E nós aqui deste lado do rio?

E nós aqui deste lado do rio?

E nós aqui deste lado do rio?

, Deputada da IL
8 Maio 2024, Quarta-feira

Há dias, assistimos a uma coligação negativa que, de forma inédita, ameaça onerar todos os contribuintes por uma despesa que será apenas em benefício de alguns – aqueles que irão usufruir de um conjunto de autoestradas não portajadas. Uma coligação negativa que classifico de inédita, pois escancarou a aliança não assumida entre socialistas de esquerda (o PS) e de direita (o CH) e porque, pela primeira vez, os resultados de uma coligação negativa terão impacto no bolso dos contribuintes. A última vez que se formou uma coligação negativa com semelhante potencial de impacto, foi, em 2019, a propósito da aprovação no Parlamento do descongelamento integral do tempo de serviço dos professores, sendo que o então primeiro-ministro, António Costa, ameaçou demitir-se pelo que isso representaria para as finanças públicas do país. Na altura, o assunto ficou por ali.

Não entrando na discussão sobre o modelo das SCUTs, a verdade é que o fim das portagens representa um custo adicional para os contribuintes de todo o país, quer usem, ou não, as autoestradas que agora serão gratuitas para os utilizadores. Costuma dar-se o exemplo do “contribuinte de Trás-os-Montes” não ter de pagar por uma qualquer situação que beneficia apenas a Área Metropolitana de Lisboa, mas agora é isso que vai acontecer por todo o país. A concessão e a manutenção destas autoestradas terá de continuar a ser paga e será paga por todos. O Governo estima em mais de 1.5 mil milhões de euros o valor dos encargos adicionais com esta medida. Se a este valor se somar o valor dos custos, a fatura total para o Estado, até 2040 – ano em que acabam os contratos de concessão – ascenderá a 4.3 mil milhões de euros. Portanto, que impostos terão de subir para acomodar este valor? Os contribuintes de todo o país estão disponíveis para pagar esta medida?

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Esquecendo os custos, e jogadas políticas à parte, o fim da lógica do utilizador-pagador para estas autoestradas insere-se em dois argumentos: o da solidariedade nacional para com as regiões interiores e economicamente deprimidas e a ausência de vias alternativas não portajadas. Aplicando estes princípios, pergunto: e nós aqui deste lado do rio Tejo? Como sabemos, o distrito de Setúbal tem sido penalizado, ao longo de décadas, face a Lisboa, ao nível do investimento em infraestruturas (e não só). E todas as que existem são pagas e bem pagas. No distrito de Setúbal, somos os únicos habitantes de Portugal Continental que pagam para entrar em Lisboa, seja qual for o meio de transporte ou via de acesso utilizada. Seja de carro por qualquer das pontes – 25 de Abril ou Vasco da Gama – seja de barco, comboio ou autocarro. Não há forma de entrar em Lisboa sem pagar. Pergunto, então, se não seremos merecedores da aplicação dos mesmos princípios? Será que temos menos direitos que os habitantes das regiões abrangidas pelas futuras autoestradas isentas de portagens?

Como é evidente, não quero criar discussões entre regiões, e, especialmente, entre regiões que são de alguma forma prejudicadas face a outras. Igualmente, não defendo que estes princípios sejam aplicados à letra, pois isso resultaria num caos orçamental ou num brutal aumento dos já muito altos impostos. Pretendo, sim, alertar para a irresponsabilidade que é dizer às pessoas que algo (uma infraestrutura, neste caso) é gratuito, quando isso apenas significa que é pago por todos os contribuintes, quer usem, quer não usem.

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