Nas minhas deambulações pela nossa cidade de Setúbal, sempre que passo pela Av. Álvaro Cunhal, reitero o meu profundo desacordo com o nome atribuído àquela avenida imensa, que começa na Praça 25 de Abril, que só termina na rotunda do Alto da Guerra e que basicamente homenageia um comunista, com todas as reservas democráticas que me merece, historicamente falando.
Recentemente estava a ver fotos relativas à sua inauguração, ocorrida em Novembro de 2018, onde surgiam responsáveis locais do Partido Socialista (PS), junto dos dirigentes comunistas. De repente, ocorreu-me uma dúvida.
Conheço muitos nomes de ruas em Setúbal e não tinha conhecimento de nenhuma artéria que tivesse o nome de Mário Soares, falecido quase dois anos antes, em Janeiro de 2017.
Confirmei-a ulteriormente, não podendo evitar uma forte sensação de incredulidade; não existe, de facto, nenhuma toponímia associada a Mário Soares, em Setúbal.
A Comissão de Toponímia da Câmara Municipal de Setúbal deveria ter uma metodologia e procedimentos para acautelar estas situações, dando primazia natural, numa avenida daquele tamanho, com aquela centralidade e visibilidade, a uma personalidade de referência como Mário Soares, de dimensão nacional e internacional, suprapartidária, de tolerância e exemplo democráticos, de amplo consenso, primeiro-ministro e presidente da República, e não a um dirigente partidário, ainda por cima nada consensual, como é o caso de Álvaro Cunhal.
Durante todo este tempo, deveria ter ocorrido ao PS, formalizar uma proposta toponímica com o nome de Mário Soares.
Passados quase quatro anos e meio sobre a sua morte, parece que ainda ninguém se lembrou disso.
Em Abril de 1973, na localidade de Bad Münstereifel, na Alemanha, Mário Soares, Maria Barroso, Fernando Valle, Emília, Carolina, João e Manuel Tito de Morais, Marcelo Curto, Beatriz e Mário Cal Brandão, Salgado Zenha, Teófilo Carvalho dos Santos, Vasco da Gama Fernandes, António Arnault, Vítor e Teresa Cunha Rêgo, e muitos outros, contribuíram para a fundação daquele que viria a ser um partido estruturante na democracia portuguesa: o Partido Socialista, tendo sido escolhido Mário Soares como o seu primeiro secretário-geral.
Mário Soares foi um democrata, um homem corajoso, que fez frente à ditadura fascista, antes do 25 de Abril e à ditadura comunista, imediatamente a seguir, no PREC.
Recordo-o em 1975, no famoso comício da Fonte Luminosa, na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, completamente repleta de gente, onde, perante a ameaça comunista de manutenção indevida no poder, Mário Soares efectuou um discurso muito forte e contundente; “nós não temos medo”, bradou firmemente, insurgindo-se contra os dirigentes do PCP que queriam “amordaçar o povo”, lembrando os dois milhões de portugueses que tinham votado PS, na ocasião.
Este comício, pela enorme influência que teve, é considerado um dos momentos-chave para a consolidação da democracia em Portugal.
Em 1985, Mário Soares foi o primeiro-ministro que liderou a comitiva portuguesa formalizando, no Mosteiro dos Jerónimos, a entrada de Portugal na actual União Europeia.
Foi um dos mais importantes presidentes da República. Homem de grande prestígio nacional e internacional.
O que me leva à questão mais importante, nesta minha crónica. A necessidade absoluta de Mário Soares ser devidamente homenageado, através da atribuição de uma artéria (no mínimo, uma avenida grande, larga, central e importante), na nossa cidade de Setúbal.
Fica aqui a proposta.