhões de horas extraordinárias.

Em outubro de 2021, voltamos a alertar para a urgência de mudar as regras para fixar profissionais no SNS e, com isso, evitar a situação a que assistimos nas últimas semanas. Perguntei-lhe na altura se “o governo considerava mexer nas carreiras para reter no SNS as pessoas que o SNS forma”. Respondeu-me que era preciso desenhar medidas para evitar que os concursos fiquem desertos, mas na negociação orçamental recusou todas as medidas que o Bloco propôs para evitar a saída de profissionais e proteger o SNS. E os concursos continuam a ficar desertos.

Sem investimento e sem valorização de carreiras e salários, sem exclusividade, o SNS vive em situação de pré-ruptura. Se o Governo reconhece, como fez a senhora ministra, que são necessárias soluções estratégicas que passam pela autonomia das contratações e por incentivos à fixação de profissionais, por que não avançam essas soluções?

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O plano de contingência servirá apenas para que a situação das urgências durante o verão não se torne insustentável. Mas o fecho rotativo de urgências não resolve o problema estrutural e a situação continuará a degradar-se. O SNS não pode esperar mais.

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