O comércio e a transformação artesanais da carne de porco, oriundo dos montados alentejanos, não são actividades recentes do concelho do Montijo. No século XVI, já dava nome a uma rua no núcleo mais antigo da cidade, a Rua de Mata Porcos, hoje rua da Misericórdia. No século XVIII, encontram-se testemunhos da passagem das varas de porcos alentejanos para o cais da vila, e daí para Lisboa, depois de serem engordados, com bolota de azinheira, na região de Montemor-o-Novo, segundo o relato de um alemão de nome Heinrich Friedrich Link, em viagem por Portugal, em 1798 . Nos dias mais frios do ano, entre Dezembro e Fevereiro, eram poucos os habitantes da então Aldeia Galega que não se ocupavam na chamada safra do porco.
Os nossos vetustos compatrícios gozavam de uma vida próspera e tinham legítimo orgulho da sua terra natal – justificadamente, detentora de um prestígio de urbe desenvolvida.
Nas palavras de quem por aqui passava – testemunhadas pelo jornalista do periódico local, A Comarca, em 20 de Outubro de 1888 –, era abundante a adjectivação: “É innegável que a villa de Aldegallega possue um aspecto de abastança, de commodidades, de bem estar muito agradável à vista e que satisfaz o coração do visitante”.
Mas havia um senão, segundo o mesmo articulista: “… mas também concordam todos os visitantes que se a villa agrada aos olhos e ao coração, não satisfaz do mesmo modo o olfacto, pelo contrário a pituitaria é dolorosamente contundida pelas emanações fétidas, que não só abundam mas superabundam”.
Se de poluição se falasse nessa época, esta poderia ser uma das suas primeiras manifestações – também, não está a poluição, desde sempre, associada ao desenvolvimento, como sua consequência? No século XIX, os habitantes das localidades mais desenvolvidas, incluindo a capital, pagavam o progresso com poluição olfáctica, tal como todos os nossos sentidos são afectados, hoje, pela poluição atmosférica e terrestre, resultante desse mesmo desenvolvimento.
Em meados do século XIX, as estatísticas do movimento dos barcos desta antiga vila para Lisboa indicam, já, valores aproximados de transporte de porcos vivos e de carne de porco transformada. Eram basicamente produções artesanais de transformação de carne de porco que progressivamente deixam de ser, exclusivamente, para consumo particular e passam a ser comercializados. Estas unidades de produção tinham um âmbito familiar e a designação que lhes era dada de “quintal” diz bem do local em que se situavam, precisamente nos anexos ou quintais das suas próprias residências. Das produções industriais, mais propriamente designadas, de transformação de carne de porco só teremos referência documental a partir dos inícios do século XX, mais precisamente em 1907, com a empresa Maximiano António da Silva & Irmão e, no ano de 1908, com a fábrica de Isidoro Maria de Oliveira. Estamos já em presença de autênticas unidades fabris, com recurso a mão-de-obra operária especializada, maquinaria industrial e a exportação como destino de alguns dos seus produtos, no primeiro caso, para a África, e, no segundo, para o Brasil.