A caminhar quase para o fim da maratona de debates televisivos entre candidatos, não me cabe fazer o papel do já tão gasto comentariado, de si já confuso mas particularmente prejudicado pela desproporcionalidade de tempo de ecrã que tem de preencher face à curta duração da maioria dos frente-a-frente. Também não me designaria juíz em causa própria atribuindo notas a cada um dos participantes, reconhecendo que, nesse aspeto, sou orgulhosamente parcial.
Ainda assim, vale a pena fazer o rescaldo do debate de ontem (escrevo na quarta-feira, dia 14 de fevereiro) entre Mariana Mortágua e André Ventura. Além da vitória que significa não se deixar atropelar e manter no lugar alguém tão indisciplinado e mal educado como Ventura, a prestação da coordenadora do Bloco de Esquerda nesse debate teve outra virtude – a de escrutinar as propostas e posições do Chega, os seus aliados e os interesses que defende, os seus fundadores e os seus truques.
No que toca ao Chega, como em qualquer outra coisa, a regra de ouro é follow the money, ou seja, seguir o rasto do dinheiro. Foi esse rasto que Mariana Mortágua seguiu para demonstrar que quando André Ventura está na Assembleia da República a defender gestão privada, nunca diz que recebe dinheiro dos acionistas para financiamento do seu partido; quando participou na comissão de inquérito à TAP, nunca disse que recebeu dinheiro dos acionistas; quando defende vistos gold, nunca diz que recebe dinheiro dos interesses imobiliários; discute o orçamento da defesa mas não diz que recebe dinheiro de empresários do armamento.
No que toca a André Ventura e ao seu partido, é mais o que está escondido do que o que está à mostra. É por isso que o candidato perde a cabeça quando é confrontado com os nomes dos seus apoiantes: Francisco Cruz Martins, advogado de negócios ligado ao BANIF, BES, BPN, VdL, presença nos Panamá Papers e ligações à Elite angolana; João Maria Bravo, que fornece armas ao Estado – Sodarca, Helibravo, Miguel Félix da Costa, ligado ao imobiliário e turismo; Francisco Sá Nogueira: ex-vice presidente da Espírito Santo Viagens, ou Posser de Andrade, ex-administrador da antiga imobiliária do Grupo Espírito Santo, já para não falar da família de Manuel Champalimaud (accionista dos CTT) e da família Pedrosa, accionista e administrador da TAP.
Talvez seja mesmo esta a chave para descodificar toda a incoerência e instabilidade das posições do líder de extrema direita. Seguir as pistas do dinheiro permite perceber poque é que atrás de tanta retórica inflamada contra a elite se encontra uma proposta fiscal de dois escalões de IRS que é um jackpot aos milionários, como David Pedrosa, que receberia um bónus de 64 mil euros no seu parco salário de 440 mil euros. Mas seria também um jackpot para banca, com uma proposta de IRC quer permitiria ao Banco Santander poupar cerca 50 milhões, à Galp cerca de 160 milhões e à EDP cerca de 180 milhões. Tudo gente de bem, claro, que pouco tem lucrado às custas de uma maioria trabalhadora e contribuinte.
Sobre tudo isto, Ventura já disse tudo e o seu contrário para não se comprometer com coisa nenhuma. É paradigmático aquele caso em que a proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2021, apresentada pelo Bloco de Esquerda, para anular a transferência de 476 milhões de euros do Fundo da Resolução destinada ao Novo Banco foi aprovada apesar do insólito posicionamento de André Ventura, que na qualidade de deputado manifestou três posições diferentes quanto à proposta em menos de 24 horas. Não admira, portanto, que a estratégia escolhida pelos seus adversários seja a de confrontar Ventura com as suas aldrabices.
É um exercício necessário mas inglório, porque, no que toca a Ventura,só uma coisa é certa: faz o que os financiadores mandarem. Quem conhece a lista de financiadores do chega percebe bem que defendam a especulação imobiliária, a gestão privada, os vistos gold – que são convite à corrupção, e os benefícios fiscais que alimentam essa elite da qual, afinal – seguindo o rasto do dinheiro – o Chega também faz parte.