Pensar Setúbal: Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (Parte XV): António Vinagre – Combatente no Ultramar Português (Índia)

Pensar Setúbal: Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (Parte XV): António Vinagre – Combatente no Ultramar Português (Índia)

Pensar Setúbal: Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (Parte XV): António Vinagre – Combatente no Ultramar Português (Índia)

, Professor
24 Junho 2024, Segunda-feira
Professor

Hoje vamos falar de um alentejano que cumpriu serviço militar na então denominada Índia Portuguesa.
António João Tendeiro Vinagre nasceu na aldeia de Terrugem, concelho de Elvas, a 23 de Julho de 1940.
Concluída a 4ª classe, tornou-se pastor de ovelhas, de borregos e cuidador de porcos. Com treze anos já matava e abria porcos.
De seguida, foi trabalhar com o seu Pai que era padeiro com estabelecimento na Terrugem, tendo trabalhado aí até aos dezoito anos.
De seguida, foi tirar a formação de massador e forneiro. Ainda hoje faz pão numa amassadora eléctrica italiana.
Nos anos 50, em Elvas fizeram uma sociedade com trinta e uma padarias, fazendo a distribuição do pão pelas localidades do concelho: Elvas, Vila Boim, Vila Fernando, Terrugem, Barbacena.
António Vinagre não quis continuar mais na padaria, uma vez que pagavam pouco.
Em 1960, foi chamado a cumprir o serviço militar.
Em 1961 foi integrado no Exército em Queluz, onde tirou a carta de pesados, uma vez que pretendiam que fosse para motorista.
Seguiu-se a Figueira da Foz e Amadora.
Foi promovido a primeiro-cabo. Os melhores classificados dos cursos iam para a Índia.
Em Junho de 1961, foi destacado para a Índia, partindo de Lisboa até ao porto de Carachi no Paquistão, tendo apanhado outro barco para o porto de Goa.
A invasão propriamente dita foi precedida de pequenas escaramuças por parte da União Indiana.
Numa dessas acções, um rapaz de Sto. Aleixo ficou sem as duas pernas.
Antes da invasão receberem oitenta Land Rover novinhos que ficaram lá todos, embora alguns tivessem sido destruídos pelos militares portugueses para não caírem nas mãos dos indianos. Apontavam o Land Rover na direcção do mar e saiam antes ou colocavam uma granada no meio do jeep.
A 18 de Dezembro de 1961, as forças da União Indiana invadiram Goa, Damão e Diu, com 45.000 homens, apoiados por meios aéreos e navais.
Diz António Vinagre que nunca tinha visto tantos carros de combate. Houve resistência, mas pouca, dada a desproporção de efectivos militares.
Aguentaram-se dois dias.
De seguida, foram todos feitos prisioneiros, tendo os soldados indianos feito marchar os portugueses pelas ruas para que a população lhes cuspisse em cima.
António tinha consigo um fio de ouro que lhe tinha sido oferecido pela sua mãe, tendo-o escondido no cantil. Durante o tempo de prisão ia enchendo o cantil de água, com o fio escondido. Conseguiu trazê-lo para Portugal.
Os indianos roubaram todos os pertences mais valiosos.
Desde Dezembro de 1961, ficaram alojados no campo de concentração de Pondá, em Goa.
Todos os dias ia um carro pesado para buscar o lixo e houve quatro prisioneiros que se esconderam debaixo do lixo.
Contudo, alguém os terá denunciado, pelo que foram apanhados e mandaram abrir valas para matar todos os prisioneiros.
Um padre português de Almada pediu para falar com o comandante do campo indiano que era cristão e a situação serenou.
À medida que a narrativa avança, António Vinagre agita-se; os olhos brilham-lhe. Por diversas vezes chora emocionado com a lembrança daqueles momentos que lhe ficaram fortemente gravados na memória.
Considera que foram tratados de uma forma globalmente insatisfatória, com comida claramente inadequada. Feijão frade e poucas porções para cada um.
Uns dormiam no chão, outros em esteiras.
Iam regularmente trabalhar, escoltados, reparando as pontes que tinham destruído durante a invasão.
Ao fim de seis meses de cativeiro, foram deslocados para o porto de Mormugão e embarcaram no navio Vera Cruz com destino a Lisboa.
Em Junho de 1961, quando chegaram, somente desembarcaram às 4 de manhã para evitar qualquer tipo de contactos, nomeadamente com os militares que iam para o ultramar.
Quando foi fazer o serviço militar, já tinha a sua namorada, Catarina, com quem casou em 1966. Teve dois filhos: Eliseu e Henrique.
Ao chegar, constatou que a carta de condução de pesados que tinha tirado no exército, não servia para nada.
Daí que foi para Évora tirar a carta de pesados profissional. Logo nesse dia à tarde, teve um exame de mecânica e outro de electricidade. Sabia mais que eles.
Trabalhou com tractores para o transporte de azeitona e sementeiras, na Terrugem.
De seguida, foi trabalhar para uma companhia de mármores, no transporte de pesados.
Em 1963, fez exames de admissão para a GNR e Guarda Fiscal, optando pela primeira, onde esteve até se reformar em 1993.
Quando se lhe pergunta o que achou da Guerra Colonial, responde que as terras não eram nossas; eram deles.
Caro Senhor António Vinagre. Considero-me uma pessoa muito afortunada, por poder conviver, ainda que fugazmente, com uma pessoa do seu nível, humanidade e dimensão.
Uma grande honra.
Muito obrigado.

Partilhe esta notícia
- PUB -

Notícias Relacionadas

- PUB -
- PUB -