Amanhã, Sábado, a 3 dias apenas do início das dragagens no rio Sado, Setúbal será de novo palco de uma grande manifestação sob o mote: “Sim ao Sado não às dragagens”, convocada pelo Clube da Arrábida, SOS Sado, Associação Zero, Ocean Alive e Greve Climática Portugal.
Em julho de 2018, o Clube da Arrábida deu o grito de alerta sobre a iminência do início da colossal obra da Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS), encapotada sob o nome de “obras de melhoria das acessibilidades ao Porto de Setúbal”, até então desconhecida da população. A obra, entre outros pormenores, irá retirar ao rio 6,5 milhões de metros cúbicos de areia, para nele poderem entrar os mega porta contentores “panamax”, os mesmos navios que entram no Porto de Sines. Mas quais serão os verdadeiros impactos desta uma obra que atravessa 9 zonas de proteção ambiental num dos estuários mais ricos em biodiversidade da Europa?
A costa da Arrábida e o estuário do Sado são duas zonas protegidas que têm um papel chave na manutenção da biodiversidade marinha. As pradarias marinhas, os recifes rochosos e as florestas de algas são habitats que suportam espécies emblemáticas, como o boto, o cavalo-marinho, a baleia-anã, raias, tubarões e golfinhos. Suportam igualmente, espécies de interesse comercial como o choco, o polvo, o lingueirão, as ostras, o salmonete, o robalo, a dourada, o carapau e a sardinha. Dadas as inúmeras pressões e a insuficiente proteção, estes habitats e espécies estão hoje em estado fragilizado. Dito isto, como é possível que o Estado Português através de fundos comunitários (25 milhões de Euros), perante todos os alertas para a preservação ambiental caras a um futuro cada vez mais incerto, apoie cegamente uma obra que irá provavelmente potencializar a maior catástrofe ambiental alguma vez realizada no rio Sado?
Para entender o que leva estas 5 organizações à rua, vale a pena fazer uma retrospetiva sobre um processo inquinado desde o inicio, que se tornou num caso político e judicial com impactos ambientais e socioeconómicos provavelmente mais devastadores do que os que se discutem sobre o aeroporto do Montijo. Este projeto não é novo, atravessou vários governos, foi chumbado no passado, ficou a marinar até o atual governo ter decidido avançar novamente. A APPS elaborou o estudo de impacto ambiental (EIA), que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) aprovou através da emissão da declaração de impacto ambiental, DIA. Houve lugar a uma consulta publica sobre o EIA, tendo sido convidadas a participar várias entidades, sobretudo organismos do Estado, com a exceção cirúrgica do Clube da Arrábida (única entidade que nos últimos 9 anos se debruçou e publicou trabalho sobre o desassoreamento da Arrábida) e estranhamente ninguém da sociedade civil, como por exemplo os pescadores locais. A consulta obteve parecer positivo, embora tenham sido elencados, inúmeros efeitos ambientalmente devastadores, mas considerados pela APA como irrelevantes face aos benefícios que a obra trará ao porto de Setúbal.
De acordo com a DIA, a obra fará desaparecer as praias da Arrábida e bancos de areia, ex-libris desta região, aumentando a erosão costeira, afetará as pradarias marinhas, essenciais na importante ação de mitigação das alterações climáticas através da sua elevada taxa de sequestro de carbono, colocará em sério risco as populações dos golfinhos roazes-corvineiros e as colónias de cavalos-marinhos que dependem deste habitat. As dragagens afetarão também as comunidades de pescadores e mariscadores locais e, portanto, o peixe e o marisco que fazem a marca desta região. Por último, toda a indústria hoteleira, turismo de natureza, turismo náutico e restauração serão severamente afetadas, afinal como alguém disse, os turistas não vêm a Setúbal para ver navios.
Na impossibilidade de impugnar a DIA e tentar travar o arranque da obra, uma vez que quanto tivemos conhecimento da mesma, já havia passado o prazo legal de contestação, o Clube da Arrábida em setembro de 2018, interpôs 2 providências cautelares no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (TAFA). Uma contra a APA, sobre a DIA, e outra contra a APSS e Mota Engil (empreiteiro da obra). O caso ganhou notoriedade, a sociedade civil em Setúbal mobilizou-se através de diversos grupos e juntamente com o Clube da Arrábida perto de mil cidadãos, saíram à rua em protesto contra o início da obra, faz agora um ano. No rescaldo dessa manifestação, houve audiências com os diferentes grupos e comissões parlamentares, sempre com um assumido “nim” de apoio à obra, com algumas tímidas exceções, afinal a obra é transversal a vários governos de várias cores. Assistiu-se a uma verdadeira campanha de contra informação e inverdades por parte da Presidente da APSS em diversas declarações publicas. A Câmara Municipal de Setúbal que poderia ter sido uma ponte de ligação à sociedade civil, assumiu através da sua presidente uma postura que se chegou a confundir com o a APSS. Houve mais providências cautelares por parte da SOS Sado e do grupo Pestana, contra a APA, contra a APSS, e ainda contra os TUPEM’s referentes à imersão de dragados, houve audiências parlamentares com o Ministro do Ambiente, Ministra do Mar e Presidente da APA que se revelaram verdadeiros exercícios de pura demagogia, mentira e sarcasmo contra a sociedade civil. Enfim, um verdadeiro ensaio “trágico-marítimo”.
A obra acabou por não avançar, fruto da pressão sobre a APA e das várias ações em tribunal. Com isto, chegou-se a Maio deste ano num impasse, sendo que de acordo com a DIA as dragagens apenas podem ser feitas entre Outubro e Maio. O tribunal não decretou nenhuma das providências cautelares porque o período de 90 dias para impugnação da DIA acabou antes da entrega das mesmas, e até agora ainda não se pronunciou sobre as providências cautelares dos TUPEM’s. O Clube da Arrábida, recorreu da decisão para o Tribunal Central Administrativo que nos veio a dar razão, numa das providências cautelares, tendo devolvido a mesma de novo para o TAF. Incompreensivelmente, a menos de uma semana das dragagens poderem arrancar, o juiz ainda não reavaliou a providência cautelar, podendo esta ser uma das últimas esperanças para travar todo o processo.
Assim, a manifestação em Setúbal, torna-se numa obrigação para todos os que se interessam pela sobrevivência do rio Sado. A uma semana das eleições legislativas, esta é a última esperança de mostrar ao atual e ao futuro governo, o verdadeiro atentado ambiental que se avizinha. Ainda há tempo de parar, basta haver coragem política para ouvir a população, mas sobre tudo, para Salvar o Sado desta loucura! Sábado, venham para a rua gritar bem alto: Sim ao Sado, não às dragagens!