Coerências e incoerências do sistema de ensino português

Coerências e incoerências do sistema de ensino português

Coerências e incoerências do sistema de ensino português

19 Março 2019, Terça-feira
Francisco Cantanhede - Professor
Francisco Cantanhede – Professor

Tim Oates, especialista em educação, trabalha na maior agência que se dedica à avaliação na Europa: o Cambridge Assessment. Este professor inglês está ligado a projetos como o PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos- e dirigiu a equipa responsável pela última reforma do sistema educativo no seu país, em 2011. Tendo-se deslocado a Portugal, deu uma entrevista ao jornal «Observador». Dessa entrevista destaca-se: «o material que se usa na sala de aula, como os manuais escolares, a avaliação, o currículo, a experiência e os métodos usados pelos professores têm de ser todos coerentes. Tudo tem de se alinhar. Não se deve puxar os professores em direções diferentes.»

Tim Oates  defende a avaliação contínua, ou seja, aula a aula, para que «o professor detete  lacunas de aprendizagem e possa responder de imediato», não esquecendo as provas nacionais que não só permitem verificar as aprendizagens adquiridas a nível nacional, mas também motivarão os professores; o foco nas aprendizagens essenciais é outra ideia destacada pelo professor inglês, pois há aprendizagens que não poderão deixar de ser realizadas como a leitura e a compreensão de conceitos estruturantes. Em Portugal, se a maioria dos alunos continua a ser avaliada com base nos resultados obtidos nos dois testes realizados por período, também há escolas onde a avaliação contínua é, cada vez mais, valorizada, logo parece que a mudança se vai fazendo.  As «Aprendizagens Essenciais» permitem focalizar o trabalho de sala de aula em certos conteúdos de forma a promover o desenvolvimento de competências no âmbito não só do saber, mas também do saber estar e saber ser, o que está de acordo com a ideia defendida por Tim Oates.

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No que respeita aos manuais escolares, continuam a ser utilizados os que foram elaborados de acordo com as Metas Curriculares do tempo do ministro Nuno Crato, o que, obviamente, é uma enorme incoerência. Quanto a «puxar os professores em direções diferentes», diga-se que os docentes vivem atolados em trabalho burocrático, quando a sua ação deveria estar centralizada na sala de aula. O professor inglês considera que o número de alunos por turma é inversamente proporcional à quantidade e qualidade das aprendizagens. No tempo de Nuno Crato, o número mínimo de alunos por turma era de 28; atualmente é menor, tendo-se vindo a caminhar na direção certa.

No que se refere à Flexibilidade Curricular que está a ser implementada em Portugal, Tim Oates considera-a positiva, salvaguardando, muito bem, a importância da existência de um currículo nacional que contemple a Matemática, as Ciências, a literacia, – acrescente-se a língua materna- e que assegure que certas áreas como a História, não sejam menosprezadas, devendo ser trabalhadas em pé de igualdade por todos os alunos. Ora, em Portugal, a História tem uma carga horária no 2º ciclo e no 3º ciclo ao sabor da autonomia das escolas, o que leva a que em muitos estabelecimentos de ensino a disciplina seja contemplada com dois tempos letivos semanais, em benefício da nova disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, e em outras com três.

O investigador inglês considera que sem conhecimento não se promove o desenvolvimento de competências. Diga-se que os documentos mais recentes oriundos do Ministério da Educação, nomeadamente o «Perfil do Aluno à Saída do Ensino Básico», valorizam o conhecimento e as competências, embora as «Aprendizagens Essenciais de História» primem pela desvalorização dos conteúdos, revelando várias incongruências.

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Quando foi solicitado a Tim Oates que desse a sua opinião sobre a boa evolução dos resultados obtidos pelos alunos portugueses no PISA, destacou as provas nacionais e a existência de bons manuais escolares. O investigador inglês, defensor da coerência, revelou alguma incoerência quanto às provas nacionais, já que atribuiu o sucesso finlandês, nos finais dos anos noventa, a décadas de trabalho anterior, enquanto a melhoria portuguesa se deve a um período de quatro anos, em que alguns alunos avaliados pelo PISA nem sequer foram sujeitos a exames nacionais. Talvez Tim Oates desconheça o trabalho desenvolvido em Portugal no âmbito da «Reorganização Curricular» do tempo da Secretária de Estado da Educação Ana Benavente.

Num tempo de mudança, aceita-se que surjam algumas incoerências, contudo a próxima equipa do Ministério da Educação, se for dirigida por alguém com um perfil de flexibilidade e de reconhecimento do erro- o atual secretário de Estado, João Costa?- não poderá deixar de refletir sobre os erros apontados, com vista a que os alunos portugueses obtenham mais e melhores aprendizagens.

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