Chega, um partido novo ou um novo partido com ideias velhas?

Chega, um partido novo ou um novo partido com ideias velhas?

Chega, um partido novo ou um novo partido com ideias velhas?

19 Outubro 2020, Segunda-feira
Francisco Cantanhede

André Ventura, líder do Chega, tem procurado fazer passar a ideia de que o seu partido foi criado para fazer o que os outros partidos recusam fazer, nomeadamente, combater a corrupção, logo trata-se de um partido novo. Até afirma que o Chega é o partido contra o sistema.

Recorde-se que André Ventura foi militante e dirigente do PSD. A questão que se coloca de imediato é: tendo sido dirigente de um partido da área governamental, o que fez para combater a corrupção? O BES é um dos casos de corrupção que maior revolta provoca nos Portugueses. Ora, o Chega tem dirigentes que estiveram envolvidos no caso BES e em outros casos que envolvem a banca, como denunciou uma deputada na Assembleia da República. Conclusão, o Chega é um partido do sistema; talvez o pior exemplo do sistema.

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Na convenção do Chega realizada em Évora, a mesa aceitou que fosse debatida uma moção que defendia o regresso dos castigos físicos- retirar os ovários a mulheres que abortassem em certas situações. Graças à Revolução liberal de 1820, mãe da atual democracia portuguesa, os castigos físicos foram banidos. Consta na Carta Constitucional de 1826 que são proibidos: «os açoites, a tortura, a marca de ferro e todas as mais penas cruéis». Argumenta o Chega que a moção foi rejeitada, o que é verdade. Mas, como a Constituição Portuguesa proíbe tal tipo de penalizações, a moção não deveria ter sido debatida. Contudo, a sua aceitação contextualiza-se nos artigos de opinião de André Ventura publicados no Correio da Manhã, em que, desprezando os Direitos Humanos, defende castigos físicos, e na afirmação que fez «estou-me nas tintas para a constituição».

Quem se está nas tintas para a Constituição da República, obviamente, despreza a democracia, pois a mãe de todas as leis é o garante do nosso regime democrático. Outra proposta do autor da moção referida defendia «o fim dos apoios sociais a familiares que integrem condenados mais do que uma vez por crimes violentos». Neste caso, o autor da moção certamente inspirou-se nos métodos usados pela Inquisição que, durante séculos, perseguiu inocentes e seus familiares. Mais uma vez, saiba caro leitor o que diz a Carta Constitucional de 1826: «Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Portanto não haverá em caso algum a confiscação de bens, nem a infâmia do réu se transmitirá aos parentes em qualquer grau que seja». Assim, o Chega demonstra ser um novo partido- não um partido novo- que procura recuperar do baú da História ideias humilhantes da dignidade humana.

Procurando dar credibilidade ao Chega como partido novo, o presidente do Governo Regional da Madeira comparou André Ventura a Francisco Sá Carneiro. O senhor Miguel Albuquerque parece desconhecer a biografia do fundador mais destacado do seu próprio partido. Sá Carneiro tornou-se conhecido dos Portugueses por ter exigido, em 1972, na então Assembleia Nacional, um inquérito à atuação da PIDE/DGS, afirmando mesmo que muitos dos presos políticos eram inocentes; Sá Carneiro defendeu a implementação de um regime democrático em Portugal. André Ventura tornou-se conhecido dos Portugueses através da sua participação num programa televisivo sobre futebol e defende ideias – contrárias ao regime democrático- que vigoraram pelo mundo há vários séculos. Sá Carneiro foi um homem corajoso, lúcido, que desassossegou os dirigentes da ditadura; a narrativa de André Ventura sossega os portugueses que, nos cafés, tabernas ou no sofá, seguem as peripécias de um jogo de futebol e, durante o intervalo, após insultarem o árbitro, afirmam que os políticos são todos iguais, são ladrões.

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A convenção de Évora demonstrou que André Ventura é um líder fraco, incapaz de gerir um simples quiosque. Talvez tenha futuro num certo mundo do futebol.

 

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