Nunca se falou tanto da emergência ambiental, de estratégias e planos de ação ambientais, de desenvolvimento sustentável. Meio mundo levantou-se em defesa do ambiente, da biodiversidade, de uma hipótese de futuro para as gerações vindouras.
Mas na Península de Setúbal, quando se trata de atentados ambientais, parece que a culpa morre sempre solteira. Com o beneplácito da tutela e do poder local, o capitalismo tem consumido os recursos naturais da Serra da Arrábida, poluído indiscriminadamente, devastado o estuário do rio Sado, contaminado solos e nunca há responsáveis nem responsabilizados.
Há décadas que a coincineração da cimenteira Secil queima resíduos sólidos perigosos em pleno Parque Natural da Arrábida, onde também subsistem pedreiras a céu aberto.
A empresa Carmona laborou durante anos em plena zona residencial de Brejos de Azeitão com licenças que beneficiaram de prorrogações atrás de prorrogações mesmo quando já estavam em incumprimento e há muito era devida a deslocalização.
Foi assim também com as dragagens do rio Sado, feitas em área de Reserva Natural e Zona de Proteção Especial, à revelia de discussões públicas e iniciadas antes da discussão, na Assembleia da República, da petição e das iniciativas legislativas que recomendavam a sua suspensão. As dragagens avançaram mesmo sem garantias de que as consequências não seriam devastadoras para o estuário e para a biodiversidade ambiental, ecológica, económica e social. Como habitualmente, primaram os interesses económicos especulativos privados.
O mesmo se passa com o depósito ilegal de mais de 30 toneladas de resíduos tóxicos no Vale da Rosa, epicentro do jogo do empurra das responsabilidades. Ora a responsabilidade é de quem lá deixou os resíduos, ora é de quem comprou os terrenos – o Millennium BCP -, ora é da tutela. O que é certo é que, no meio do “passa bola”, os resíduos com altas concentrações de óxidos de alumínio, magnésio, enxofre, potássio e cálcio lá continuam a contaminar diligentemente os terrenos arenosos e as linhas de água superficiais e subterrâneas do local.
E se estes exemplos não chegarem temos ainda o recente derrame de lamas no Estuário do Sado. A torrente de lama cinzenta que apareceu na Reserva Natural do Estuário do Sado, na zona conhecida como “Praia das Eurominas” soterrando fauna e flora e provocando a devastação da biodiversidade num local de produção de ostras, recolha de marisco e desova do choco, foi, afinal, segundo os responsáveis, um “fenómeno” sem consequências. A Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, que tem jurisdição sobre a zona e que autorizou a obra, afirmou desconhecer o problema. A Teporset, empresa responsável pelo acidente ficou à espera de que “a ação das marés em conjunto com condições atmosféricas favoráveis promovesse a movimentação natural destes sedimentos, regularizando progressivamente a situação”.
Em Santiago do Cacém, pretende-se instalar uma central fotovoltaica, ocupando uma área de 1260 hectares, em zona que invade a Reserva Ecológica Nacional, sem que a população tenha sido ouvida ou sequer informada da dimensão e dos impactos do empreendimento.
Na península de Setúbal, os atentados ambientais somam-se e nunca ninguém é responsável, as consequências nunca são graves, os negócios privados avançam sempre quais bulldozers arrasando a voz das populações, das associações ambientalistas, e comprando a deliberação de quem decide com a promessa de desenvolvimento económico e criação de emprego que nunca chega a acontecer.
Em Setúbal, a emergência climática é um aterro de atentados ambientais.