PENSAR SETÚBAL: Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (parte XIII): Mário Salgado – Enfermeiro do Ultramar Português

PENSAR SETÚBAL: Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (parte XIII): Mário Salgado – Enfermeiro do Ultramar Português

PENSAR SETÚBAL: Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (parte XIII): Mário Salgado – Enfermeiro do Ultramar Português

, Professor
27 Maio 2024, Segunda-feira
Professor

“(…) Paz de espírito e consciência do dever cumprido? Não, nem uma coisa, nem outra, apenas o regresso à liberdade e à independência pessoal de cada um de nós, é importante e nos domina, neste final de comissão que tarda em chegar. Claro que cada um de nos terá uma história para contar neste longo espaço de tempo em que estivemos ausentes do mundo em que se vive e não como aqui se vegeta, mas é a garantia triste e eloquente o facto de qualquer dessas histórias serem tristes e algumas sangrentas que a marcam para toda a vida, os seus protagonistas(…).”

                                                                                   Mário Salgado, 1972  

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Hoje vamos falar de um grande amigo, grande setubalense e enorme vitoriano: Mário Salgado.

Mário Salgado nasceu em Setúbal, a 20 de Fevereiro de 1948.

Fez a 4º classe na escola da Casa dos Pescadores localizada no largo Zeca Afonso.

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Começou logo a trabalhar com 11 anos, numa fábrica de cera e pomada para os sapatos, localizada no Tróino.

Mais tarde trabalhou como ajudante electricista para Manuel Joaquim, defesa esquerdo do Vitória.

Em 1964, foi estudar à noite na Escola Comercial, no curso de electricista, tendo ido em 1966 trabalhar para os serviços municipalizados da CMS.

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Em Julho de 1969, foi chamado para o serviço militar, tendo sido escolhido como enfermeiro, uma vez que tinha tirado o curso de primeiros socorros nos escuteiros.

Em Março de 1970, regressou a Setúbal, para o Regimento de Infantaria “11”.

Em 11 de Julho de 1970, foi destacado para uma Companhia de Artilharia, com destino a Guiné.

            A 20 de Julho, precisamente no dia do aniversário de seu Pai, Mário Salgado chegou a Bissau, tendo-se deslocado para Pirada, uma localidade situada perto do Senegal e da Guiné Conakry.

As condições logísticas eram absolutamente miseráveis. Tendas sem condições com panos por cima, sempre junto a uma vala. Se houvesse ataque, saltava-se logo para a vala. As valas eram em ziguezague para minorar o efeito de bombas.      

A enfermaria era uma tenda com poucas condições. A base a sua companhia era formada por transmontanos.

Nas imediações, existiam bidons cheios de areia para evitar as balas. Mesmo sendo enfermeiro, Mário Salgado tinha sempre como companhia, a arma G3.

As equipas que patrulhavam a área junto à fronteira com o Senegal e com a Guiné Conakry eram constituídas por dez Militares: um Furriel, dois Cabos, quatro Praças, um Enfermeiro e um Rádio Transmissor, munidos com uma arma de disparo contínuo, uma Bazuca lança granadas e os restantes com Armas G3, com carregadores de vinte balas.

Uma vez que havia escassez de enfermeiros e de transmissões, esses eram os sacrificados, efectuando mais missões que os restantes.

Procuravam neutralizar os elementos do PAIGC, através de emboscadas nocturnas, com a colaboração de guias africanos.

Para ir buscar água não se podia ir sozinho. Debaixo das árvores com frutos maduros, estavam colocadas minas. Morreram muitos soldados nestas circunstâncias.  

Mário Salgado é um fotografo amador desde essa altura, pelo que levou para a Guiné duas máquinas fotográficas, tendo organizado um álbum de fotografias inteiramente dedicado a esses tempos.

Mostrou-me as cartas que foi escrevendo à namorada e depois sua mulher, Isilda. São dezenas de cartas carregadas de uma forte intensidade emocional.

Um aspecto que salienta com muita tristeza é o facto de, em 1970, muitos soldados ainda serem analfabetos. Muitos iam ao posto médico para lhes ler e escrever cartas.

Quando regressou, em Outubro de 1972, retomou o curso interrompido que terminou em Junho de 1974. Casou com Isilda em 1973.

Desde que regressaram, efectuam encontros anuais, em que fazem questão da sua presença, uma vez que era muito mais que um enfermeiro; era um confessor, pelos tratamentos e pelas conversas íntimas inerentes à correspondência.

Nesses encontros falam dos momentos bons que lá passaram; nunca falam da guerra, do sofrimento, da barbárie.

Mário Salgado mostra com desvelo e emoção, fotos cartas, recortes de jornal, aerogramas, condecorações, tudo muito bem arrumado.

            Da guerra trouxe consigo o facto de não poder ver sangue, violência, filmes de guerra, portas a bater, objectos a cair no chão. Os ruídos fortes e violentos desagradam-lhe profundamente.  

Mário Salgado é um homem bom, inteligente e sensível, sofrido pelas recordações e humanizado pela guerra.

Vidas interrompidas” assim sintetiza a sua participação na guerra.  

Não poderia ser mais certeiro.

As suas cartas e fotos são profundamente reflexivas, onde nos transportam para o outro lado do tempo; de guerra, privações, angústias, feridos, mortos, mas onde também podemos detectar aquele sentido de humanidade, companheirismo e entreajuda tão intrinsecamente português que nos enleva e nos orgulha.

Caro Mário Salgado; um enorme privilégio poder partilhar essas suas histórias comoventes.

Muito obrigado. Um grande abraço vitoriano.

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