Caro leitor, a comparação mostra um exemplo no Egipto, onde tudo se fez pelo interesse público, e outro no Pinhal Novo, onde tudo se fez contra o interesse público.
Entre 1963 e 1968, o Egipto, para construir a barragem de Assuão, essencial para o país em água e electricidade, deslocou as pirâmides de Abu-Simbel (do século III a.C.) para sul, a 200 metros do local original. As pirâmides foram cortadas em blocos, removidas e montadas no novo local sob supervisão da UNESCO. O valor histórico-patrimonial manteve-se, atraiu-se mais turistas, descobriu-se artefactos sob a areia que o Egipto ofereceu aos mais importantes museus do mundo (Nova York, Paris, Berlim, Madrid, etc.), enriqueceu-se a oferta cultural mundial.
Entre 2002 e 2004, no Pinhal Novo, a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia, em vez de ajudarem a concluir a Estação para aumentar a oferta de comboios e servir melhor, diariamente, dezenas de milhares de utentes entre Setúbal e Coina, criaram os obstáculos legais e de pressão social possíveis para impedir a conclusão da obra, por acharem que a Torre da Estação não podia ser deslocada 300 metros para sul no perímetro da Estação. Conclusão: a Torre é mais importante do que as pirâmides de Abu-Simbel.
Neste jornal, em 12/3/19, 16/4/19, 14/5/20 e 28/7/20 escrevi o suficiente sobre a história da absurda oposição à conclusão da Estação, referi os responsáveis, os métodos usados, a gravosa redução da oferta de comboios e apelei à resolução urgente do problema (https://osetubalense.com/author/manuel-henrique-figueira/).
Durante 16 anos foi estranho o silêncio dos representantes da população, deputados do distrito e autarcas, e das forças vivas da região. Como se o problema não prejudicasse todos: a economia e a população. A Estação acabada permitia o funcionamento em complementaridade dos comboios da CP e da Fertagus e o aumento da oferta de ligações a Lisboa em 66% (apenas com mais uma composição para compensar os 11 minutos do percurso entre o Pinhal Novo e Coina dos dois comboios por hora que nesta última estação terminam a marcha).
Mas o momento não é para continuar a crucificar quem tão mau serviço prestou à população, nem quem silenciou esta vergonha regional (sim, é uma vergonha de âmbito regional): o momento é para resolver o problema.
Recentemente foi aprovado na UE o Plano de Recuperação 2020-27 e apresentado o nosso Plano de Recuperação Económica 2020-30, que inclui o investimento ferroviário. Portugal irá receber 6,5 mil milhões de euros por ano até 2027, mas, desde a nossa entrada na CEE (1986), nunca conseguimos executar mais de 2,5 mil milhões de euros por ano, o que nos dá margem para completar projectos como este, que não partem do zero, é só acabá-los.
É a altura de se completar a linha da Fertagus (o 1.º troço é de 1999), que além do absurdo da Estação do Pinhal Novo, tem mais dois estrangulamentos: o comboio não circula entre Roma-Areeiro e o Oriente, o que permitia a intermobilidade com os comboios da linha do Norte, os regionais do Centro e os autocarros do Oriente; nem circula entre Setúbal e Praias do Sado, para servir esta povoação, quem trabalha em fábricas na Mitrena e 7000 alunos, 500 professores e 150 funcionários do Instituto Politécnico. É a última oportunidade para a linha da Fertagus funcionar em pleno.